Onda conservadora deixou os partidos mais fisiológicos e mais distantes da direita

Movimento que resultou na eleição de Bolsonaro não consolidou lideranças conservadoras, mas impulsionou as legendas ligadas ao centrão, sem programas claros e ideologias definidas

Mudanças de nome e fusões não alteram um fato na política brasileira desde e redemocratização, em 1985: alguns dos maiores partidos do país não têm um projeto claro e seus programas são vagos e ideologicamente frágeis. São os chamados partidos fisiológicos, que funcionam como guarda-chuvas para candidatos e sobrevivem de sua relação com o poder.

E a conclusão é que o fisiologismo está em alta, o que já era indicado em estudos acadêmicos feitos na década passada. Com base nos programas dos partidos, nos perfis dos candidatos e no número de eleitos, já era possível indicar que o crescimento do conservadorismo levaria a um enfraquecimento das lideranças tradicionais da direita, que passaram a enfrentar concorrência em seu próprio campo.

Quase quatro anos após a eleição de Jair Bolsonaro não houve um fortalecimento de lideranças tradicionais ou conservadoras, mas o crescimento de partidos com parlamentares do chamado centrão, cujo principal nome hoje é o presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), do Progressistas. As legendas que ganharam mais parlamentares e pré-candidatos pelo país durante a janela partidária (encerrada em 1º de abril) foram o Progressistas (antigo PP) e o PL (beneficiado pela filiação de Bolsonaro).

Outro que cresceu na Câmara e ganhou força nos estados foi o PSD, do ex-ministro Gilberto Kassab. Todas as siglas com parlamentares no chamado centrão aumentaram seu poder para as eleições deste ano: Solidariedade, Republicanos, Avante, Patriota e PSC ganharam filiados.

Já o DEM, partido de direita mais tradicional até 2018, virou União Brasil ao se fundir com o PSL. O PSL só obteve capital político depois de filiar Bolsonaro para a eleição de 2018. Elegeu 52 deputados, mas perdeu força com a desfiliação do presidente e fracassou em sua proposta de ser um grande partido de direita. Resultado da fusão, o União Brasil foi o que mais perdeu deputados federais durante a janela partidária.

Evento do PL, partido que mais cresceu na Câmara neste ano (Reprodução/Facebook)

“Saúde e educação”

São caracterizados como fisiológicos os partidos que sobrevivem em função do poder, negociando apoio em troca de cargos ou a liberação de recursos via emendas parlamentares. Seus programas não são claros e seus candidatos têm posições vagas e genéricas a respeito de temas como saúde e educação. São as legendas que mais crescem durante o período em que a troca de partido é permitida.

Uma explicação para a ausência de posições ideológicas e programas claros em partidos de centro ou direita é a origem dessas siglas, diz a cientista política Karolina Roeder. “Os partidos de esquerda têm mais consistência programática, pois historicamente surgiram a partir de pautas específicas, mais claras, e de organizações pré-existentes como sindicatos”, afirma. “A origem do partido está diretamente relacionada à sua ideologia. Os partidos de direita, que surgem dentro do parlamento, são mais fracos ideologicamente, pois a ideologia vem depois”.

Em um artigo de 2016, a pesquisadora classificou os partidos de direita em três grupos: “velha direita” (liberal em assuntos econômicos e conservadora em temas morais), “nova direita” (favorável à liberdade econômica e individual) e “fisiológicos” (os que apresentam posicionamentos vagos e genéricos).

No artigo Existe uma nova direita no Brasil? Uma proposta de classificação e análise de seu perfil social, Karolina Roeder mapeou 23.219 candidaturas a deputado federal no Brasil entre 1998 e 2014 e concluiu que os partidos da direita tradicional vinham perdendo espaço para a nova direita e os fisiológicos, em número de candidaturas e de eleitos.

“A chegada do Bolsonaro ao poder em 2018 foi o ápice desse processo que estava se gestando há anos. Havia uma queda dos partidos tradicionais de direita, mais competitivos internamente e enfraquecidos por estarem distantes do poder, como o DEM”.

Karolina Mattos Roeder, doutora em Ciência Política e professora universitária

No quadro atual, o NOVO (fundado em 2015) representaria a “nova direita”, mas a direita tradicional não tem um partido. “O União Brasil pode ser classificado entre velha direita, se formos considerar os parâmetros àquela época, e fisiológico, pós-2018. Há o caráter fisiológico, ligado às características pessoais dos candidatos e não a um programa partidário sólido”, avalia Karolina Roeder.

Em outro estudo, os pesquisadores Adriano Codato, Fábia Berlatto e Bruno Bolognesi, da UFPR, usam uma metodologia diferente para classificar as legendas de direita, mas indicam um crescimento constante no número de eleitos entre 1998 e 2014. Esse aumento levou a direita a eleger 44,6% dos deputados federais em 2014, contra 28,5% do centro e 26,9% da esquerda. Foi o pior desempenho de partidos de centro no período analisado e o pior da esquerda desde 1998.

O artigo Tipologia dos políticos de direita no Brasil: uma classificação empírica constata o crescimento de “partidos confessionais” (ligados a igrejas ou que têm aspectos religiosos em seus programas, como PSC e Republicanos) e “partidos personalistas” ou fisiológicos, em que os interesses pessoais do líder valem mais que a plataforma.

Enquanto esses partidos cresceram nas eleições de 2010 e 2014, as legendas classificadas como “seculares de direita” perderam espaço. O maior impacto para os partidos tradicionais da direita, que eram dominantes até 1998, foi causado pelo crescimento das candidaturas ligadas a igrejas evangélicas e sentido nas eleições de 2010, de acordo com o levantamento. Os partidos de centro também perderam com o avanço de confessionais e personalistas.

Base garantida

Depois de perder parte de sua base eleita pelo PSL (novatos como Joice Hasselmann e Alexandre Frota) e fracassar na tentativa de criar seu próprio partido, o Aliança Pelo Brasil, Bolsonaro se aproximou do centrão, estratégia que garantiu a maioria para aprovar as pautas do governo e neutralizar cobranças indesejadas. Segundo o site Congresso em Foco, o alinhamento da Câmara com o governo em 1.532 votações, desde janeiro de 2019, foi de 74% e superou os 90% entre partidos do centrão.

“O atual presidente era um tanto avesso a essa estratégia, mas sucumbiu nos últimos dois anos. Há uma necessidade de coalizão no período eleitoral e o vencedor terá essa necessidade. Essa estratégia de coalizões também nos estados passa a ser extremamente importante, pois dá possibilidade de uma governabilidade”, avalia o cientista político e professor universitário Doacir Quadros.

“Não há conteúdo programático, o que mostra que muitos partidos no Brasil são instrumentalizados para que determinadas lideranças permaneçam no poder. A grande maioria dos partidos se mostra frágil e fica um tanto nebuloso identificar um posicionamento”

Doacir Quadros, cientista político e professor universitário

Partidos como PT e PSOL têm programas mais claros, são mais coesos e seus parlamentares são menos suscetíveis a pressões de governos de outro campo político. Já PSB e PDT, dois grandes partidos considerados de centro-esquerda, têm uma dependência maior da política regional e de alianças locais com legendas de centro ou direita, o que muitas vezes acaba se impondo à orientação partidária.

Isso se reflete nas votações no Câmara: o PSB tem um alinhamento de 41% com o governo Bolsonaro nas votações na Câmara, segundo o Congresso em Foco, e o PDT de 43%. O posicionamento de parlamentares em algumas votações, como a da reforma da Previdência, chegou a gerar atritos entre deputados e a direção nacional do PDT. PT e PSOL têm 24% e 18%, respectivamente.

Cientista político e professor universitário em Teresina, Francisco Robert Bandeira Gomes da Silva lembra que em seu estado o PCdoB se aliou ao PMDB em várias eleições. “Muitos partidos são levados mais pelas conveniências do que pelas questões partidárias”.

“Temos um alinhamento ideológico no Brasil, mas ele é muito frouxo e não é tão nítido. Na Inglaterra os conservadores são conservadores, os liberais são realmente liberais. No Brasil esses termos são mais frouxos”.

Francisco Robert Bandeira Gomes da Silva, cientista político e professor universitário

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