Vale a pena comprar um carro elétrico no Brasil?

Apesar de projeções otimistas em relação à venda de carros elétricos no Brasil, setor ainda tem vários problemas para resolver

A frota de veículos elétricos no Paraná está perto de bater a marca de 10 mil registros, empurrada por um crescimento acentuado por opções mais eficientes e menos caras. Segundo a NeoCharge, especializada em mobilidade elétrica no Brasil, praticamente metade dos veículos do tipo no estado – 45% – roda em Curitiba, apesar de cidades do interior também já começarem a ter quantidade significativa dos modelos que hoje são uma das principais alternativas para garantir a mobilidade sustentável.

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Nesta semana, o anúncio feito pela montadora chinesa BYD de trazer ao Brasil compactos de entrada com preços bastante competitivos animou ainda mais o segmento. Além da chegada do hatch Dolphin EV a partir de R$ 149,8 mil – um recordista de vendas –, a líder mundial do segmento de carros elétricos adiantou acordos para trazer ao país, em 2024, o modelo mais barato da marca, o Seagull, que deverá ser comercializado por valores entre R$ 100 mil e R$ 120 mil.

Carro elétrico

Os comunicados foram acompanhados da confirmação da instalação de um novo complexo fabril da BYD na Bahia, endereço pelo qual o Paraná também competia. A capacidade inicial de produção nas unidades de Camaçari será de 150 mil elétricos e híbridos ao ano, com expectativa de atingir 300 mil em fase posterior. Essa estimativa leva em conta não só o mercado de elétricos no Brasil, mas também nos países vizinhos.

Ainda que as projeções sejam bastante otimistas, alguém pode perguntar: vale a pena comprar um carro elétrico no Brasil? Uma coisa é certa: não é só o preço que precisa ser levado em conta na hora de trocar um veículo de motor a combustão por um elétrico.

A meta global de reduzir os impactos ambientais orienta a busca da indústria automotiva por alternativas capazes de reduzir a poluição gerada pelo setor de transportes. Rodar sem a emissão de carbono, portanto, é a característica mais insigne da eletromobilidade.

No entanto, a pauta ambiental ainda inspira questionamentos.

Emissões

Em 2021, levantamento da Volvo mostrou que a produção de elétricos poderia gerar até 70% mais emissões do que o processo de carros movidos a combustão. A análise considerou não apenas as etapas dentro de suas fábricas, mas todo o ciclo, desde a extração da matéria-prima até os descartes industriais e o tempo de vida do automóvel.

A explicação é que se trata de uma jornada mais longa e, portanto, com mais consumo de energia. Na Europa, sede das fabricantes mais conhecidas, mais de 50% da matriz energética provém de combustíveis fósseis e usinas a carvão, fontes sujas, segundo a União Europeia, agravando o processo.

A resposta do setor tem sido investir em pesquisas para minimizar o impacto do percurso. Ao mesmo tempo, também têm sido analisadas alternativas para o depósito das baterias dos carros elétricos – outro ponto que levanta dúvidas. Baterias de veículos híbridos e elétricos vendidos no mercado são à base lítio, componente mineral que pode reagir de forma nociva quando exposto no meio ambiente.

Logística reversa

Estudo recente feito por pesquisadores da Universidade Veiga de Almeida e divulgado pela Agência Brasil estima que, sem uma política de logística reversa bastante consistente para direcionar os descartes, o Brasil poder receber até 2030 “toneladas de baterias de veículos elétricos leves inservíveis como rejeitos que apresentam um potencial risco ambiental devido à presença de substâncias tóxicas e com altas probabilidades de explosões e incêndios”.

Porém, de acordo Jânio Denis Gabriel, docente do curso de Engenharia Elétrica da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), apesar da falta de uma política de descarte, já possível atrelar as baterias dos elétricos a outros tipos de funções. “Não existe uma definição de política de logística reversa, mas existem várias aplicações secundárias em que é possível usar as baterias dos veículos elétricos, dar a elas uma segunda vida”, afirma. “Depois de um tempo, a bateria não vai servir para o carro, mas pode ser utilizada ainda por muitos anos para aplicações de armazenamento de energia residencial, para no break, por exemplo, que é algo largamente utilizado em empresas”.

Onde carregar?

Mesmo com o segmento em consolidação, o Brasil ainda não tem um mapa único de distribuição de eletropostos. Levantamento da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (Abve) e da empresa Tupinambá Energia contabilizava, em junho deste ano, 3.503 pontos de recarga, mas os recortes por estado ou municípios ainda estão sendo confeccionados.

Em geral, a oferta dos serviços ainda está muito atrelada às fabricantes, embora alguns projetos já comecem a esquematizar redes mais complexas.

Audi e Porsche

Em maio, a Audi e a Porsche no Brasil anunciaram o investimento de R$ 24 milhões em uma parceria com a Raízen para instalar em postos Shell do país 20 carregadores rápidos, de 150 kW, que carregam os veículos das fabricantes alemãs de 0% a 80% em cerca de 30 minutos. A implementação é para ocorrer até março de 2024.

No ano passado, outra parceria privada confirmou a instalação de dez pontos com carregadores rápidos e semirrápidos em locais estratégicos para ligar o Rio Grande do Sul ao Paraná, pela BR-101. A previsão é de que quando todas as etapas forem cumpridas, motoristas de veículos elétricos possam encontrar unidades de carregamento a cada 200 quilômetros, instalados em postos da Rede SIM, uma das parceiras do programa Rota Sul.

Pontos de recarga

Ao portal Mobile Time, a startup de soluções para veículos elétricos Tupinambá adiantou que quer chegar a março de 2024 com 1,2 mil pontos de recarga no Brasil, distribuídos, principalmente, em estacionamentos de redes varejistas e shopping centers.

No Paraná, equipamentos disponíveis pela Copel formam uma eletrovia. Desde 2018, a Copel vem instalando equipamentos de recarga como parte de um programa para garantir o trajeto de carros elétricos ao longo da BR-376 e da BR-101, desde as imediações de Londrina até Joinville, em Santa Catarina. Até abril do ano passado, eram 17 postos de recarga rápida.

Entre Curitiba e Foz do Iguaçu, estavam distribuídos ao longo BR-277 em Paranaguá, Curitiba, Palmeira, Fernandes Pinheiro, Irati, Prudentópolis, Candói, Laranjeiras do Sul, Ibema, Cascavel, Matelândia e Foz do Iguaçu. Entre a capital e Joinville, em Tijucas do Sul; e entre Curitiba e Londrina, em Ponta Grossa, Tibagi, Imbaú e Mauá da Serra.

Em Curitiba

Em maio, a prefeitura de Curitiba inaugurou o primeiro ponto público da cidade para carregamento de veículos elétricos. O equipamento foi instalado no SmartPark São Francisco, no bairro São Francisco.

Para cargas em casa, o docente da PUCPR afirma que, apesar de não serem necessárias adaptações tão grandes, o ambiente precisa estar adequado para atender a um carregador de potência mais elevada. Serviço especializado para elaborar um circuito dedicado exclusivamente à estação é o sugerido, inclusive para atender às recomendações das próprias marcas.

“Diferentemente de um chuveiro, que vai ser usado de cinco a 10 minutos, o carregador pode ficar ligado oito horas de forma ininterrupta, consumindo essa potência toda. Então, o cabo e todas as conexões têm der ser bem feitos para garantir que nenhuma sobrecarga e sobreaquecimento cause até um princípio de incêndio”, alerta”.

Autonomia

Semelhante ao celular, o tempo de vida da bateria de um carro elétrico é calculado em ciclos de carga e descarga. Embora hoje já existam equipamentos de até seis mil ciclos, os mais comuns variam de dois mil a três mil ciclos, o que significa um tempo de vida médio de oito anos garantido pela maioria das fabricantes.

Contudo, segundo o engenheiro, o ciclo também depende de outros fatores como temperatura e até mesmo cuidados com a recarga. “Aqui em Curitiba nós temos alguns carregadores de carga rápida que acabam deteriorando também a vida útil se for utilizado de forma diária. Então, o correto é, sempre que possível, recarregar em casa”.

Quanto à autonomia, os carros mais comuns movidos a bateria já conseguem rodar atualmente entre 300 km e 400 km, facilitando bastante a vida para quem pensa em usá-los mais dentro das cidades. “Aqui em Curitiba, trajetos como ir ao trabalho, passar no supermercado, pegar o filho na escola e ir para casa devem ficar em torno 50 km por dia, então descarrega pouco o veículo diariamente”, diz o especialista.

No ano passado, o Brasil chegou à marca de 126 mil veículos elétricos integrados à frota do país. A estimativa é de que em 2030 o montante suba para 823,5 mil unidades, conforme a edição 2023 do Anuário Brasileiro de Mobilidade Elétrica, elaborado pela Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica (PNME).  

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