O Holocausto e o direito de ser quem você é

Em celebração do Mês do Orgulho, convidamos nossa equipe e ativistas a descobrirem as histórias de vítimas da perseguição nazista à comunidade LGBTQIA+

Um dos pilares nos quais o Museu do Holocausto de Curitiba se baseia em sua prática e pedagogia é o da universalização da Shoá. Isto é: a premissa de que é preciso dar luz às experiências de todas as vítimas do genocídio e suas particularidades, bem como a necessidade de usar desse evento histórico para tratar dos Direitos Humanos não somente na época, mas até os dias de hoje.

Por essa razão, a instituição busca constantemente contar histórias que partem de diferentes perspectivas, especialmente em datas de visibilidade a grupos marginalizadas.

Em junho, em celebração do Mês do Orgulho, além de visitas especiais temáticas, promovidas em parceria com o Grupo Dignidade, convidamos membros da nossa equipe e ativistas a descobrirem as histórias de vítimas da perseguição nazista à comunidade LGBTQIA+.

A Bruna Reis, coordenadora do Departamento, escolheu a história de Frieda Belinfante.

Nascida em Amsterdã, na Holanda, foi a primeira mulher na Europa a reger uma orquestra profissional. Teve muito sucesso no início de sua carreira, até seu trabalho ser interrompido com a invasão da Alemanha nazista na Holanda. Lésbica e filha de pai judeu, sua vida mudaria drasticamente com a ocupação no país.

Em 1943, entrou para a resistência. Encontrou esconderijos, falsificou documentos e ajudou a planejar um bombardeio para destruir os registros populacionais do Escritório de Registros Públicos de Amsterdã. Após o ataque, diversos de seus colegas foram executados e, para evitar ser descoberta, começou a usar roupas consideradas masculinas.

Quando questionada sobre como a história de Frieda a inspira, respondeu: “ela foi uma talentosa musicista e uma das primeiras maestras da Europa, sendo pioneira em muitos aspectos de sua vida. Viveu durante um período tumultuado, enfrentando a perseguição nazista por ser judia e, ao mesmo tempo, enfrentando a opressão por sua orientação sexual. Apesar dessas adversidades, ela se manteve fiel a si mesma e recusou-se a esconder quem realmente era. Assim como Frieda, aprendi que não podemos negar quem somos. Sua história inspira, não apenas a mim, mas também outras pessoas LGBTQ+ a abraçar suas identidades para viver uma vida autêntica, mesmo quando o mundo não parece estar pronto para aceitar plenamente a diversidade”.

O Flávio Moraes, que atua no atendimento ao público do Museu, se identificou com Albrecht Becker.

Nascido em 1906, na cidade alemã de Thale, se interessava desde a infância por brincar de boneca, fazer bordado e tricô. Sendo assim, seu pai decidiu direcionar seus interesses para a indústria têxtil.

Aos 18 anos, trabalhou organizando vitrines em uma loja de departamentos. Seus supervisores, impressionados com o talento, o enviaram para uma escola de design em Munique. Becker fez muitas viagens e comprou sua primeira câmera, marcando o início de uma longa carreira na fotografia. Mas, em 1935, foi levado a julgamento com acusações de “homossexualidade” e condenado a três anos de prisão em Nuremberg.

Flávio relata que: “quando a história de Albrecht Becker me foi apresentada, uma das principais características que mais me chamou a atenção foi a sua competência artística, visto que ele atuou em diversos campos, como ator, fotógrafo, cenógrafo e desenhista, demonstrando um grande conhecimento em todas essas áreas. Mas, o que mais me marcou foi quando, confrontado em julgamento pela sua homossexualidade, nenhuma contestação foi feita. É nesse momento que vemos a força de uma pessoa LGBTQIA+ e isso aconteceu com Becker. É essa valentia que mais me impressiona e encanta, pois era preciso resistir naquela época, e, infelizmente, ainda é preciso resistir hoje em dia.”

A Rafaela Courbassier, coordenadora do Departamento Organizacional, se inspirou pela história de Erika Julia Hedwig Mann.

Nascida na cidade alemã de Munique, foi uma produtora de teatro, dramaturga, jornalista, e atriz alemã. Era conhecida pelo seu cabaré humorístico antifascista e por sua companhia de teatro, “die Pfeffermühle”, cujas peças ridicularizavam abertamente os nazistas.

Pouco depois da subida ao poder de Adolf Hitler, deixou a Alemanha e passou por diversos países. Um deles foi a Inglaterra, onde casou-se por conveniência com o escritor W. H. Auden, para poder permanecer no país. Ela era lésbica e ele homossexual.

Deu continuidade ao seu cabaré de forma itinerante por diversas cidades da Europa. Ao fim da Guerra, foi a única mulher a cobrir os julgamentos de Nuremberg.

Para Rafaela, “a vida de Érika mostra que ser parte da comunidade LGBTQIA+ é algo muito maior do que eu. Mesmo em tempos tão difíceis, ela jamais abriu mão de ser quem é de se posicionar – e histórias como essa mostram que a representatividade não é algo trivial, mas o que abre precedentes para que as próximas gerações tenham mais qualidade de vida. Com isso, Érika ensinou que me posicionar como mulher lésbica não é algo puramente individual, mas também coletivo. Amar é, além de tudo, um ato político!”

O Francisco Mallmann, coordenador do departamento de Exposições, se identificou com a história de Willem Arondeus: artista e autor holandês que se juntou ao movimento antinazista na Holanda durante a Segunda Guerra Mundial.

Ele nunca escondeu a sua homossexualidade e tornou-se membro ativo da resistência, incentivando outras pessoas a resistir à invasão alemã. Fez parte de um grupo que forjou documentos para que pessoas judias pudessem esconder sua identidade e, mais tarde, liderou uma invasão que resultou na destruição do Edifício de Registro e Cidadão de Amsterdã.

Pouco tempo depois, Arondeus e outros membros LGBTQIA+ que integravam o grupo foram denunciados e condenados à morte por um pelotão de fuzilamento em 1º de julho daquele mesmo ano.

Francisco conta que “a vida de Willem Arondeus me inspira de muitas maneiras. Como artista, ele me ensina sobre a inseparabilidade entre as práticas artísticas e nossas práticas de vida. Como uma pessoa LGBTQIA+, ele lutou bravamente contra as violências nazistas, participando da resistência, sem nunca deixar de viver abertamente seu desejo e seu amor. Dizem que antes de ser executado, ele pediu ao seu advogado que sua homossexualidade fosse abertamente divulgada, para que as pessoas soubessem que sua orientação sexual em nada tinha a ver com covardia. Willem me ensina muito sobre coragem e valentia!”

As histórias de Frieda, Albrecht, Érika e Willem são algumas das presentes no material “ALÉM DO SILÊNCIO: existências LGBTQIA+, memórias e narrativas de vida”, lançado em 2022. Acesse o site para conferir na íntegra!

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