Cervejeiros, uni-vos

Festival da Cultura Cervejeira Artesanal volta a acontecer depois de dois anos

Era um sábado perto do almoço, eu recebera naquele fim de semana a minha mãe, de visita do Rio de Janeiro, quando um amigo me mandou uma foto pelo celular, levava o filho recém-nascido ao seu primeiro show. Declinei o convite de juntar-me a eles, por conta da matriarca e nossos compromissos, mas lamentei não comparecer ao festival. Mal sabia a cidade e eu, que essa seria a última festa cervejeira de Curitiba antes da pandemia e que dois longos anos se passariam sem festejos dessa natureza. No entanto, depois deste longo hiato, o Festival da Cultura Cervejeira Artesanal está de volta, e quem bateu um super papo comigo foi o Iron Mendes, presidente da Procerva (Associação das Microcervejarias do Estado do Paraná), responsável por organizar o evento, que espera mais de vinte mil pessoas, na sua próxima edição.

“É a chance de nós mostrarmos a nossa cerveja para uma grande variedade de pessoas, mostrar nossa marca, nossas novidades, lançamentos. A ideia é divulgar a qualidade da cerveja artesanal paranaense, para mostrar que há vida além das cervejas comerciais de massa”, me explica, Iron. O festival também aposta na proximidade com o cliente, na medida em que, estando presentes criadores e criaturas, o consumidor tem um acesso humanizado que jamais teria junto às marcas mais populares. “Incentivamos a degustação. O copo oficial do evento tem 200ml a dose. Há estações de água para você se hidratar. Temos o cuidado de pedir para que as pessoas se hidratem e comam durante o evento. Não é um evento para você ficar embriagado, é a chance de conhecer 44 das melhores cervejarias do Paraná”, completa.

Serão mais de 300 rótulos de cerveja, oficinas, workshops e uma estrutura gastronômica com opções para todos os gostos, além de espaço kids e muita música. Além disso, o festival também incentiva a troca entre os personagens do ecossistema cervejeiro brasileiro. Inclusive, há um business lounge dedicado exclusivamente a esses encontros. “A data original do nosso festival era sempre ao redor de março, quando ocorre o festival de Blumenau (Festival Brasileiro da Cerveja). Há um fluxo de pessoas que vêm de todo o Brasil aqui pro sul: donos de bares de outros estados, distribuidores de cerveja, até mesmo influenciadores, repórteres, cervejeiros, por conta deste grande festival. As pessoas acabam dando uma paradinha em Curitiba durante esse tempo. Só que nesse ano, como ainda tínhamos restrições de público devido a pandemia, preferimos fazer em setembro. Não é a data normal. É provável que, no ano que vem, voltemos a março”, me explica o líder da Procerva.

Que a cerveja é paixão nacional, todos nós sabemos e o setor vem indicando mudanças com relação ao seu consumo. Ainda que não tenha havido um boom exponencial do consumo da bebida, como foi o caso do vinho durante e pós a pandemia, o mercado da cerveja artesanal vem abocanhando cada vez mais e mais espaço, atraindo já há tempos o investimento e a canibalização das gigantes do setor. No entanto, o movimento cervejeiro artesanal resiste à pressão e também cresce paulatinamente, à medida que o consumidor médio, menos especializado, vai aderindo cada vez mais aos seus produtos. “Existiam 114 cervejarias artesanais no Brasil em 2010 e em 2020, são 1.400. Há um aumento muito grande de gente investindo, e se há alguém investindo, naturalmente há gente consumindo. Em termos de valor de mercado, a cerveja artesanal representava 2% do faturamento total, hoje está em torno de 5%-6%”, ratifica o empresário.

O que não ocorre com a mesma velocidade é a dedicação governamental sobre o desenvolvimento desses pequenos notáveis. Não é de hoje o conhecimento que se tem sobre as isenções fiscais e vantagens que são servidas às grandes indústrias do setor de bebidas. “Quanto menor você é, mais ajuda você deveria ter e não o contrário. As grandes têm maquinário, grandes equipamentos e tudo, não precisam de tanta gente para fazer cerveja. Nós acabamos empregamos muito mais por litro produzido”, me conta Iron. E completa: “o último relatório do Ministério da Agricultura, de 2020, lançado em 2021, dizia que o Paraná contava com 150 cervejarias registradas. Só na Procerva somos em 51 associados, gerando aproximadamente 600 empregos diretos. Há um estudo que diz que o setor cervejeiro gera 42 empregos indiretos para cada emprego direto, ou seja, estamos falando de por volta de 25 mil empregos gerados só pelos nossos associados”.

Outro assunto sobre o qual conversamos, foi a atuação do governo nas reprimendas a bares, restaurantes, que afeta diretamente os integrantes da Associação. “Primeiro, na minha opinião todo mundo tem que seguir a lei e estar regularizado, mas acho uma violência, você, para fiscalizar um bar, chegar com oito viaturas na frente e entrar de escopeta para pedir um alvará. Isso não faz o menor sentido. Tem que haver fiscalização, mas há maneiras e maneiras de se fazer isso. Eu como cliente, se estou sentado em um bar, e a polícia adentra dessa forma, me sentiria profundamente incomodado. Definitivamente há maneiras mais eficazes e inteligentes de se fazer essa conferência, ao invés de se recorrer a esta intimidação”, pontua o empresário.

Há problemas também culturais sobre o consumo de cerveja e alcoólicos no geral. Não que haja ocorrido desde sempre, mas hoje em dia, os cuidados dos próprios empresários do ramo são inúmeros, e, ainda assim, a ala conservadora dos civis da cidade, continua a demonizar o consumo de bebidas alcóolicas, mesmo sem provas ou argumentos sustentáveis, prejudicando não só as liberdades individuais, como também o comércio, dos bares e restaurantes, e concomitantemente o fabricante de cerveja artesanal. No fim das contas, e em consonância, com o moralismo conservador, acabamos por não ver medidas mais concretas de apoio a bares e restaurantes, como em tantos lugares do mundo.

“Um bom exemplo que eu vi foi no Canadá, em Quebec. Em um lugar da cidade há uma grande concentração de bares e a prefeitura fecha as ruas do entorno para a circulação de carros, diariamente, das cinco da tarde às dez da noite. Todos os bares colocam mesas e cadeiras nas calçadas e na rua. Isso traz uma concentração muito maior de clientes, todos os bares faturam mais e o local acabou tornando-se um polo de encontro da população. Às quinze para às dez da noite, aquilo tudo é desmanchado e às dez horas abre-se a rua e os carros voltam a circular. Há maneiras legais que o poder público daqui poderia explorar para ajudar o comércio”, me conta Iron Mendes.

Portanto, está na hora do poder público ampliar o debate sobre a produção de cerveja para além de uma força fabril, comercial e isenta de conteúdo. É uma atividade que gera emprego, mas que também serve como força emancipadora para empreendedores que participam de uma cadeia importante do setor de serviços. Curitiba e o Paraná transbordam bons exemplos de empreendedorismo, criatividade e qualidade quando falamos de cerveja. E estes suplantam em muito os maus exemplos pontuais relacionados ao abuso de substâncias, arruaças e distúrbios urbanos, cometidos por uma pequena quantidade de clientes. A “terra de gente que trabalha” está precisando olhar com mais carinho sobre o setor que inventa, produz e trabalha para que o estado continue na vanguarda da produção nacional de cerveja. Quem ainda duvida disso, é só chegar no próximo festival e constatar!

Sobre o/a autor/a

Compartilhe:

Leia também

As cozinhas do Ipiranga

Guardávamos boas lembranças das visitas ao Museu do Ipiranga, em São Paulo. Lembrava das escadarias centrais, da sala com a pintura do quadro que retrata o Grito da Independência, dos corredores e a exposição de carruagens, além de um ou

Leia mais »

Há saída para a violência?

Há que se ter coragem para assumir, em espaços conservadores como o Poder Judiciário, posturas contramajoritárias como as que propõe a Justiça Restaurativa

Leia mais »

Melhor jornal de Curitiba

Assine e apoie

Assinantes recebem nossa newsletter exclusiva

Rolar para cima