Podcast – Palavras perdidas

Que delícia conhecer palavras novas. Veja alguns exemplos

Descobri as palavras perdidas ainda muito jovem, quando estudante do colégio militar de Fortaleza. Um amigo, Vicente Martins, sugeriu-me uma diversão, enquanto aguardávamos a formatura que antecedia o início das aulas. Ele me diria uma palavra e eu deveria dizer o que significava. Vicente, um ano mais velho que eu, era poeta, em uma época na qual não duvidávamos de afirmações tão marcantes como essa. “Sou poeta, disse-me ele. Gosto das palavras. Quer conhecê-las melhor?” E então, todos os dias, brincávamos  de palavras.

Em casa, havia um dicionário de capa preta, do MEC, que meu pai chamava de “pai dos burros”. Meu pai tinha o excelente hábito de não responder nossas perguntas e exigia que procurássemos a resposta. Ele tinha também uma enciclopédia Delta Larousse e aprendi a folhear suas páginas ao léu, olhando as imagens em preto e branco e detendo-me em uma ou outra definição. Gostava das explicações longas, pois achava que guardavam um conhecimento mais profundo. Demorei muitos anos para entender que quantidade não tem relação alguma com profundidade.

Depois que me iniciei nas palavras perdidas, e vivia anotando palavra no “pai dos burros”, meu pai permitiu que eu usasse o Caldas Aulete, uma série de livros grossos, de capa azul escuro, que enfeitavam o alto da estante  da sala. Com o tempo, essa se tornou minha coleção preferida e concorria até com os quadrinhos e os livrinhos de detetive e cowboy. Quando, adulto, fui viver minha vida, levei os livros azuis comigo e, fechando o meu ciclo, presenteei-os ao meu filho.

Lembro de uma das palavras que aprendi nesses encontros diários com meu amigo Vicente: inverossímil . Ainda hoje olho para essa palavra e me maravilho com a sua elegância. Quando eu aprendia essas palavras só queria usa-las, exibi-las (e exibir-me) e então arranjava um jeito de incluí-las em minhas redações. Os professores de língua portuguesa comentavam os textos e, para mim, esse era um momento muito intenso. Mas na semana na qual coloquei o inverossímil no meu texto, o professor não fez nenhum comentário. Não me conformei. Reuni coragem e perguntei para ele enquanto caminhávamos por uma das alamedas da escola. Ele respondeu-me, seco: “você escreveu errado. Se você gosta das palavras, aprenda a escrever direito”. Fiquei arrasado. Não podia acreditar que estava sendo acusado de não gostar das palavras. No entanto, quando recebi a minha redação corrigida (com um anódino 7,0) estava lá, a minha palavra perdida, sublinhada em vermelho, maltratada pela minha imaturidade.

Certa vez pensei um projeto com alguns amigos para resgatarmos essas palavras e recoloca-las em circulação na linguagem cotidiana. A ideia é parecida com a da minha infância: cada “sócio” adotaria uma palavra e arranjaria formas de disseminá-la em seus posts, suas aulas, seus artigos, suas lives, suas conversas, até nos seus pensamentos. Um trabalho de formiguinha, espalhando diligentemente suas palavras como legados para as futuras gerações.

Minha palavra escolhida aprendi em uma crônica de Humberto Werneck citando Luís Fernando Veríssimo: flunfa. Como é sonora essa palavra! E o que será que significa? A que será que remete uma palavra que se pronuncia com tanta maviosidade? Eu sei, é claro.

Outra palavra que usei recentemente: bruzundanga. Trata-se da palavra usada por Lima Barreto no seu delicioso livro sobre o Brasil de seu tempo. E eu usei para falar do Brasil do meu tempo. Acho incrível esse poder de uma palavra que durou 100 anos dizendo a mesma coisa triste sobre o nosso país que não aprende a ser diferente.

Essa semana aprendi mais duas palavras, relendo Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos, do maestro Rubem Fonseca. Aliás, aprendi também nessa semana, lendo os Analectos (que palavra linda!) de Confúcio, que mestre é aquele que é capaz de trazer novidades sobre o passado. Rubem Fonseca permite isso toda vez que volto aos seus textos. As palavras são: efélides e pardavasca. Observem a sonoridade dessas duas palavras! São palavras para descrever características superficiais de um personagem, mas parecem revelar mistérios tão mais densos, mais importantes. Ou não passa do reflexo do meu prazer estético com essa língua tão sonora. Não sei. Não importa. Prefiro essa iridescência inocente das palavras que admiro  do que a jactância insidiosa de tantas coisas descabidas pronunciadas por profetas de araque.

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