Cassar o mandato de Renato Freitas é um ato de violência

O que se pode dizer em favor do vereador? Nada, exceto que sua manifestação de forma alguma fere o exercício e nem a legitimidade do seu mandato

Na próxima terça-feira (10), a comissão de ética da Câmara Municipal de Curitiba vai decidir sobre o pedido de cassação do vereador Renato Freitas (PT), acusado de quebra do decoro em virtude da participação em uma manifestação em frente à igreja do Rosário, no centro da cidade, e que terminou com a entrada dos manifestantes no prédio e na abertura de bandeiras do Partido Comunista, repetição de palavras de ordem, entre outras formas de protesto.

Havia alguns fiéis dentro da igreja e foi evidente o constrangimento de alguns. A Cúria chegou a registrar um boletim da ocorrência. Diante da repercussão dos fatos, Freitas desculpou-se pela atitude. Alguns dias depois, a Mitra da Arquidiocese de Curitiba veio a público, por meio de uma carta enviada ao conselho de ética da Câmara, declarando aceitar as desculpas do parlamentar, reiterar que não houve invasão durante a missa e que “percebe-se no vereador o anseio por justiça em favor daqueles que historicamente sofrem discriminação em nosso país. A causa é nobre e merece respeito.”

A oposição, particularmente a bancada evangélica, iniciou um movimento para cassar o mandato do vereador petista, que já havia tido uma série de conflitos com essa bancada, sendo alvo, inclusive, de outro pedido de cassação, por ter chamado alguns pastores evangélicos de “picaretas”. O pedido desta vez avançou na comissão de ética da Câmara e será votado nessa semana. O parecer do relator é pela cassação.

O que se pode dizer em favor do vereador? Nada, exceto que sua manifestação de forma alguma fere o exercício e nem a legitimidade do seu mandato. Se houve algum excesso, caberia à Igreja católica buscar seus direitos. No entanto, como dito, isso não ocorreu. Se houve consternação da opinião pública, a condenação pode se dar na próxima eleição, deixando de votar ou até mesmo fazendo campanha contra o vereador, caso ele se candidate à reeleição. 

Não é porque Renato Freitas vem da periferia, é pobre, negro e representa essa parcela invisível da população que deveria ser poupado. Não se trata de uma compensação por sua origem humilde e os humildes que ele representa.

Trata-se, isso sim, do absurdo de querer tirar uma representação popular de um cidadão por causa de uma participação em um evento que resultou em um constrangimento ao qual o constrangido já manifestou claramente sua compreensão, aceitando publicamente os pedidos de desculpas do vereador.

Não houve nenhum dano de natureza material e mesmo que houvesse, caberia ao atingido a prerrogativa do pedido de ressarcimento. Aos religiosos que ficaram chocados com a atitude, cabe a reprovação, o que ocorreu nas redes sociais. Eu mesmo, que nem católico sou, achei afrontosa a imagem daquela bandeira comunista dentro da igreja. Quem conhece um pouco de História sabe o quanto é pouco adequada essa imagem. No entanto, minha consternação resumiu-se a uma manifestação de desagrado. Eu, como cidadão, aceitei as desculpas do vereador. Que não se repita. 

O que significa então a possível cassação do vereador Renato Freitas? Um ato de violência contra o mandato dele e, principalmente, contra a parcela da população curitibana que votou nele. Uma violência na medida em que não há relação de causa e consequência entre a ação e a reprimenda desejada, da mesma maneira que os vereadores não são parte legítima para encarnar a posição de ofendidos e a perda de mandato não tem nenhum caráter compensatório em relação a atitude da qual o vereador foi parte. E, mesmo admitindo que nenhuma dessas afirmações sejam válidas, resta a absurda desproporção entre o fato julgado e a pena cominada.

E o que significa uma Câmara de vereadores que se entrega a um ato de violência contra um colega seu? Desqualifica-se como colegiado de representação da cidade, encarnando o papel de  vingadores de valores que não são da cidade e dos seus cidadãos, mas de suas bolhas de influência em ano eleitoral.

Trata-se de um claro desvio de finalidade da função dos vereadores, que usam um companheiro, representante de uma parcela pouco visível da cidade, para firmar suas posições frente aos seus próprios eleitores. Não é um julgamento com base em fatos que desqualificariam o exercício da profissão, como, por exemplo, querer dar uma surra em um membro do Supremo Tribunal Federal.

Pelo contrário, o julgamento é que tem esse condão, de desqualificar a Câmara, tornando-a um palco inquisitório-eleitoral,  a anos luz de distância do papel que, dentro de um Estado Democrático de Direito, deveria exercer.

Como cidadão, minha atitude é simples e pública: não votarei em nenhum dos vereadores que se manifestarem pela cassação de Renato Freitas. 

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4 comentários em “Cassar o mandato de Renato Freitas é um ato de violência”

  1. Prezado Professor,
    permita-me uma paralaxe.
    O vereador atuou politicamente ao adentrar a igreja, e seu ato constrangeu muitos…
    não só constrangeu como ofendeu…
    afinal, como o Sr. sabe, a verdade não só constrange, mas ofende e até dói.
    Mas o processo de cassação não é só uma deixa pra vingança de uma bancada ofendida, é a oportunidade do sistema voltar a seu equilíbrio. Qualquer curitibinha sabe que o Renato nunca deveria ter sido eleito… e nada mais limpo que ‘seus pares’ expurgarem o defeito que a democracia imperfeita causou em nosso legislativo municipal.
    O que se pode dizer do Renato só é desfavorável para ele: causou todo tumulto em nome dum imigrante ilegal, é um
    defensor de fracassados, desmoraliza nossas forças de segurança… em fim, apesar de não ter sido ele quem desfraldou a maldita bandeira comunista, é da mesma laia… antes tivesse chutado uma santa de barro e causado algum prejuízo material…. mas sobre tudo pesa que o Renato falou coisas que não toleramos lembrar. Quem não fica nauseada ao lembrar que essa igreja foi construída por escravizados, sobre o cemitério de pretos?
    E é justamente porque ele é preto, vem da periferia, é pobre e representa essa gente que a classe média só tolera ver vestida de uniforme, que ele deve ser des(truído/tituído).
    O mandato do Renato é um desvio de finalidade! Os vereadores são pagos para manter as coisas como estão, sem alarde, sem destoar… coisa que na câmara de Curitiba ele faz mesmo que não queira.
    Não creio que um julgamento tenha o condão de alterar, tirar ou pôr qualidade, seja na Câmara ou no vereador… mas certamente o Renato nunca terá a mesma qualificação que nossa Câmara!

  2. Estamos juntos, professor. Mexeu com o Renato, mexeu comigo. Quem votar pela cassação, jamais terá meu voto. Aliás, já estou em campanha contra esses canalhas.

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