Projetos ignoram União e podem garantir porte irrestrito a atiradores esportivos no PR

Quatro propostas semelhantes tramitam na Alep. Em fluxos articulados, outros legislativos também discutem possibilidade

A discussão do Senado sobre a regulamentação do acesso a armas de fogo pelos colecionadores, atiradores esportivos e caçadores, os CACs, encorajou deputados da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) a colocarem em pauta projetos que garantem, no estado, porte de arma irrestrito a integrantes do grupo. Hoje, essa possibilidade não está prevista em lei federal, e nem mesmo a proposta em trâmite no Congresso cria a brecha.

Desde que cumpridos os requisitos, colecionadores, atiradores desportivos e caçadores têm direito ao certificado de registro de pessoa física para a posse de armas. O porte, no entanto, ainda é específico. Decreto do presidente Jair Bolsonaro de 2019 que beneficiou os CACs com limites mais altos de compra de armas e munições também deu ao grupo o direito de transportar os equipamentos entre o local de guarda autorizado e endereços como os de treinamento, competição ou caça, por exemplo. Fora das situações determinadas, trata-se de crime de porte ilegal.

Mas, se aprovadas, as propostas em trâmite na Alep descriminalizariam o transporte para atiradores esportivos em qualquer que fosse a situação dentro dos limites do estado – que há décadas funciona como uma das principais portas do corredor do tráfico internacional de armas.

“O que estamos fazendo, por meio de uma lei estadual, é legalizar, para que os esportistas que utilizam arma para competir possam usar essas armas, para que possam ter em casa, ter o porte para utilizar a arma”, explicou ao Plural o deputado Plauto Miró (União Brasil), autor de um dos projetos em análise na Alep.

Hoje, quatro projetos com o mesmo teor seguem em fluxo na Casa. Já está definido que os quatro textos – incluindo o mais antigo, do deputado Soldado Adriano (PV), de maio do ano passado, e os demais apresentados recentemente, assinados um por Ricardo Arruda (PSL) e outro por Tiago Amaral (PSB) – passarão a tramitar unificados.  

Em paralelo, seguirão em votação os projetos que instituem o dia do atirador desportivo no estado e a rota turística paranaense do tiro desportivo, ambos da deputada Maria Victoria (PP).  

As propostas na Alep que desmancham critérios para o porte de arma de atiradores CACs têm em comum não apenas o objetivo, mas as próprias redações. Segundo Miró, o projeto apresentado por ele acompanha modelo sugerido por colecionadores, atiradores esportivos e caçadores – que também têm balizado a proposta em outras casas legislativas do país, em fluxos articulados.

Na Assembleia Legislativa de São Paulo, as tratativas de novas regras para porte de armas para atiradores desportivos tramitam em regime de urgência. No Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, o projeto também está em debate. No Distrito Federal, o plenário já aprovou e agora é lei.

No Paraná, Os CACs têm acompanhando de forma ativa a movimentação dos deputados.

No dia 15 de fevereiro, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia, o deputado Nelson Justus, recebeu representantes pró-armas. Um dia antes, o deputado Soldado Fruet (PROS) – um dos principais aliados do presidente Jair Bolsonaro na Alep e grande defensor das políticas armamentistas fortalecidas pelo chefe de Estado – anunciou em sessão a organização de reuniões com parlamentares federais para discutir a regulamentação do porte de armas. O comunicado foi feito após encontro dele com integrantes dede diversos clubes de CACs, em Cascavel.

O tema é espinhoso. Há muito, indicadores de violência mais robustos vêm sendo ligados por pesquisas e especialistas a um aumento generalizado da circulação de armas. A questão também esbarra no ponto legal. Constitucionalmente, legislar sobre material bélico é da competência da União. No ano passado, o governador Ibaneis Rocha (MDB) chegou a vetar o texto aprovado pelos deputados do Distrito Federal por entender se tratar de uma matéria exclusiva do Governo Federal.

Por isso, há expectativa de que seja mais uma matéria judicializada.

Na prática, o texto que tramita na Alep e em outros legislativos estaduais “reconhece o risco da atividade e a efetiva necessidade do porte de armas de fogo a todo atirador desportivo”, ou seja, permite aos licenciados andar armados até mesmo fora dos deslocamentos previstos na lei da União como “direito à autodefesa”. A justificativa principal é que atiradores desportivos – aos quais se juntam os instrutores de tiro – são alvos constantes de ataques premeditados por criminosos com interesse em roubar os armamentos.

“É importante fazer este reconhecimento pois faz parte do cotidiano dos CACs a guarda e transporte de bens de alto valor e grande interesse de criminosos – armas e munições – e por não ter meios de defesa tornam-se presas fáceis à ataques durante sua rotina diária (…)”, diz trecho do projeto apresentado pelo deputado Tiago Amaral. “O fato de inexistir uma legislação estadual que ampare o direito à autodefesa dos Colecionadores, Atiradores e Caçadores, faz com que se crie um estimulo social para a prática delituosa contra estas pessoas, pois, como dito no introito, guardam e transportam bens de valores e de grande interesse aos criminosos”, traz outra parte.

O projeto do deputado Plauto Miró busca respaldo ainda em uma possível contribuição da medida à segurança pública. Nas palavras dele, instrutores de armamento e tiro, por exemplo, passam por um longo processo de validação para manejar seus equipamentos, tarefa que os incumbiria de uma responsabilidade inerente de “salvar suas vidas e a de terceiros em momentos de eventual crime” e contribuiria para “uma segurança pública mais efetiva à população do Estado do Paraná”.

“Como não existe uma lei federal ainda, é um decreto que tem, acho que cada estado da federação está fazendo a sua parte e autorizando. A partir da hora que o esportista, que é preparado, sabe manusear a arma, ele tem direito de portar a arma também”, acrescentou o deputado ao Plural, ao falar sobre o fato de o texto passar por cima da União.

Paradoxos

Medidas de flexibilização de acesso a armas voltaram para o centro dos debates desde que o Senado retomou, na semana passada, a análise do projeto de lei que dá ainda mais garantias à posse e ao porte de armas pelos CACs. A Comissão de Constituição e Justiça da Casa vota a pauta nos próximos dias.

O projeto 3723/2019, encaminhado por Bolsonaro, institucionaliza em lei flexibilizações já amparadas em decretos e altera o Estatuto do Desarmamento para incorporar ao documento regras à parte específicas aos colecionadores, atiradores esportivos e caçadores.

O relator da matéria, senador Marcos do Val (Podemos-ES), defende que não se trata de conceder mais direitos de acesso às armas, mas, sim, de estabelecer uma segurança jurídica que hoje não existe com os decretos. Haveria ainda o benefício de, uma vez em lei, a proposta aumentar as penas na ocorrência de qualquer crime envolvendo armas registradas, tornando-os inafiançável.

Mas uma chuva de críticas vem sendo dirigida a diversos pontos do projeto, como os que definem como direito de “todo cidadão brasileiro” as atividades de tiro desportivo, possibilitam o porte de armas para todos os atiradores desportivos com mais de 5 anos de registro e reduzem recursos para rastreamento de armas. Há temor entre parlamentares que a falta de rastreio beneficie o tráfico de drogas. A falta de mecanismos de fiscalização também é contestada.

Em audiência para debater a proposta, realizada em dezembro passado no Senado, o Instituto Igarapé informou que a emissão de certificados de registro ativo saltou de 255 mil, em 2018, para mais de 465 mil, em 2021. Com relação especificamente aos atiradores desportivos, o aumento foi de 133 mil para 449 no mesmo período.

“Diante desses aumentos, quais são as capacidades de fiscalização estatal desses arsenais, exatamente para evitar que desvios aconteçam? O Igarapé realizou um levantamento recentemente, com base em informações obtidas junto ao Exército, via Lei de Acesso à Informação, que nos mostrou que, em 2020, apenas 2,3% dos arsenais privados, que incluem os acervos de caçadores, atiradores, colecionadores, lojas, clubes e entidades de tiro, foram fiscalizados”, no dia, a assessora Especial da entidade, Michele Ramos.

Os projetos que garantem o porte de armas irrestrito aos atiradores desportivos no Paraná definem que a regulamentação da medida caberá ao governo do estado. Não há, portanto, um esboço de como ocorreria, em caso de a lei entrar em vigor.

Diante de, literalmente, um cenário de guerra que o mundo acompanha, o doutor em Ciências Sociais e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Cezar Bueno de Lima, avalia como “inoportunas” as discussões sobre facilitar ainda mais o porte de armas no país. Especialista em violência, segurança pública e direitos humanos, o docente afirma serem paradoxais os argumentos que atrelam a disseminação do acesso às armas a campanhas pelo fortalecimento da segurança.

“A gente sabe, e por uma série de pesquisas empíricas, feitas por órgãos de governo até, de estado, que violência gera violência. Como é possível usar o pretexto da liberdade de utilização de armas para pacificar a sociedade? Isso é outra contradição”, analisa o professor. “A nossa sociedade é violenta. Ela é violenta ao tentar usar a violência como primeiro método para negociação de um conflito, é violenta em casa, é violenta na rua. E daí vai o estado dar legitimidade a essa violência?

Conforme mostrou o Plural em outubro do ano passado, a média mensal de novos registros de armas no Paraná ao longo de 2021 ficou próxima de 900. Novas documentações concedidas pela Polícia Federal foram de 3.135 em agosto de 2018 para 7.216 em 2021, segundo levantamento da própria instituição, muito em consequência do cumprimento das promessas feitas por Bolsonaro aos grupos pró-armas, base eleitoral importante do presidente.

Para Lima, os ensaios contra a política desarmamentista, mesmo ancorados em critérios legais, alimentam na sociedade a percepção do direito subjetivo às armas, independentemente dos processos formais ainda vigentes, e podem, inclusive, fomentar o mercado ilegal de compra de armas.

“Do ponto de vista legal é muito difícil vencer todos os procedimentos burocráticos par ter uma arma. Agora do ponto de vista real, é só olhar para os bairros, para as ruas”, observa.

O docente também discorda de justificativas que defendem a posse e o porte como forças paralelas às atividades de segurança pública prestadas pelo Estado. Segundo ele, o argumento coloca em xeque a legitimidade das práticas institucionalizadas pelos aparatos oficiais e até mesmo e abre espaço para uma noção de segurança individualizada que podem aumentar os índices de conflitos trágicos.

“Pensar nisso é pensar numauma carta em branco para dizer que o estado é inoperante, ineficiente e, em último caso, ele é ilegítimo porque não consegue entregar aquilo paro o que historicamente foi preparado”, conclui.

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4 comentários em “Projetos ignoram União e podem garantir porte irrestrito a atiradores esportivos no PR”

  1. O porte ao Cac, não tem nada a ver com a seguranca publica, se destina para seguranca do CAC, visto que este tem acervo de armas, e por lei, é obrigado a andar desaramado, favorecendo bandidos que queiram tomar seus acervos.
    Hoje temos mais de 1 milhão de cacs no País, e a violencia vem reduzindo em indices galopantes desde 2019, mostrando portanto, que a arma na mão do cidadao de bem e treinado, é sim um fator decisivo na rediucao dos indices de violencia . Quem tem medo de arma na mão do cidadao de bem é só bandido.

  2. William Roberto Andrade

    O CAC não é um cidadão comum. Ele é treinado, capacitado e experimentado nas suas aptidões para o manuseio das armas .
    O porte de armas se justifica para a sua defesa e do patrimônio (armamento).

  3. Vanderlei Paulo Paterno

    Parabéns a iniciativa da Alep nosso estado tem que sair na frente como outros estados estão fazendo Cacs são pessoas responsáveis só quem tira o Cr sabe como é difícil realizar todos os processos para poder exercer a prática esportiva normalmente quem é do contra são pessoas que não tiveram capacidade para realizar todo o processo para poder ser um Cac Parabéns ao Estado do Paraná pela iniciativa.

  4. Excelente matéria. Essas leis estaduais já nascem todas inconstitucionais e fadadas a serem expurgadas da ordem jurídica. Puro populismo. De se lamentar os altos custos de manter esses parlamentares que só servem aos interesses corporativos, enquanto a maioria do povo mal consegue o básico para subsistir.

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