O que eu queria ter aprendido na escola?

Na minha escola, todo mundo aprenderia que Diadoriam era mulher guerreira demais para muito homem; que coração esmagado desamassa...

Já virou lugar-comum dizer que a pandemia obrigou as escolas a se reinventarem. Ocorre que lugar-comum – frase ou dito banal, sem originalidade – não significa necessariamente erro. De fato, é possível aproveitar a crise como oportunidade e fazer do limão uma limonada; só para completar o rol de chavões.

A suspensão das aulas presenciais não só oportunizou uma amostra aos pais do que é ensinado na escola – e de como seria uma vida em homeschooling –, mas também fez com que eu, professora, pensasse na minha história escolar e no que realmente importa na educação.

Ou, para ser menos pretensiosa, aquilo que eu verdadeiramente gostaria de ter aprendido na escola. Para além da leitura dos clássicos (que, sim, é essencial para a formação), para além da história do Brasil e dos nomes dos afluentes, tantas outras coisas teriam facilitado minha vida se caso eu tivesse aprendido na fase escolar.

Pois então, se eu tivesse “a caneta na mão”, alteraria o currículo escolar. Na minha escola, todo mundo aprenderia que Diadoriam era mulher guerreira demais para muito homem; que coração esmagado desamassa; que Machado de Assis é mesmo um gênio, mas poderia ter sido mais crítico ao racismo; que soneto de “Fidelidade” pode ser cantado no ritmo do hino nacional; que a juventude é poderosa; que mascar chiclete ajuda a resolver equação do 2.o grau; que eu não estava gorda; que os elogios têm de ser lembrados, mas as ofensas não; que é uma delícia cantar bem alto; que livro e terapia deveriam ser itens da cesta básica de todo brasileiro; que compartilhar conselhos é uma forma de generosidade; que geometria não euclidiana é mesmo desnecessária para a vida; que Euclides da Cunha teve uma vida pessoal tão ou mais interessante do que suas obras; que não importa se Capitu traiu ou não traiu Bentinho; que Madalena era de esquerda e Paulo Honório, de direita; que Hannah Arendt é um ótimo repertório para meu texto; que responsabilidade é o primeiro passo da alteridade; que Macabéa é a total representação do povo brasileiro; que Vilela era sim feminicida; que o medo não educa; que bater é diferente de amar; que a letra de “Anos Dourados” veio bem depois da melodia; que educar é ouvir e estimular as pessoas a serem quem elas são; que futebol explica muito sobre o brasileiro; que máscaras evitam não só vírus, mas também o bafo matinal.

Estudei em colégio de freiras que não aceitava meninos. Naquela época, muitos dos temas eram tabus. Só como professora pude entender os meandros do conhecimento, a ponte entre língua e história. E hoje percebo que, assim como os poetas e artistas, professores trazemos ao dia a dia nossa face. Nosso pacto sempre foi com o aprendizado, e as medidas sanitárias estão no pacote. Nada menos carismático para um professor do que fazer da câmera seu palco. No entanto, nós, pessoas que vivem de fazer espetáculo hodiernamente para crianças e adolescentes, entendemos que ficar em casa seria celebrar a vida e respeitar a ciência.

Queria ter aprendido na escola que desprezar o conhecimento é quebrar a empresa. No caso, agora, um país.

Sobre o/a autor/a

14 comentários em “O que eu queria ter aprendido na escola?”

  1. Solange Tavares

    Sensacional, maravilhoso, um belo texto que nos inspira a refletir. Parabéns professora Candice. É muito bom um amanhecer com leituras como essas.

  2. Rozemeire Rodrigues

    Maravilhoso, faz bem pra alma esse texto. Nos acalenta diante de tantas opiniões contrárias e de desrespeito à educação.Obrigada Candice.❤️?

  3. Poder voltar pra sala de aula pra ter você como professora seria um privilégio!!!! Sorte que a vida me ensinou a ser uma eterna aprendiz e eu descobri o quanto enriqueço meu saber com textos instigantes! Gratidão pela aula de hoje!

  4. Parabéns, Cândice! Seu texto ficou maravilhoso e traz um debate tão relevante para nossa contemporaneidade, uma vez que a escola não parou de funcionar porque os professores estão trabalhando incansavelmente, contudo quase invisíveis.

  5. Excelente texto da professora Candice , que mostra a todos com seus exemplos de leitura o quanto se tornou culta , crítica e conhecedora de muitos assuntos além dos “afluentes”.
    Com muita leitura está nova geração poderá fazer uso da palavra e lutar pelos seus direitos , pois eles serão ou futuros condutores da nação .
    Quem lê aprende muito mais que textos e conhecer autores , aprende a se desenvolver pessoalmente e não se deixar ser conduzido , como um povo apático que não conhece e não luta pelos seus direitos .
    Parabéns professora Candice por este texto tão reflexivo .

  6. Texto incrível e inspirador que nos leva ao passado, à infância e adolescência mostrando a magia e importância do conhecimento e formação cultural!!! Em tempos sombrios um texto destes é um banho de esperança !!! Viva os professores que lutam arduamente para que tenhamos um povo mais crítico, culto e, consequentemente, livre !!!

  7. Excelente. Nestes tempos de anti-intelectualismo, enche-nos de esperanças ler reflexões como estas. Parabéns à professora pelo belíssimo texto e parabéns ao Plural por abrir espaço a debate de altíssimo nível.

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