Misturar é preciso

A web trouxe uma proximidade muito maior do que em outras épocas, possibilitando trocas culturais em níveis jamais pensados. Isso possibilitou novos estilos surgirem, enriquecendo ainda mais o caldeirão cultural brasileiro

Ainda aproveitando o embalo do tema da última coluna, vou dar continuidade ao tema das misturas sonoras, algo característico na nossa cultura, procurando aqui costurar com a cena atual, mas antes trago um rápido contexto histórico.

O princípio básico do DJ (Disk Jockey) é mixar, ou seja, misturar. E foi pensando nesse princípio e no filme Ray (2004), sobre a vida do músico e compositor Ray Charles, que me veio à cabeça essa grande sacada que alguns artistas tiveram: a de misturar. Misturar estilos, ritmos, culturas, influências, enfim, misturar o que achassem interessante.

Ray Charles, por exemplo, foi um dos grandes DJ’s da música. O que ele fez foi misturar os dois estilos com os quais teve contato na sua formação musical e cultural: o Gospel (a música religiosa dos negros americanos) e o Rithym’n Blues (uma ramificação do Blues). Os lugares onde Ray apresentou pela primeira vez sua mistura eram frequentados por negros. No início, não acharam boa a mistura, mas, com o tempo, se entregaram ao som que seria mais tarde conhecido como Soul Music. Pois é, o pai da Soul Music é Ray Charles, e não James Brown, como alguns críticos de música o denominaram no final dos anos 60. Ray também era um antropófago!

Ray Charles.

Nós também temos bons misturadores por aqui. Um é o nosso inesquecível Luiz Gonzaga, o Gonzagão. Ele foi o inventor de um formato que perdura até os dias de hoje, no que diz respeito ao visual das bandas e cantores de forró e outros estilos. Foi o Gonzagão quem primeiro deu um formato cênico e profissional aos grupos que já eram tradicionais na região nordeste.  Ele pegou a música que já tinha na veia e adicionou elementos visuais inexistentes até então, criando uma versão high tech da roupa do vaqueiro do Nordeste. Se prestarmos bastante atenção, Luiz Gonzaga é o nosso Elvis Presley. Os dois tiveram quase a mesma sacada. Pegaram elementos regionais, um pegou a roupa do vaqueiro do sertão brasileiro, o outro, a roupa do cowboy americano, e transformaram em um figurino cênico, que virou a marca registrada de ambos.

Trazendo o assunto para hoje temos ótimos exemplos, dos mais variados estilos, com uma rapaziada extremamente talentosa e segura do que quer fazer. A web trouxe uma proximidade muito maior do que em outras épocas, possibilitando trocas culturais em níveis jamais pensados. Isso possibilitou novos estilos surgirem, enriquecendo ainda mais o caldeirão cultural brasileiro. Uma maior representatividade também foi possível, com artistas representando não só uma vertente musical, mas representando grupos da sociedade que antes tinham muito mais dificuldade de aparecer. A visibilidade está aí para todos, e a cena independente ganha espaço no mainstream. Anitta, por exemplo, é uma artista que combina a estética global do pop, mas adiciona o universo das favelas do Rio de Janeiro; O som, chamado por alguns de “folk fofinho” da dupla Anavitória, traz uma gostosa combinação do folk, pop, e dos sons do norte do Brasil, fugindo do eixo Rio-São Paulo, não que seja uma novidade. E a lista pode seguir com Iza, Duda Beat, Jaloo, Melim, Djonga, entre tantos outros. Essa nova geração chegou com uma voadora no peito, abrindo caminho e mostrando muito talento e conteúdo. Misturando estilos globais e ao mesmo tempo locais, mostrando o Brasil plural como ele é.

O barato de misturar na música sempre rolou. E fazer isso é muito bom, é uma forma de renovação. A moçada de 1922 ficaria orgulhosa!

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