O barco está afundando

Paulo Guedes é simplesmente incompetente. Deve ser muito bom em ganhar dinheiro para si, mas como ministro, um desastre

A verdade é que se você empresário ainda habita o barco que está afundando, está cometendo suicídio. Há tempos muitos se lançaram à água por estarem convencidos da incompetência do capitão. Mesmo assim, à medida em que vários donos de negócios remam em seus botes improvisados para se afastar da nau submergindo, alguns outros teimam em não reconhecer a realidade de que água já chegou aos seus pés. Estes, pouco afeitos aos fatos, pesam como âncoras para que o naufrágio seja ainda mais rápido e, pior, puxe quem tenta escapar, para o fundo do oceano.

Paulo Guedes é simplesmente incompetente. Deve ser muito bom em ganhar dinheiro para si, mas como ministro, um desastre. Termina agora o seu terceiro ano à frente de um dos ministérios mais importantes do país sem ter executado um plano econômico sequer, nada, nothing, rien, niente. Exemplos não faltaram: Alemanha, Reino Unido, Austrália, Estados Unidos, todos criaram pacotes de estímulos gigantes para aplacar os efeitos pandêmicos, porém, preocupado com as empregadas na Disney, o barão do mercado e do estado mínimo, entrega o que prometeu: nenhuma regulação e neoliberalismo xiita a lá brasileira.

Em sua análise, o Chicago “Boy” acredita que o dólar alto e uma taxa de juros baixa por si só acabariam com o rentismo brasileiro e incentivariam o empreendedor, revertendo uma tendência de desindustrialização de décadas. Ainda acreditando no conto de fadas de mãos invisíveis do mercado, Guedes se equivoca rotundamente e estamos longe de colher benefícios de suas escolhas estapafúrdias nem a curto, nem médio, nem a longo prazo.

O que o ministro falha miseravelmente em controlar, justificar ou explicar é a pressão inflacionária causada sobre produtos alimentícios por conta do dólar na altura em que se encontra. Com a valorização das commodities, fazendo com que a exportação de grãos seja preferencial, e o preço dos combustíveis batendo recordes atrás de recordes, os alimentos vivem aumentos reais impossíveis de serem absorvidos pelo setor gastronômico sem um maior achatamento da margem dos donos de restaurantes, já que a população geral também colhe perdas de renda significativas, inviabilizando um novo equilíbrio.

Em números reais, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor – Amplo), em agosto, acelerou para 0,87% — sendo esta a maior taxa em 21 anos, no mês, adverte o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em 12 meses, o indicador acumula alta de 9,68%.

Neste período, ficam flagrantes as altas do arroz (32,68%), do feijão fradinho (40,28%), do fubá de milho (28,15%), das carnes (30,77%) e do óleo de soja (67,70%). Já dos combustíveis: gás de botijão (31,70%) e da gasolina (39,09%). Fora a energia elétrica que promete outro aumento significativo e para o ultrapassado ministro, não há problema algum! Isso sem contar o passivo ambiental destrutivo – um dos fatores determinantes da crise hídrica – que a administração do atual governo nos deixa como legado.

Cientes, ou relativamente, algumas entidades de classe, frente ao real flagrante dos balancetes financeiros de seus representados, esboçam alguma reação. A Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) aqui do Paraná, que recentemente lançou uma campanha com medidas para economizar energia, tem se manifestado ao menos preocupada com a sua alta. O site da associação, comunica o envio de sugestões ao presidente Jair Bolsonaro com relação à problemática: “Na semana passada, entidades empresariais enviaram novo ofício ao presidente Jair Bolsonaro solicitando o retorno do horário de verão, ainda este ano. Entre as justificativas apresentadas para que parte do país atrase o relógio em uma hora, estão a contribuição na economia de energia diante da crise hídrica, além de um incremento no faturamento dos setores de bares e restaurantes e hoteleiro”. Não chega a ser um posicionamento veemente, mas já é um começo.

Quem não troca o disco da vitrola dos avelhantados de Chicago – ou da Havan – é a ACP (Associação Comercial do Paraná) e seu presidente Camilo Turmina. Não é a primeira vez que eu comento sobre esse alinhamento aqui na coluna. Na época, o assunto era sobre a restrição de circulação de pessoas para conter o avanço da pandemia, e é claro que, em consonância com Bolsonaro, o líder da associação era contra. A pauta passou, mas a união de opiniões permanece incólume. Seja sobre o voto impresso ou a condução política do governo, Camilo está sempre elogioso com relação ao mandatário da nação.

Não me escapa o fato de que Turmina, repetindo-se em flagrante falta ou omissão de repertório, no elogio que fez a carta-recuo de Bolsonaro, reitera que mais “reformas” seriam fundamentais: “Quando desestabilizamos o nosso Brasil, em especial politicamente, perdemos o controle sobre a nossa economia. Isso num momento em que temos adiante muitos desafios, como a reforma administrativa, necessária para gastarmos menos em dispêndio das contas da máquina pública, objetivando também reduzir a carga tributária com outra boa reforma”. Ora, presidente, será que já não reformamos demais? Não seria a hora de uma autocrítica fundamental sobre o modelo proposto? O senhor acredita que estamos com a economia sob controle?

Neste verdadeiro Titanic, já batemos no iceberg e rumamos ao fundo do Atlântico. O legado neoliberal prometido pelo governo está sendo entregue, ainda que muitos culpem o STF por não estar nadando em suas benesses. O mar gelado é este mesmo, caros amigos. Não há salvação mágica que poderia ter ocorrido com a diminuição dos juros e câmbio alto. Não há criação de oferta possível num país sem infraestrutura nacional e poder de compra. Ao mesmo tempo, não há chuva que se crie a partir da evaporação de soja de latifúndio ou mesmo hortifruti barato em terra arrasada.

O capitão segue firme e seus fiéis escudeiros, indiferentes à realidade de quem deveriam representar, também, com uma fé neoliberal cega que se recusam a atualizar. Não adianta diversos prêmios Nobel de economia como Paul Krugman e Joseph Stiglitz alertarem para os perigos da desigualdade e o favorecimento do 1% para a própria economia. Por aqui, seus discursos não encontram eco entre representantes e governantes que, quando “Novos”, elogiam Margaret Thatcher. O atraso é tão grave que chega a ser patético. O empresariado mesmo que não veja, não merece isso e muito menos nosso povo.

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