Uma experiência democrática que durou 20 anos

Duas derrotas impostas ao regime militar dos candidatos da situação em Minas Gerais e na Guanabara (Rio de Janeiro) foram determinantes para o desfecho político do Brasil

O fim do Estado Novo e a o retorno do país ao regime democrático mostravam-se inevitáveis em 1945. A luta das tropas brasileiras ao lado dos Aliados contra as ditaduras nazifascistas na Europa durante a Segunda Guerra Mundial colocava em xeque a continuidade de uma ditadura em solo brasileiro. As oposições políticas ao governo Vargas se aproveitaram desse desgaste e o governo Vargas entrou em crise e caiu em outubro de 1945 – mais precisamente no dia 29 quando o então presidente foi deposto do cargo.

Antes, no entanto, convivendo com pressões internas e externas, o governo Vargas queria manter seu protagonismo e buscou planejar e conduzir o processo de transição. Em 28 de maio de 1945, decretou a chamada Lei Agamenon, no qual marcou as eleições para o dia 2 de dezembro e regu­lamentou o novo código eleitoral, bem como os requisitos para a formação dos partidos políticos. Era o fim do período ditatorial de Vargas.

Segundo o historiador Alessandro Batistella, durante o período pluripartidário, que seguiu de 1945 a 1965, os três principais partidos políticos brasileiros foram o Partido Social Democrático (PSD), a União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O PSD junto com o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), aliou-se e fez parte das forças getulistas, que mantinham em suas estruturas resquícios do Estado Novo.

“No Paraná, o PSD foi articulado pelo interventor Manoel Ribas e por integrantes dos altos escalões da máquina administrativa estadual, como o Major Fernando Flores, Roberto Glaser, Angelo Lopes, João Teófilo Gomy Júnior, Lauro Sodré Lopes, os irmãos Flávio Guimarães, Alô Guimarães e Acyr Guimarães – jornalista proprietário do jornal Gazeta do Povo –, entre outros”, escreve Batistella no artigo “O sistema pluripartidário de 1945-1965 no Paraná: Uma análise dos partidos políticos, governos e das eleições no estado”.

Já o PTB teve sua origem diretamente relacionada ao sindicalismo oficial, pois o partido surgiu da União dos Trabalhadores do Paraná (UTP), que, por sua vez, também foi arquitetada pelo interventor Manoel Ribas – homem de confiança de Getúlio Vargas.

Por outro lado, segundo o autor do artigo e doutor em História, ainda em fevereiro de 1945 os grupos opositores a Getúlio Vargas no estado “começaram a articular a Frente Única do Paraná, que reunia, entre outros nomes, o major Plínio Tourinho, Joaquim Pereira de Macedo (que representavam o grupo dos ex-aliados de Getúlio marginalizados depois de 1930), Laerte Munhoz, Arthur Ferreira dos Santos (que representavam o grupo dos oligarcas que foram alijados do poder após 1930), Erasto Gaertner, Francisco de Paula Soares Neto, Otávio da Silveira, o intelectual David Carneiro e o engenheiro Othon Mader”. No final de maio, a Frente Única ingressou na UDN.

Eleições e o poder do dinheiro

Moysés Lupion.

O pleito nacional de dezembro de 1945 resultou na eleição do general Eurico Gaspar Dutra como presidente da nação. No Paraná, apoiado pelo PSD e pelo PTB, ele venceu com 70,1% dos votos.

Logo em janeiro de 1946, Manoel Ribas, o mais cotado para vencer as eleições ao governo do estado, faleceu. Durante todo esse ano, o estado foi comando por interventores – como abordado na coluna anterior.

A eleição para o governo foi realizada em 19 de janeiro de 1947, com a vitória do empresário Moysés Lupion (PSD-PTB-UDN-PRP). Para chegar ao poder, ele “utilizou-se da sua fortuna para promover a sua candidatura, comprando jornais – como O Dia, de Curitiba, e Correio do Paraná, de Londrina, além de 49% da Gazeta do Povo, de Curitiba – e emissoras de rádios, como a Rádio Sociedade Guairacá, de Curitiba”, revela Batistella.

Lupion, que contava com apoio oficial, derrotou Bento Munhoz da Rocha Neto, que recebeu o apoio dos dissidentes udenistas que não compactuaram com a aliança com o PTB e o PSD, por 59,1 % dos votos contra 29,3%.  Além disso, Lupion governou o Paraná “com a maioria absoluta do Legislativo estadual, pois a grande coalizão aglutinava 83,7% dos deputados”.

Na eleição seguinte, em outubro 1950, Bento sagrou-se vencedor com quase 63% dos votos e passou a ser o governador o estado e tomou posse no ano seguinte. A “esmagadora vitória de Bento deve-se principalmente à união das forças antilupionistas, que aglutinou diversos partidos”, aponta o historiador.

No entanto, durante o seu governo, Bento enfrentou a oposição sistemática do PSD, partido majoritário na Assembleia e que dominava a grande imprensa paranaense. Ele acabou renunciando em 3 de abril de 1955 para assumir o Ministério da Agricultura no governo de João Café Filho, de quem era amigo pessoal, permanecendo no cargo até novembro de 1955.  Até o fim do ano, o estado foi governado pelo banqueiro e presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná Adolpho de Oliveira Franco, que foi eleito de modo indireto pela Assembleia Legislativa.

Na eleição seguinte, Lupion sagrou-se vencedor no pleito de 3 de outubro de 1955, obtendo 40,8% dos votos, contra 28,9% de Mário de Barros (PTB), 14,6% de Othon Mader (UDN), 10,1% de Luís Carlos Tourinho (PS

Lupion e os conflitos de terra

Apenas para contextualizar, os dois governos de Moysés Lupion foram marcados por conflitos nos campos paranaenses: Guerrilha de Porecatu (1947-1951) e Levante dos Posseiros (1957, no Sudoesto do estado). São temas que valem uma coluna só para explicar esses fatos. Mas, em suma, pairava o interesse do então governador Moisés Lupion, mandatário do Executivo estadual em ambas as situações, em agradar seus correligionários em troca de apoio político.

O próprio governador era acusado de ser dono de companhia de terras que nos dois conflitos agrários fizeram uso de jagunços e grileiros para acuar violentamente os posseiros.

Fim da democracia

Ney Braga.

A sucessão ao governo estadual de 1960 tinha o favoritismo do senador do PTB Abilon de Souza Naves. Ao mesmo tempo também ganhava terreno, durante o ano de 1959, a candidatura do deputado federal e ex-prefeito de Curitiba Ney Braga, do PDC.

Entretanto, Souza Naves morreu em 12 de dezembro de 1959 vítima de um infarto fulminante.

Dessa forma, nas eleições de outubro Ney Braga obteve 35,3% dos votos, contra 30,9% de Nelson Maculan e 26,8% de Plínio Costa (PSD) (IPARDES, 1989: 11), e elegeu-se governador do Paraná.

Já durante o fim do seu governo, houve o golpe militar de 1964, que colocou novamente uma pá de cal na prática democrática no Brasil. “Na noite do dia 1º de abril Ney Braga fez um discurso – transmitido pelas emissoras de rádio e televisão – no Palácio Iguaçu, onde se encontravam milhares de pessoas, no qual disse ‘que se considerava um democrata, criticou o perigo comunista e afirmou que Goulart estava ameaçando o regime, mas que agora o Brasil estava livre e que nele vingará a democracia cristã’[Gazeta do Povo, 2 abr. 1964]. Sem dúvida, o discurso de Ney Braga é uma ‘confissão’ da sua participação na conspiração, que vinha sendo articulada por vários governadores, juntamente com setores militares, já há algum tempo”, assinala o historiador Batistella.

Diante disso, Braga acabou apoiando na eleição de 1965, o candidato da situação Paulo Pimentel.  Do lado oposicionista, estava o ex-governador Bento Munhoz da Rocha Neto, “inimigo político” de Ney Braga.

Nas eleições de 3 de outubro de 1965, Paulo Pimentel sagrou-se o novo governador paranaense, obtendo 51,1% dos votos contra 45,1% de Bento Munhoz da Rocha Neto.

“Com a vitória de Pimentel, Ney Braga consolidou a sua força política no Paraná e, gozando de grande prestígio, foi convidado pelo Marechal Castelo Branco a assumir o Ministério da Agricultura no final de 1965”, completa o pesquisador.

Mas duas derrotas impostas ao regime militar dos candidatos da situação em Minas Gerais e na Guanabara (Rio de Janeiro) foram determinantes para o desfecho político do Brasil. Em resposta, os militares decretaram, em 27 de outubro de 1965, o Ato Institucional nº 2 (AI-2), que, entre outras coisas, estabeleceu a eleição indireta para a presidência da República e extinguiu os partidos políticos existentes no país, dando início ao bipartidarismo.

“Assim, surgiram, de um lado, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de apoio ao regime; de outro, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição consentida e controlada”. Era o fim do pluripartidarismo no Brasil. Uma nova ditatura estava, de fato, em vigor.

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