Pedágio no PR tem concessionárias liberadas e pedido de suspensão do processo

Em decisão de dezembro, Controladoria revogou suspensão que impedia três concessionárias de contratar com o Poder Público

Os termômetros subiram nesta reta final de discussões sobre o novo modelo de pedágio do Paraná. Por um lado, a Frente Parlamentar sobre o Pedágio, formada por deputados estaduais para discutir o projeto de migração, entrou nesta quinta-feira (4) com um pedido de liminar junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) para suspender a fase interna da licitação, referente aos procedimentos preparatórios. Eles pedem a paralisação do processo até esclarecimentos de um conjunto de contradições que vem sendo criticado por diferentes setores.

Por outro, o controlador-geral do Estado, Raul Siqueira, foi convidado por parlamentares para explicar decisão que retira limites de concessionárias investigadas. Três das seis empresas que operam a malha rodoviária do Estado – todas investigadas por corrupção – propuseram acordo de leniência, o que garante, em troca, a suspensão da medida cautelar que as impedia de licitar ou contratar com o governo paranaense. Se o acordo for fechado em definitivo, CRR RodoNorte, Ecocataras e Ecovia não terão impedimentos para participar do certame das novas concessões,

A proposta do acordo de leniência foi feita à Controladoria-Geral do Estado (CGE), órgão que conduz, no âmbito administrativo, investigações contra as seis empresas controladoras do Anel de Integração.

Os parlamentares disseram ter sido surpreendidos com a nova resolução, assinada em 10 de dezembro, e que revogou os efeitos das medidas cautelares previstas em decisão de 2019. Uma semana depois da revisão – com o fim do prazo das sanções estabelecidas pelo Ministério Público Federal (MPF) decorrentes da Operação Integração – Rodonorte e Ecocataratas anunciaram aumento no preço das tarifas, medida que acabou sendo suspensa por ordem da Justiça.

Embora a responsabilidade pelo processo licitatório do pedágio seja do Governo Federal, por se tratar de um conjunto de BRs com uso delegado ao Paraná e prestes a vencer, o trato de leniência fechado pelo MPF com estas concessionárias previu multas, mas não restrições relacionadas à contratação com o Poder Público.

Assim, por ora, não há impeditivos legais que obriguem cinco das seis concessionárias hoje atuantes de ficar de fora da disputa. O mesmo vale para as empresas Caminhos do Paraná e Econorte, que entraram com pedido de acordo de leniência já no início da instauração do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) pela CGE. Por outro lado, a Viapar segue sob suspensão dos direitos de licitar com o Governo do Paraná. A medida passou a valer em 11 de dezembro, um dia após a suspensão das medidas cautelares impostas contra a RodoNorte, Ecocataras e Ecovia.

Carta branca

Apesar da repercussão, a CGE nega que a decisão abra um caminho sem volta para as concessionárias ingressarem na disputa e, quem sabe, continuarem a operar por mais 30 anos o sistema de pedágio do Paraná. A pasta alega que, como o acordo de leniência não está fechado, as tratativas podem ser suspensas, e o PAR retomado.

“Se eventualmente o acordo de leniência não tiver sucesso até meados de mês de abril, eu tenho como declinar da proposta de leniência e retomar processo administrativo de responsabilização, que está na sua etapa para conclusão derradeira”, justifica o controlador-geral Raul Siqueira.

Com este prazo, segundo ele, não há chances de que as concessionárias investigadas apresentem suas propostas ao Governo Federal com o status de liberadas e só sejam punidas depois.

A suspensão do direito de licitar com o Estado é uma das penalidades previstas pelo PAR, mas sua aplicação não é obrigatória. Em caso de acordo de leniência aceito, ficam estabelecidas a reparação integral do dano constatado, aplicação de multas, e a obrigação de execução de obras – mas as empresas não perdem a liberdade de contratar com o Poder Público.

“Com o acordo de leniência, a gente identifica como foi o modus operandi dessas empresas para que para que possamos prever mecanismos que afastem esse modus operandi, e isso é importante”, defende o controlador. “Não estou atestando que vai ser feita uma leniência, mas saber como é essa organização das práticas ilegais é relevante para realinhar as nossas estratégias de defesa para que não aconteça mais isso.”

Chuva de críticas

A possibilidade de que concessionárias hoje investigadas continuem à frente da administração do Anel de Integração do Paraná não é a única polêmica que desarranja o quebra-cabeças do novo modelo de pedágio. O formato que vai substituir o atual – que vence em novembro, corrompido por inúmeras práticas de corrupção e com preços entre os mais caros do Brasil – é alvo de uma série de questionamentos que reúne diferentes setores do Estado em oposição ao Governo Federal – e que levou a Frente Parlamentar a acionar o TCU.

A discordância principal gira em torno da política de cobrança das tarifas. A bancada federal do Paraná no Congresso e deputados estaduais, reunidos na Frente Parlamentar sobre o Pedágio, vêm se mobilizando para que a disputa seja sistematizada a partir da proposta de menor preço, ou seja, leva o lote quem oferecer o valor mais baixo e o maior volume de obras. Outras pontas distintas, desde a Central Única dos Trabalhadores (CUT) até a Federação das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP), endossam o coro.

Mas o governo de Jair Bolsonaro formalizou o que já vinha sinalizando ao longo de todo o ano passado e apresentou aos paranaenses, no fim de janeiro, um modelo híbrido com outorga onerosa, que impede, na prática, uma diminuição consistente das cobranças feitas nas praças de pedágio.

O formato classifica como vencedora a empresa que ofertar desconto máximo na tarifa dentro de um limite de 15% a 17%. Em caso de desempate, entra o critério da outorga, uma espécie de taxa paga ao Governo Federal pelo uso das rodovias delegadas.

A definição caiu como um balde de água fria em instâncias articuladoras – muitas ainda acreditavam em avanços aos 45 do segundo tempo. Diante da pressão, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, deu um passo atrás e, em tentativa de acordo, propôs que todo o valor arrecadado com a outorga ficasse no Paraná, ao invés de ser dividida entre Estado e União.

“Na verdade, de novo só tem o nome, porque é uma continuação do modelo de pedágio apresentado pelo [ex-governador] Jaime Lerner. Nós não aceitamos nenhum tipo de modelo de licitação que não o de menor preço, como foi agora em Santa Maria”, afirma o deputado Arilson Chiorato (PT), coordenador da Frente Parlamentar, referindo-se ao leilão de um trecho RSC-287, no Rio Grande do Sul. Feito em dezembro, o certame baixou de R$ 7,7 para R$ 3,36 o valor cobrado dos usuários.

Segundo Chiorato, pelo menos outros três pontos também inviabilizam a sustentação da proposta apresentada pelo Ministério da Infraestrutura (MInfra). Entre eles, a implantação de 15 novas praças de pedágio – passando das atuais 27 para 42 – e a criação do chamado degrau tarifário, mecanismo que dá liberdade para que as concessionárias aumentem em até 40% o preço da tarifa a partir do décimo ano de contrato, se as obras estiverem em dia.

As medidas também parecem incoerentes aos olhos do economista Filinto Jorge Eisenbach Neto, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e especialista em logística. Para ele, o aumento na quantidade de praças de pedágios desloca a finalidade da redução da cobrança, uma vez que, dependendo do trecho, o custo final da viagem pode não sofrer alteração alguma.

De acordo com Eisenbach, de modo geral, a falta de justificativa para os cálculos e mudanças apresentadas são sintomas de um processo pouco transparente. “Os degraus tarifários previstos nesta proposta, que ainda não está pronta, permitem – após obras como duplicação – um aumento de 40% no valor cobrado, mas isso não é explicado de forma transparente e nem parece compatível com a necessidade da nossa economia paranaense”, pondera o economista. “Alguns pontos precisam estar mais transparentes, mais discutidos.”

O deputado e o professor da PUCPR também criticam o período de duração do contrato: 30 anos, seis a mais do que a vigência do atual modelo. Eles defendem que a previsão corrida, sem estabelecer intervalos de revisão dos acordos, pode facilitar a continuidade de práticas de corrupção na gestão das rodovias.

“Trinta anos é muita coisa. Não tem nada que diz, por exemplo, que de cinco em cinco anos vai ser feita uma revisão para se apurar se as obras sendo feitas dentro do cronograma, se não tem superfaturamento das tarifa e, tendo isso, apontando os elementos para se romper o contrato. É um modelo que foi feito para favorecer a concessionária”, aponta Chiorato.

Atuais contratos de pedágios vencem em novembro de 2021. Foto: Jorge Woll/DER

O novo modelo

O modelo apresentado pelo Governo Federal fala em investimento de R$ 42 bilhões com a  duplicação de 1.783 km de rodovias paralelamente à implementação de 253 km de faixas adicionais e de 104 km de terceira faixa. Também está prevista construção de dez contornos urbanos. Por outro lado, o total de rodovias nas mãos das concessionárias cresce e passa de 2,5 mil km para 3,3 mil km, divididos em seis lotes, como hoje.

No lado dos que não estão de acordo com o planejamento, reverbera a ideia de que edital coloca os benefícios das empresas e dos usuários em escalas inversamente proporcionais. Diante da receita estimada de R$ 156 bilhões, gastos com investimento e operação consumiriam R$ 80 bilhões do montante acumulado, restando uma fatia de lucro quase equivalente, de R$ 76 bilhões.

“Estão dando garantias para quem vai investir, mas não temos garantia de que esse investimento vai acontecer. Por outro lado, vão criar um fundo para proteger as empresas de eventuais variações cambiais, um fundo que vai remunerar nos momentos de crise a um dólar que cresce numa desproporção. Se a economia ir mal, as concessionárias terão as garantias delas, mas nós não teremos a segurança de ter um melhor uso da estrada”, acrescenta Eisenbach. “A pergunta que se tem que fazer é a quem interessa e benefício do novo modelo? Ao Governo Federal, às concessionárias ou ao usuário? Com essa configuração, a mim me parece construído para dar garantias a quem investir.”

No documento protocolado, o grupo pede ao TCU análise sobre possíveis pontos limitadores do modelo, entre eles, o fato de o Governado Federal ter incorporado ao pacote rodovias estaduais. Hoje, dos 3,3 mil km de rodovias que fazem parte do projeto, 1,2 mil km são de PRs, ou seja, de responsabilidade primária do Estado.

Se nenhum dos pontos for entendido como impeditivo pelos ministros, deputados se articulam ainda para não aprovar projeto de lei que cede ao Governo Federal as rodovias estaduais adicionadas ao pacote.

Co-autor?

Os estudos de viabilidade do novo modelo de pedágio no Paraná foram conduzidos pela Empresa de Planejamento e Logística (EPL), vinculada ao MInfra. O custo para os trabalhos foi de R$ 60 milhões.

Apesar de não ter havido uma participação formal de setores da sociedade paranaense no estudo, deputados falam que o governo do Paraná também orbitou o processo – motivo pelo qual ainda não há um posicionamento claro de Ratinho Jr. sobre os moldes da concessão futura.

Nesta quinta-feira (3), em outra discussão, a Frente Parlamentar pediu ao Executivo Estadual cópia de memorando que indica reunião entre o governador e o ministro Tarcísio de Freitas, em 2019, para tratar da cessão das rodovias paranaenses. No entendimento do grupo, o encontro pode indicar uma relação de co-autoria do Governo do Paraná na formulação da proposta final – o que é contestado.

“O Governo do Paraná trabalha em busca da menor tarifa, com garantia da execução das obras necessárias para o crescimento do Paraná pelas próximas décadas, e um processo completamente transparente, com leilão dos lotes realizado na Bolsa de Valores”, diz resposta enviada ao Plural pelo Palácio das Araucárias.

No texto, o governo ressalta que o modelo em discussão ainda não está finalizado, “com audiências públicas sendo realizadas para esclarecer a população e debater melhorias para estas propostas”.

“O Governo Federal, por meio do Ministério de Infraestrutura, tem se mostrado aberto ao debate e disposto a fazer melhorias no projeto, como demonstrado pela decisão de reverter 100% dos recursos do leilão para o Estado do Paraná, deixando de lado a proposta anterior de dividir estes recursos entre estado e União.”

Em um post no Twitter, Ratinho Jr. já havia comemorado a decisão do Ministério da Infraestrutura de deixar 100% do valor de outorga no Paraná. “VITÓRIA DOS PARANAENSES! 100% dos recursos da nova concessão do pedágio serão aplicados no Estado, para favorecimento dos usuários! SEM OUTORGA!”, escreveu.

Para críticos, no entanto, a medida foi confeccionada a panos quentes e só muda o destino da taxa.

Outro lado

O Ministério da da Infraestrutura foi procurado no início da noite desta quinta, mas ainda não retornou.

Das três concessionárias investigadas e que tiveram a suspensão de contratos com o PR revogada pela CGE, apenas a CRR RodoNorte retornou. Em nota, a empresa confirmou ter tomado conhecimento da resolução “que recompõe o direito da RodoNorte de participar de licitações e contratar com o Poder Público Estadual”.

“A RodoNorte reitera seu compromisso de transparência com a sociedade e informa que está à disposição da Justiça e do Estado do Paraná para esclarecer todos os fatos envolvendo o Contrato de Concessão nº  75/97”, diz o texto.

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