Apesar de protestos da Marinha, Aliel Machado diz que vai votar homenagem a João Cândido

Líder da Revolta da Chibata deve ter seu nome incluído no Livro dos Heróis da Pátria; Marinha brasileira considera o marinheiro um "insurgente"

A Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados pretende votar nesta terça-feira o projeto que inclui o nome de João Cândido Felisberto, conhecido como Almirante Negro, no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria. Presidente da Comissão, o deputado Aliel Machado (PV-PR), diz que não tem a intenção de seguir o pedido do Comandante da Marinha, Almirante Marcos Sampaio Olsen, para que o projeto seja derrotado.

Olsen enviou uma carta a Aliel na semana passada tratando João Cândido, o homem responsável por liderar a Revolta da Chibata em 1910, como um “insurgente” e afirmando que ele comandou uma revolta marcada pela “atuação violenta de abjetos marinheiros”, que teriam usado “equipamentos militares para chantagear a nação”.

A Revolta da Chibata, acontecida 22 anos após a abolição da escravidão no país, teve início porque a Marinha de Guerra brasileira insistia em punir com castigos corporais duríssimos os marinheiros, normalmente homens negros e pobres. O próprio João Cândido havia sido vítima de chibatadas antes de liderar a revolta, tomando quatro navios na Baía de Guanabara e mandando uma carta para o presidente da época, o Marechal Hermes da Fonseca, exigindo o fim das punições.

Aliel Machado, que como presidente da comissão tem a responsabilidade de pautar o projeto, diz que sua visão é inteiramente divergente da visão de Marcos Sampaio Olsen. “João Cândido lutou contra um sistema podre e acabou com as punições corporais que hoje a própria Marinha admite que eram um erro inaceitável”, afirma o deputado.

De acordo com Aliel, a História do Brasil como um todo hoje reconhece na figura do Almirante Negro a história de um homem corajoso que se insurgiu contra punições injustas. “No estado de origem dele, o Rio de Janeiro, João Cândido já é visto oficialmente como herói”, diz o parlamentar. “Precisamos pautar o projeto e fazer esse enfrentamento”, afirma.

A avaliação de Aliel é de que a Comissão de Cultura provavelmente aprovará o projeto. Em seguida, a pauta segue para a Comissão de Constituição e Justiça, onde talvez a aprovação enfrente mais obstáculos.

Veja a íntegra da carta enviada pelo Comandante da Marinha:

Eis o conteúdo da carta:

“Excelentíssimo Senhor
Deputado Federal ALIEL MACHADO
Presidente da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados
BRASÍLIA, DF. Em 22 de abril de 2024.

Ao cumprimentá-lo cordialmente, dirijo-me a Vossa Excelência para tratar do Projeto de Lei n° 4046/2021, que propõe a inscrição do nome de JOÃO CÂNDIDO FELISBERTO no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, insurgente da Revolta de Marinheiros ocorrida em navios da Esquadra, em 1910.

Digno de registro que o episódio constitui para a Marinha do Brasil (MB), fato opróbio da história, cujo estopim se deu pela atuação violenta de abjetos marinheiros que, fendendo hierarquia e disciplina, utilizaram equipamentos militares para chantagear a nação, disparando, a esmo, os canhões de grosso calibre dos apoderados Encouraçados contra a então Capital Federal e uma população indefesa, ceifando a vida de duas crianças, atingidas no Morro do Castelo.

Mister rememorar dentre as reivindicações apresentadas por manifesto de rebelados ao Governo brasileiro: o aumento de salários; a exclusão de Oficiais considerados – por eles – indignos de servir à Marinha; e regime de trabalho menos exigente. Notável, então, entender que, além do justo pleito pela revogação da prática repulsiva do açoite, buscavam, deliberadamente, vantagens corporativistas e ilegítimas.

Os castigos físicos levados a cabo nos navios, prática inaceitável, sob perspectiva alguma, e absolutamente incompatível com os caros preceitos morais observados pela sociedade contemporânea, foram reconhecidos, posteriormente, como equivocados e indignos, e os insurgentes, inclusive, anistiados. Porém, resta notável diferença entre reconhecer um erro e enaltecer um heroísmo infundado.

Aponto, por conseguinte, que incluir, no Livro de Heróis da Pátria, João Cândido Felisberto ou qualquer outro participante daquela deplorável página da história nacional, quando o patrimônio público foi destruído e o sangue de brasileiros inocentes derramado, seria o mesmo que transmitir à sociedade e, em particular, aos militares de hoje a mensagem de que é lícito recorrer as armas que lhes foram confiadas para reivindicar suposto direito individual ou de classe.

Convicto que não é competência da MB julgar argumentações de membros dessa Casa Legislativa, manifesto que a Força Naval não vislumbra aderência da atuação de João Cândido Felisberto na Revolta dos Marinheiros com os valores de heroísmo e patriotismo; e sim, flagrante que qualifica reprovável exemplo de conduta para o povo brasileiro.

Nos dias atuais, enaltecer passagens afamadas pela subversão, ruptura de preceitos constitucionais organizadores e basilares das Forças Armadas e pelo descomedido emprego da violência de militares contra a vida de civis brasileiros é exaltar atributos morais e profissionais, que nada contribuirá ao pleno estabelecimento e manutenção do verdadeiro Estado Democrático de Direito.

Por derradeiro, reitero protestos de elevada estima e consideração.”

MARCOS SAMPAIO OLSEN
Almirante de Esquadra
Comandante da Marinha”

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