Pacientes sem Covid também aguardam horas nas UPAs

Profissionais da Saúde revelam caos com aumento de internações e falta de leitos em Curitiba

Com o agravamento da pandemia, o sistema público de Saúde de Curitiba respira por aparelhos, que estão em falta. As Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) seguem lotadas e apesar da abertura de novos leitos, neste sábado (6), a Capital chega a 97% de ocupação. São apenas 13 vagas de UTI Covid pelo SUS em toda a Cidade. Com o cenário, hospitais e UPAs também não conseguem suprir a demanda de pacientes que precisam de atendimento médico por outros motivos, que não Covid. 

É o que foi registrado na UPA do Pinheirinho, em Curitiba. “Os pacientes ficam aguardando vaga nas poltronas, às vezes até por três a quatro dias”, conta um profissional de Saúde da Unidade, que prefere não se identificar. Ele relata que por conta da superlotação – tanto de pessoas com Covid quanto não Covid – os pacientes que precisam de medicação são colocados nos corredores, com os soros pendurados nas paredes.

O enorme volume de pessoas na unidade também faz com que as medidas básicas de segurança sanitária para combater o vírus não sejam cumpridas. “Tá muito complicado. Não tem distanciamento suficiente entre as macas da emergência. Mal cabe uma mesinha pequena com o monitor entre uma e outra.”

Seu colega descreve o cenário caótico dos atendimentos e do cansaço das equipes. “Acordei agora, tava só o pó da gaita. Essa noite foi ‘foda’, amarrando soro nas paredes pois não tinha suporte, tinha oito CLP [aguardando vaga em hospital pela Central de Leitos da Prefeitura], salão lotado, todos que vinham tinham exames pra coletar, idosos nas cadeiras de rodas, não parava de chegar paciente.”

O profissional ainda relata que por causa das salas e corredores cheios, os pacientes eram colocados lado a lado, com um distanciamento de apenas 15 centímetros uns dos outros. “Não tem como fazer milagres se não tem espaço físico para atendimento.”

Relatos do grupo de WhatsApp. Foto: Arquivo pessoal

Os depoimentos não param por aí. “Fizemos o impossível pra medicar, verificar dados vitais e fazer anotações de enfermagem. Pacientes acamados na quali [qualificação diagnóstica – sala onde os pacientes recebem a medicação e aguardam os exames] sem condições de trocar fralda com as poltronas e uma cadeira preta entre elas. Todas cheias”, afirma o terceiro enfermeiro.

Enfermeiros relatam como os atendimentos estão sendo realizados. Foto: Arquivo pessoal

Segundo os funcionários, os médicos aceleram as consultas para tentar diminuir a fila de pessoas para serem atendidas. “Ontem tinha oito CLM [se referindo aos pacientes que esperam uma vaga de UTI na Central de Regulação de Leitos Médicos] e os pacientes nem levantavam pra fazer xixi por medo de perder a poltrona. Um deles reclamou que já estava há três dias aguardando vaga.”

Foto: Arquivo pessoal

Profissionais exaustos

Uma técnica de enfermagem que ficou 12 horas e meia no plantão na UPA do Pinheirinho conta que, por causa do aumento vertiginoso no atendimento de pessoas com o vírus Sars-Cov-2, “faltam profissionais em número suficiente para trabalhar de forma digna e proporcionar atenção e assistência de enfermagem de qualidade a todos os pacientes”.

“A Unidade permanece fazendo os atendimentos para a população que está doente por outros motivos. Afinal, as pessoas continuam sofrendo com as demais doenças crônicas. Elas continuam tendo infarto agudo do miocárdio, crises convulsivas e doenças neurológicas como AVC [acidente vascular cerebral].”

De acordo com a enfermeira, falta espaço físico para atender esses pacientes, que em geral acabam sendo assistidos em uma sala improvisada. “Condições de trabalho como esta comprometem a segurança do paciente e  configuram um risco grave de acidentes. Temos vergonha desta situação. É constrangedor trabalhar desta forma”, afirma.

Ultimamente, as salas e enfermarias cheias têm impedido o seguimento das normas do Conselho de Enfermagem quanto à atuação dos profissionais da Saúde, lembra ela. Enquanto deveriam ter pelo menos cinco técnicos de enfermagem junto de pacientes graves, nesta sexta-feira (5), eram apenas três funcionários para 13 pacientes.

“Outro dia, um médico fez exame físico na paciente para verificar um abcesso perianal no meio do corredor. Pediu ajuda aos estagiários, que fizeram uma cabana de lençol sobre a paciente, e olhou a região. Depois ele deixou a paciente ali, no corredor, deitada de bruços com o lençol por cima por que não tinha local para deixar a paciente.”

Desvalorização e riscos

Além de toda a sobrecarga e tensão a que os profissionais da Saúde estão sendo submetidos, a enfermeira avalia que os servidores são desvalorizados pela Prefeitura de Curitiba. Um exemplo disso é a tentativa do órgão de terceirizar o serviço de enfermeiros das unidades.

“Somos alvo de uma manobra de descrença dos servidores. Somos culpados pela ineficiência do serviço público de Saúde, quando na verdade quem está aqui, trabalhando desde o início da pandemia, somos nós. Nós estamos aqui! Nós escolhemos ser servidores e servir a população”, diz, mas alerta: “Estamos caminhando para um precipício.”

Para outra enfermeira, os dias que chegam devem ser parecidos. “A próxima semana é pra ser uma das piores já vivenciadas. A nova cepa tá atingindo a população jovem também. Vão ter que fechar outras alas para atender Covid; faltam leitos com respirador. Faltam profissionais pois a desvalorização é grande. Estão fazendo contratação em massa, mas muitos não querem mais trabalhar pois sabem que o risco é sério. O que temos é desvalorização, adoecimento e carga horária exaustiva.”

Sobre a situação crítica dos atendimentos, a Prefeitura de Curitiba afirmou, em nota, que “as UPAs têm infraestrutura e profissionais capacitados para dar todo suporte e atendimento ao paciente enquanto aguarda transferência hospitalar, inclusive se houver necessidades de intubação e manter em respirador. Vale ressaltar, portanto, que os pacientes que estão em UPAs estão recebendo assistência médica necessária e que o município não tem medido esforços para garantir o atendimento à população”.

Ontem a Secretaria Municipal de Saúde ativou quatro novos leitos de UTI SUS (dois no Hospital Victor Ferreira e dois na UPA Tatuquara). Ainda assim, a lotação em todos os estabelecimentos de Saúde de Curitiba está próxima ao limite, atingindo 97% nesta sexta. São apenas 13 leitos vagos em UTIs SUS.

Insegurança na espera

Embora os pacientes com suspeita e confirmados de Covid-19 fiquem separados dos demais, a professora de canto Jessica Waltrick da Silva conta que se sentiu bastante insegura quando precisou de atendimento médico nesta quinta-feira (4) na UPA do Boa Vista, em Curitiba. Isso porque, segundo ela, além do local estar cheio de pessoas, o banheiro era o mesmo para ambas as alas. “Precisei coletar amostra de urina no mesmo banheiro onde transitavam os pacientes de Covid. Fiquei com bastante medo. Levei uma máscara bem grossa e meu próprio face shield. Raramente vi os funcionários utilizando álcool gel e álcool nos acessórios”, conta.

Ambulâncias aguardam na UPA Boa Vista. Foto: Arquivo pessoal

Jessica vem sofrendo de convulsões e desmaios há um mês. Sem um diagnóstico definido, ela precisou esperar seis horas por atendimento na UPA Boa Vista, o que só aconteceu porque começou a ter uma crise de espasmos e sentiu que iria iniciar mais uma convulsão. “Eu cheguei lá, fui atendida na recepção após 10 minutos de fila, esperei mais 30 minutos, fui para o acolhimento. Me mandaram para a ala de espera clínica [com mais 20 pessoas], ala separada das pessoas com sintomas de Covid. Esperei mais duas horas e meu acompanhante que aguardava lá fora chamou um médico, que me atendeu na hora.”

Depois do atendimento, Jessica fez alguns exames e foi medicada na cadeira, com anticonvulsivos na veia, remédio para dor e soro.

Paciente foi medicada na cadeira. Foto: Arquivo pessoal

Improvisos

As mudanças estruturais vêm sendo constantes, mesmo que improvisadas, como na UPA do Cajuru, onde está havendo uma mudança de setores: o atendimento para pessoas suspeitas de coronavírus passará a acontecer na maior área da unidade, onde antes eram assistidos pacientes com outras demandas. A troca se deve à chegada expressiva de contaminados por Covid-19, muitos com necessidade de internação.

Um profissional da UPA Cajuru conta que a mudança está causando muita confusão nos atendimentos e que a estrutura não aguenta a demanda da população. “O número de profissionais é insuficiente, é sempre muito cansativo e a qualidade do atendimento cai muito. Se chegar 10 pacientes, a gente vai colocar os 10 para dentro, vai dar um jeito, improvisar.”

UPA Cajuru tem fila de ambulâncias. Foto: Sismuc

Sobrecarregados

Em nota, o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais Curitiba (Sismuc) confirma que as UPAs estão sobrecarregadas e isso complica o atendimento de outras doenças para a comunidade que necessita de assistência nessas Unidades. “O tempo de espera está sendo muito grande porque a procura de pessoas com sintomas de Covid é alta, sobrecarregando as Unidades, visto que a falta de servidores já era um grande problema e agora piorou a situação, e a Prefeitura não tem o menor interesse em resolver isso. Muitas pessoas internadas nas UPAS aguardando vagas nos hospitais. É um total descaso com a população e com os servidores que estão sobrecarregados e adoecendo. A cobrança do SISMUC com a falta de servidores já vem de muito tempo, é sempre ignorado pela gestão, e isso ficou mais evidente agora na pandemia.”

UPA do Sítio Cercado, em Curitiba. Foto: Sismuc

Hospitais fecham Pronto Atendimento

Dois hospitais particulares de Curitiba já fecharam os Pronto Atendimentos (PA) por superlotação. A preocupação com a sobrecarga do sistema de Saúde segue atingindo funcionários de diversas instituições, principalmente em um momento em que os casos de Covid não param de subir na Capital.

Enquanto no Hospital de Clínicas (HC) todos os setores estão cheios, no Hospital do Trabalhador, mesmo com todas as áreas funcionando, as duas UTIs de trauma estão sem nenhuma vaga. “Hoje tinha muita gente, fiquei até assustada. No ambulatório ainda tem bastante gente vindo. São pacientes também de reconsulta, pós operatório”, conta uma profissional. Ela acredita que nos próximos dias a situação pode ficar ainda pior e existem chances de alguns setores do hospital serem fechados.

Foi o que já aconteceu no Evangélico Mackenzie esta semana, que continua com todos os leitos lotados e sem novas vagas para receber pacientes de ambulância. No Marcelino Champagnat e no Nossa Senhora das Graças, o Pronto Atendimento chegou a ser suspenso por excesso de pacientes.

No mesmo dia em que Curitiba atingiu o marco de 3.020 mortos por Covid, o Governo do Paraná determinou a reabertura de comércios, escolas e bares, flexibilizando as medidas de restrição para conter o avanço do vírus. Seguindo a decisão do Estado, a Capital prorroga o decreto até a próxima quarta-feira (10/3) e estuda novas medidas. De acordo com o boletim divulgado pela Secretaria Municipal de Saúde neste sábado (6), Curitiba registrou 835 novos casos e 22 óbitos pela doença, que tem 9.069 casos ativos. 

Colaborou: Maria Cecília Zarpelon

Sobre o/a autor/a

1 comentário em “Pacientes sem Covid também aguardam horas nas UPAs”

  1. Correção CLP ( Central de Leitos Psiquiátrico ). Em geral são pacientes extremamente agitados. Necessitam de contenção física (amarrados ao leito) e química ( com restrição).. Excesso de drogas pode necessitar de respirador.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima