Azeite de oliva brasileiro tem produção pequena, mas compete em qualidade com os melhores do mundo

Do Rio Grande do Sul a Minas, passando pelo Paraná, olivais e lagares se difundem pelo país; conheça o cenário nacional

Sem um bom azeite de oliva extravirgem é impossível fazer um bom bacalhau, quem diria um pesto de manjericão ou um pan tumaca, todas receitas que precisam de rios desse nobre óleo. Até mesmo nos pratos que exigem um fio de azeite, a qualidade é fundamental. Óleos clarinhos, sem gosto e sem aroma – daqueles que parecem aguados – nada acrescentam aos preparos.

“Esqueçam aquela história que tem nas receitas: ‘finalize com um fio de azeite’. Não precisa ser um fio, pode ser um rio de azeite”, recomenda Sandro Marques, degustador profissional com formação na Itália que atua como jurado em competições internacionais e é autor de “Extra Fresco: o guia de azeites do Brasil”, livro publicado em 2020 que nas próximas semanas será relançado em edição atualizada.

A dica, obviamente, se refere ao uso de azeites de qualidade que, por sorte, começam a aparecer no mapa brasileiro. O setor ainda é jovem – a primeira extração comercial remonta a 2008 -, mas o azeite nacional já coleciona prêmios nos maiores concursos do mundo.

No ano passado, a Brazil International Olive Oil Competition, competição que reuniu produtos de países da América Sul, da América do Norte e da Europa, premiou azeites produzidos em Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. Os rótulos Verde Louro Frantoio, elaborado em Canguçu (RS), Azeite Sabiá Arbequina, de Santo Antônio do Pinhal (SP) e Azeite Vertentes, de Andrelândia (MG), entraram para a Top 10 ao lado de produtos espanhóis, portugueses, italianos e uruguaios.

“O volume vem crescendo, tem alguma variação ano para ano, mas a notícia mais legal é a qualidade desses azeites. A gente tem a vantagem de ter começado sem o vício dos países que produzem há centenas de anos: começamos com boas máquinas, os produtores fizeram a lição de casa, viajaram, e por isso, todo ano, a gente vê nas competições internacionais nossos azeites sendo premiados no mesmo patamar de países tradicionais”, afirma Marques, que conhece olivais e lagares Brasil afora.

Investimentos em equipamento e estudo elevaram a qualidade do azeite brasileiro. Foto: Divulgação/Azeiteria Vincitore.

Para chegar nesta qualidade, os produtores brasileiros tiveram que descobrir sozinhos como manejar a oliveira em condições climáticas e de solo muito diferentes dos países europeus, já que as regras do Velho Continente não se aplicam ao Brasil. A Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais) realiza testes desde os anos 1970 e, hoje, após uma longa jornada, os primeiros frutos começam a ser colhidos.

“Tivemos vários inícios que não deram certo porque estamos plantando árvores fora do seu clima e solo adequado, então é preciso fazer correção de solo e prestar atenção no microclima. Nos últimos 20 anos conseguimos acertar na produção”, explica o especialista.

Olivicultores dizem que a oliveira é uma árvore que gosta de sofrer, ou seja, dá o melhor de si em condições climáticas não tão favoráveis porque isso estimula o vigor da planta, o que resulta num azeite melhor. O frio também é fundamental para o bom desenvolvimento da oliveira, por isso, o cultivo se desenvolveu principalmente nas regiões Sul e Sudeste.

Os maiores polos nacionais são as planícies do Rio Grande do Sul, onde se concentram grandes propriedades, e a Serra da Mantiqueira, na divisa entre os estados de São Paulo e Minas Gerais, onde os olivais e a produção são menores, e o cultivo ocorre em declives numa altitude entre 800 e 1.600 metros.

Azeite monovarietal arbequina da marca Rossini, elaborado na Serra da Mantiqueira. Foto: Divulgação.

O sudeste tem cerca de 1,5 milhão de oliveiras distribuídas em uma área entre 2.500 e 3 mil hectares, sendo que aproximadamente 60% dos olivais estão em solo mineiro, enquanto os outros 40% se distribuem entre São Paulo e Rio de Janeiro. A região foi pioneira no cultivo de oliveiras no país, com a primeira extração de azeite realizada em 2009, de acordo com o Instituto Brasileiro de Olivicultura (Ibraoliva).

“Aqui no meio da Serra da Mantiqueira, o clima e o solo são propícios. O único problema é que chove demais, mas a boa notícia é que os terrenos são em declive e a água não fica retida nas raízes da planta”, explica Luiz Rossini, 71, dono da marca Azeite Rossini, produzida em Santo Antônio do Pinhal, município no estado de São Paulo.

Psicólogo aposentado, em 2011, Rossini resolveu mudar de vida e, sob impulso da esposa portuguesa, plantou as primeiras mudas de oliveiras. Atualmente, o pomar tem 2 mil árvores de cinco variedades voltadas para a produção de azeite – arbequina, koroneiki, grappolo, arbosana e maria da fé -, além da ascolana, que é comercializada como azeitona de mesa.

A produção alcança, em média, 4 mil garrafas por safra, que podem ser monovarietais, isto é, feitas com uma única variedade, ou blend, ou seja, misturas de azeitonas diferentes.

Assim como no vinho – onde cada uva tem um perfil sensorial diferente -, cada azeitona também resulta em azeite com características próprias. Outros fatores que influenciam diretamente no sabor e aroma são o terroir (ou seja, as peculiaridades de solo e clima do cultivo), o estágio de maturação do fruto e a intervenção do chefe de lagar, que é responsável por extrair o suco do fruto.

Azeitonas prontas para ser esmagadas na Azeiteria Vincitore, no RS. Foto: Divulgação,

Dependendo do perfil sensorial, o azeite pode ter diversas finalidades. A azeitona arbequina, por exemplo, resulta em bebidas doce e suave que combinam bem com peixes, saladas e carnes brancas. Já a koroneiki, variedade de origem grega, tem aroma e sabor mais herbáceo que casa perfeitamente com carnes, ovos e até ostras, de acordo com o livro “Extra Fresco”.

O Brasil conta com cerca de 120 marcas de azeites registradas e o número vem crescendo ano a ano. Em 2021, o Espírito Santo realizou a primeira extração de azeite e produtores também vêm se firmando em regiões como a Chapada Diamantina, na Bahia.

No Paraná, o português Idálio Cruz Inácio, 88, é considerado o pioneiro da olivicultura no estado. Nas encostas acidentadas do município de Ventania, no segundo planalto paranaense, a propriedade tem 30 mil pés de oliveiras só para produção de azeite das variedade arbequina, koroneiki e arbosana, comercializado pela marca Du Idálio.

O português Idálio Cruz, pioneiro na elaboração de azeite no Paraná. Foto: Divulgação.

Sua primeira tentativa, há cerca de 30 anos, fracassou. Já a segunda, com mais experiência, iniciou em 2006 e continua dando bons frutos. A colheita deste ano, que foi concluída no final de fevereiro, foi excepcional e rendeu 16 mil litros de azeite, antes os 4 mil litros do ano passado e os 2 mil litros de 2020. Segundo Rodolfo Wild Inácio, 32, administrador da empresa e neto do fundador, o frio rigoroso e constante do último inverno foi essencial para elevar a produtividade.

O ano passado marcou também o lançamento no mercado da primeira safra da Família Harder, marca produzida em Palmeira, nos Campos Gerais do Paraná. O plantio começou em 2013 numa área de 3,5 hectares e, em 2016, foi realizada a primeira extração, mas foram necessários mais quatro anos para que o volume (que não foi revelado pelo empresa) fosse suficiente para abastecer o mercado local.

“Em termos de qualidade estamos se equiparando ou superando o azeite europeu e a produtividade está aumentando. O nosso clima é muito favorável e o potencial de mercado é enorme. O desafio é descobrir a cultivar [variedade] certa para cada região”, explica o empresário Jonathan Harder.

O azeite é vendido nos pontos turísticos da colônia Witmarsum, em Palmeira, e também em Curitiba e Antonina, no litoral paranaense. O objetivo do empresário é dobrar a área plantada ainda neste ano, já que a oliveira se adaptou bem ao clima e solo da região.

Olival da Família Harder, em Witmarsum, nos Campos Gerais do Paraná. Foto: Divulgação.

O fazendeiro planta arbequina, que rende o único azeite monovarietal da marca, além de koroneiki, picual, arbosana e frantoio, que são usadas para blend. Ele descreve seu azeite como frutado, com leve picância e gosto herbáceo, ideal para acompanhar pães e massas.

Os irmãos Daniel e Flavy Pontel, de 39 e 59 anos, sócios proprietários da Azeiteria Vincitore, no município de Ipê, no Rio Grande do Sul, ainda estão na fase de descobrir quais variedades de azeitonas se adaptam melhor ao clima e solo da Serra Gaúcha, outra região que começou a dar os primeiros passos na olivicultura.

“Como estamos fora do mapa da olivicultura, quando plantamos as primeiras oliveiras em 2016, a gente não sabia quais variedades se dariam melhor”, explica Daniel. Cinco anos e muitos testes depois, eles perceberam que coratina, galega e picual, que no sul do estado enfrentam dificuldades, estão se desenvolvendo bem na Serra.

Com 75% da produção nacional, 200 produtores e 7 mil hectares plantados, o Rio Grande do Sul é o maior produtor do país, mas quase toda a elaboração de azeites se concentra no sul do estado, de acordo com o Ibraoliva.

Colheita das azeitonas na Serra Gaúcha. Foto: Divulgação/Azeiteria Vincitore.

Apesar de ter 20 hectares plantados, a produção da Vincitore ainda é pequena. Além da estiagem dos últimos anos, apenas 1 hectare está com produtividade suficiente para elaboração de azeites tanto é que a safra do ano passado foi a primeira a ser comercializada.

Este ano, a colheita acabou de terminar e nas próximas semanas vão chegar ao mercado dois rótulos da marca: um monovarietal arbequina, com amargor e picância acima da média, e um blend de arbequina e koroneiki, muito herbal e suave ao mesmo tempo, com notas de folha de tomate e bastante frescor, na descrição de Daniel. Os preços estão sendo definidos, mas garrafa de 500 ml deve custar cerca de R$ 75.

Segundo o empresário, a qualidade do azeite brasileiro é determinada por três fatores: a colheita, por ser realizada quase que inteiramente de forma manual ou semimanual, preserva melhor o fruto; a prensagem, que é realizada com equipamentos modernos e de ponta, diferente de muitos lagares europeus onde ainda se utilizam prensas mais antigas; e a velocidade de elaboração do azeite que é possível porque a produção ainda é pequena, o que facilita o trabalho logístico de transporte das azeitonas do campo ao lagar.

Se o setor continuar crescendo no ritmo atual, a expectativa dos produtores é que nos próximos anos o azeite brasileiro chegue com mais facilidade aos mercados e por um preço mais acessível.

Iniciativas para popularizar o consumo já surgiram. Em março deste ano, os empresários curitibanos Ata Hostin e Fabrício dos Santos criaram o Lagar Brasil, um clube de assinatura especializado em azeites brasileiros. Todo mês, os assinantes recebem uma ou duas garrafas de diferentes marcas nacionais – os planos começam em R$ 95 ao mês.

“Selecionamos entre os melhores produtores de azeites do Brasil sempre um perfil de azeite diferente para que o cliente possa conhecer toda a diversidade de sabores dos azeites brasileiros”, explica Hostin.

A expansão do segmento começa a impulsionar também o olivoturismo e já há fazendas e lagares que recebem turistas no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais.

“Estamos indo devagar, mas está acontecendo o que ocorreu com os setores de vinho e café em anos recentes”, garante Pontel.

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11 comentários em “Azeite de oliva brasileiro tem produção pequena, mas compete em qualidade com os melhores do mundo”

  1. Felipe de Almeida

    Com tudo caro no Brasil fica difícil pra algumas pessoas consumir o melhor de nossa terra, gosto de um bom azeite mas ultimamente tá tô pensando duas vezes antes de compra e prioriza outras coisas

  2. Edson Freitas Silva

    Vocês não falaram do azeite Irarema, fabricado numa fazenda em S.Paulo, na divisa com Poços de Caldas que já ganhou prêmio de melhor do mundo.

  3. Antônio Lopes Neto

    Fico feliz em saber que produzimos excelentes azeites e que concorrem hoje com os melhores europeus e ganhamos prêmios e reconhecimento internacionais. Quanto ao fato de ser caro, o melhor sempre custa mais que os comuns e isso é regra no mundo todo. Azeites portugueses, espanhóis, gregos de boa qualidade lá não são baratos, o que valoriza muito a produção cada vez mais.

    Concluindo, o melhor tem que custar caro para ser mais valorizado. É a lei do valor agregado. Compare com os vinhos, mas tem mercado para todos os níveis.

  4. Bom dia Antônio Carlos,
    O que você gostaria de saber?
    Para ter um panorama bem completo sobre a produção nacional, sugiro que você leia o livro “Extra Fresco: o guia de azeites do Brasil””, de Sandro Marques.
    Abs!

  5. Garrafas de 500 ml a 75 reais afasta a maioria de potenciais consumidores do produto… é um velho problema brasileiro…”o que é bom é reservado só pra meia dúzia de pessoas”…

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