O teatro como palco da oposição ao fascismo no Holocausto e na História

O teatro, seja direta ou indiretamente, sempre ocupou um espaço importante de resistência na história

Em todas as suas formas, a arte sempre foi uma possibilidade de manifestação para pessoas desviantes da norma. Aqueles que não tiveram meios de expressão na ampla sociedade, muitas vezes descobriam na arte um caminho para expor suas vivências e opiniões, propondo reflexões acerca de seu tempo.

Não por acaso, a arte se tornou ferramenta de resistência ao fascismo. Não poderia ser diferente quando os mesmos corpos que a encontraram como refúgio são os grandes perseguidos e feridos pelas ideologias totalitárias.

O teatro, seja direta ou indiretamente, ocupou um espaço importante de resistência na história. Nos momentos mais sombrios, foi responsável por levar à população o senso crítico, ou até mesmo um pouco de leveza e humor. Durante a ditadura militar, por exemplo, teve grande participação na resistência cultural, mesmo ameaçado pela censura.

A peça “Opinião”, dirigida por Augusto Boal, foi um dos manifestos mais emblemáticos da época, por ter disfarçado críticas ao autoritarismo usando como referência músicas de protesto.

Resistência no Holocausto

Durante a Shoá, a resistência também se deu de muitas formas. Frente às limitações impostas às vitimas da perseguição nazista, atos corriqueiros se tornaram proibições. A liberdade religiosa, de estudo, trabalho e, é claro, artística, foi criminalizada – mas, nem por isso foi extinta.
Clandestinamente, os religiosos faziam cerimônias de Shabat, os professores ensinavam crianças a escrever, os médicos tratavam doenças que se alastravam pelos guetos e os atores elaboravam peças para gerar entretenimento nesses locais. Apesar das tentativas e ameaças, a vida não parou.

Em sua versatilidade, a arte encontrou diferentes funções. Para alguns, principalmente as vítimas, representou um refúgio da trágica realidade em que viviam. Em coletividade, se permitiam rir, chorar, sentir e aplaudir histórias que as transportavam, brevemente, para outro lugar. Para outros, foi caminho para manifestar oposição e afrontar, corajosamente, o governo e seus apoiadores.

Erika Mann: o humor como ferramenta de confronto

O último foi o caso de Erika Julia Edwig Mann. Nascida em 9 de novembro de 1905, em Munique, era a filha primogênita de uma família judia que instigava a produção intelectual. Atriz, artista de cabaré, escritora e editora, fundou sua primeira companhia com seu irmão e melhor amigo, Klaus, e outros amigos do bairro. Desde sua primeira peça pública, em 1925, esteve à frente de seu tempo: representou um casal de lésbicas com Pamela Wedekind, com quem mais tarde teve um relacionamento.

Em 1933, fundou o cabaré político-literário Die Pfeffermühle, em sua cidade natal, conhecido por peças que abertamente ridicularizavam nazistas, usando do humor como ferramenta de crítica social. Apesar do sucesso do local, as circunstâncias impediram sua continuidade e, para evitar a prisão, os seus membros fugiram do país – mas continuaram as apresentações em exílio europeu.

Erika teve dois casamentos de fachada com amigos, também homossexuais. Esses relacionamentos permitiam que vivessem mais convenientemente, inclusive possibilitando refúgio em alguns países. Não somente ela, como também outras mulheres lésbicas, desempenharam um importante papel na resistência política ao nazismo.

Depois da Guerra, foi com sua família para os Estados Unidos, onde tentaram dar continuidade ao cabaré. No entanto, a falta de interesse do público local encerrou a sua atuação, que durou 1034 peças. No país, ela e seu irmão foram investigados por suas “atividades homossexuais” e inclinações políticas socialistas – situação que levou Klaus a cometer suicídio. O luto da perda do seu melhor amigo fez com que Érika se dedicasse a preservar os seus trabalhos em parceria e, consequentemente, a sua memória. Em 1969, ela faleceu em decorrência de um tumor no cérebro.

Festival de Teatro de Curitiba

Em abril, Curitiba sediou a 31ª edição do Festival de Teatro. Realizado anualmente, o evento se tornou referência nas artes cênicas do Brasil. Nele, criou-se um espaço democrático, que oferece oportunidade e visibilidade para artistas e produções de todos os lugares, portes, opiniões e gêneros.

Ainda que a censura propriamente dita não seja uma realidade concreta hoje, a liberdade artística continua vivendo sob constante ameaça – seja dessa forma, ou pela inviabilização, por diversos meios, da execução de determinadas produções por razão do posicionamento que estão manifestando.

Em uma sociedade onde a arte é tão pouco valorizada, a existência e independência do Festival de Teatro e outros marcos com o mesmo propósito se torna de extrema importância. É preciso dar continuidade à história e à luta construída por talentos como Erika. A perseguição àqueles que tiveram a coragem de persistir, mesmo quando as circunstâncias tentaram impedir, abriu precedentes para que a arte continue representando a pluralidade de experiências que formam a nossa população e que, tantas vezes, não encontram voz em outros espaços.

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