A pressão decorrente das evidências cotidianas e científicas, sobre a existência de uma crise climática que impacta diretamente na vida humana, forçaram a regulamentação mínima do mercado neoliberal globalizado para que as empresas se tornassem sustentáveis.
Esse norte foi dado pela implementação de práticas de Governança Ambiental, Social e Corporativa (ESG) – métricas de avaliação dos riscos em cada um desses campos, conforme a atividade empreendida e as particularidades de cada empresa, que quando realizadas adequadamente, englobam a busca por soluções de mitigação e adaptação a tornar a companhia, sua atividade e produtos sustentáveis ou, na pior das hipóteses, socioambientalmente menos agressivos.
Como um grande novo mercado, permeado por alguns conceitos ainda incertos e uma legislação incipiente, a corrida por ecoprodutos deu margem à ocorrência de uma prática de desinformação denominada greenwashing, em uma tradução literal para o português: “lavagem verde”.
O termo faz alusão à expressão brainwashing, ou “lavagem cerebral”, conceito atribuído ao jornalista estadunidense Edward Hunter – ao descrever como o governo chinês obtinha a cooperação das pessoas durante a guerra da Coreia, em 1950 -, que explica que a mente humana pode ser controlada por técnicas que reduzem a capacidade crítica do sujeito ao elaborar ideias, usadas para permitir a introdução de pensamentos novos que implicam na mudança de suas atitudes, valores e crenças.
O greenwashing engana as partes interessadas ao omitir problemas ou exagerar as conquistas ambientais, sociais ou de governança de uma empresa; impede que o consumidor faça uma escolha consciente, corrói a confiança e a reputação da empresa, além de prejudicar os esforços genuínos de ESG. Portanto, é essencial identificar e penalizar os casos de greenwashing e, ao mesmo tempo, incentivar a transparência nos relatórios para abordar ambas as questões de forma eficaz.
Segundo a Investopedia, greenwashing é o processo de transmitir uma impressão falsa ou informações enganosas sobre como os produtos de uma empresa são ambientalmente corretos; envolve fazer uma afirmação infundada para enganar os consumidores, fazendo-os acreditar que os produtos de uma empresa são amigos do ambiente ou têm um impacto ambiental positivo maior do que realmente têm.
O greenwashing ainda não é visto como um problema pela população brasileira. Segundo uma pesquisa quantitativa recente sobre os principais temas de sustentabilidade e as práticas de consumo dos brasileiros conduzida pela consultoria A Arte da Marca – com 1.042 pessoas acima de 18 anos, das classes ABCD, nas cinco regiões do país – apenas 38% dos respondentes se dizem preocupados e comprometidos com a sustentabilidade.
Na Europa e nos Estados Unidos, o comportamento dos consumidores é distinto. Quando uma empresa é publicamente acusada de greenwashing, o estrago reputacional é de tamanha dimensão, que o esforço para conter seus danos é maior do que o empreendido para construir a imagem de negócio sustentável que a empresa detinha até então, e muitas vezes é em vão, como no caso da pioneira britânica “The Body Shop”, por exemplo.
Em 2017, a brasileira Natura & Co comprou a “The Body Shop” da L’Oreal por 1,04 bilhão de dólares americanos, e permaneceu proprietária da marca por 6 anos, até que em novembro de 2023 vendeu para o grupo de gestão de ativos Aurelius, por meros 266 milhões de dólares, e há poucos dias foi decretada sua falência no Brasil.
A “The Body Shop” foi uma marca precursora no debate e banimento de crueldade animal de sua cadeia produtiva e de fornecedores, tanto proibindo testes em animais, quanto educando seus consumidores. Atendo a padrões de transparência e consciência ambiental, em 2019 foi certificada como Empresa B.
No entanto, pouco antes de ser comprada pela Natura, a “The Body Shop” teve sua ética questionada por comercializar seus produtos na China, onde eram obrigatoriamente testados em animais. A partir de então, a empresa sofreu um boicote severo na Europa que teve impactos diretos nas vendas, todas as tentativas posteriores de reabilitação da marca foram recebidas de forma negativa pelos consumidores.
Em janeiro de 2024, o Parlamento Europeu estabeleceu regras rigorosas sobre as afirmações que as empresas e marcas podem ou não fazer quanto à divulgação de dados de sustentabilidade sobre seus produtos, uma regulamentação de greenwashing que terá impactos globais.
Trata-se de uma nova Diretiva sobre Capacitação dos Consumidores para a Transição Verde (ECGT), que visa restringir uma série de táticas empresariais injustas que impactam negativamente na possibilidade dos consumidores fazerem escolhas sustentáveis e serão acrescentados à lista da União Europeia (UE) de práticas comerciais proibidas. O texto é fruto de um acordo prévio, e está agora pronto para ser incorporado na legislação nacional dos Estados-Membros da UE.
Pelo novo regramento, afirmações ambientais genéricas e outras informações enganosas sobre produtos serão proibidas, somente serão permitidos rótulos de sustentabilidade baseados em esquemas de certificação aprovados ou estabelecidos por autoridades públicas – o que implica no surgimento de um novo papel das empresas de certificação, a informação sobre garantias terá de ser mais visível e será introduzido um novo rótulo de extensão de garantia.
Uma vez aplicada, a diretiva proibirá alegações de neutralidade climática, que estão entre as alegações verdes mais enganosas do mercado. As marcas só poderão designar um produto como “eco” ou “verde” quando ele for verdadeira e integralmente mais ecológico do que os convencionais, conforme certificação fornecida por um sistema público confiável, como o Rótulo Ecológico da UE, por exemplo.
O Gabinete Ambiental Europeu (EEB) entende que a norma é um passo importante para combater o greenwashing: atualmente, 75% dos produtos no mercado da UE ostentam uma alegação verde implícita ou explícita, mas mais da metade destas alegações são vagas, enganosas ou infundados, enquanto quase metade dos 230 rótulos ecológicos disponíveis na UE têm procedimentos de verificação muito fracos ou inexistentes.
Segundo o European Environmental Bureau (EBB) – a maior rede europeia de grupos de cidadãos a trabalhar com advocacy ambiental de políticas progressistas, as novas diretivas da União Europeia empoderam os consumidores contra o greenwashing empresarial, restringindo que as empresas façam falsas alegações e produzam rótulos pretensamente ecológicos (enganosos), mas faltam medidas contra as barreiras à reparação dos consumidores lesados e outras práticas injustas, como a obsolescência programada – prática comercial de limitar intencionalmente a vida útil de um produto para incentivar a compra de um substituto mais novo.
Ademais, embora a nova lei exija que informações sobre a reparabilidade e durabilidade dos produtos sejam disponibilizadas aos consumidores no ponto de venda, não há outras obrigações para tornar os produtos mais duradouros ou reparáveis. E, ainda que seja proibido aos comerciantes anunciar produtos defeituosos aos consumidores, eles só serão punidos se restar demonstrado que estavam conscientes do problema: uma condição difícil de comprovar na prática.
Desde logo, as empresas brasileiras que comercializam diretamente, assim como aquelas que participam da cadeia de fornecedores de empresas pertencentes a algum dos 27 países-membros da UE, precisam adequar-se aos novos parâmetros europeus.
Sobre o/a autor/a
Luciana Ricci Salomoni
Advogada e pesquisadora. Sócia-fundadora da Ricci Salomoni Sociedade de Advogados @rslaw_. Mestranda em Meio Ambiente e Desenvolvimento (UFPR). Especialista em Direito Ambiental (UFPR), Direito Empresarial (IBMEC) e Direito Processual Civil (Instituto Bacellar), com estudos em Feminismos, Direito da Arte e Patrimônio Cultural pela Academia de Direito Internacional de Haia e certificação ESG pela Universidade de Cambridge. Integrante das Comissões de Direito Ambiental e de Assuntos Culturais (OAB/PR). Mãe.