O Vitamina infalível: aos 90 anos, ele é referência do montanhismo no PR

Henrique Schmidlin foi o primeiro a chegar a muitos picos e aprimorou equipamentos essenciais para o esporte

Henrique Paulo Schmidlin, ou Vitamina, como é mais conhecido, facilmente poderia ser o Cebolinha, da Turma da Mônica. Na verdade, o contrário. Quando Cebolinha apareceu pela primeira vez, Vitamina já estava em seus 30 anos. A semelhança não é por conta dos cinco fios de cabelo, isso não. Apesar de recentemente ter completado 90 anos, o Vita mantém sua cabeleira bem atarraxada no couro cabeludo. São os chamados “planos infalíveis” que aproximam o personagem de Maurício de Souza do personagem símbolo de Curitiba da vida real.

Vitamina sempre está bolando um plano para o futuro, ou executando um. “Jamais eu paro!”, revela. Diz ter mil planos na cabeça, como se fosse viver 100 anos (e com toda a disposição apresentada, difícil ele não chegar lá!). Tendo como companheiros o otimismo e o bom-humor, conversar com o Vitamina é revigorante, assim como beber uma.

Em 7 de outubro de 1930, no “Campo do Paraná”, que hoje é conhecido como Centro Cívico, nascia Henrique. No “banhadão”, segundo ele, onde atualmente se encontra a Prefeitura Municipal de Curitiba. O dia era marcado pela fundição Mueller, primeira ferraria de Curitiba. Havia um apito na hora da entrada dos funcionários, um na hora do almoço, e um no fim do expediente. Henrique tivera uma boa educação e domina várias línguas, entre elas o alemão, o francês e o inglês.

A família de imigrantes suíços veio a Curitiba na primeira grande imigração europeia. Vitamina conta que não sabe como, mas seu avô comprou a parte dos fundos da propriedade Solar do Barão, após o assassinato de Ildefonso Pereira Correia. O Vita morou lá desde sua infância até a idade adulta. Na Segunda Guerra Mundial, quando o exército tomou o patrimônio do Barão e montou um quartel na parte da frente da propriedade, a família foi obrigada a construir um muro separando a residência do quartel, por acharem que eles eram alemães.

Morando bem no centro, Vitamina lembra do bonde que ia para lá e para cá pela Rua Riachuelo, onde também estava a loja de ferragens do avô. Recorda que havia muitas delas, na própria Riachuelo e na Rua XV, lotada de ferragistas alemães e suíços com “pelo menos 10 muito famosos.”

Inspiração no Marumbi

O montanhista, que é referência até hoje no esporte, conta que seu interesse na modalidade veio junto com sua descendência europeia. “Eles têm no sangue a cultura ambientalista e eu fui criado nesse ambiente”. Quando era criança, sua mãe, Luzia, o levava para passear nos bosques de Curitiba. Ou melhor, capões. Uma das rotas semanais era ir até Santa Felicidade, se banhar no Rio Cascatinha e catar pinhão, sua atividade favorita.

Passava as férias em Pedra Preta, hoje, Tunas do Paraná, na casa dos avós maternos, que vieram da Prússia. Certo dia, quando tinha 8 anos de idade, seu tio o levou para subir um daqueles morrinhos da região. Na visão de criança de Vitamina, o morro parecia o Everest, pois nunca havia visto um morro de perto. “Fiquei fascinado. Uma aventura impressionante”. Em meio a risadas, conta que depois subiu todos os morros presentes no lugar.

Já no seminário, Vita conta que todo ano havia uma competição entre as salas para ver quem arrecadava mais dinheiro para uma viagem a um local religioso. Toda semana, as turmas eram reunidas no pátio. Na parede, uma montanha estava desenhada junto com os dizeres: Marumbi. Em seu pé, bonequinhos simbolizavam os escaladores. Quanto mais dinheiro era arrecadado, mais os bonequinhos subiam a montanha. “Claro que a gente ganhou a competição”. Vitamina não se recorda do prêmio, mas lembra de perguntar ao diretor o que era esse tal de Marumbi.

Depois de ouvir que era a montanha mais alta do Paraná e do Brasil-Sul, Vitamina foi até lá. “Fui perguntando e fui subindo. Aí não parei mais”. Sua maior referência eram os livros de aventura do autor Karl May. Vita era contagiado pelas emoções das obras, que retratavam façanhas aventurescas ao redor do mundo. Era como uma simulação, se imaginar vivendo aquilo. Mas decidiu vivê-las por si mesmo.

Explorador de montanhas

Vita fez parte da geração pioneira de montanhismo do Paraná, que foi local onde o esporte surgiu no Brasil. Conta que até 1938, só se subia o Marumbi. Depois da ferrovia, a sua geração começou a descer a Serra do Mar para explorar outras montanhas. Tamanha era a importância do Estado no esporte que o neologismo “marumbinismo” virou sinônimo de “escalador” no Brasil todo.

Vitamina lembra que quem exigiu e batalhou para a proteção ambiental foram os marumbinistas. Se recorda de ir até o Rio de Janeiro, a capital do Brasil naquela época, para conversar com os deputados sobre a questão do Meio Ambiente.

Henrique “Vitamina” foi Curador do Patrimônio Natural do Paraná por mais de uma década e conseguiu fazer o tombamento da Serra do Mar. Foi o primeiro a chegar em muitos picos. Ele próprio desenvolveu e aprimorou equipamentos essenciais para o esporte, como: mochilas, ferramentas e até mesmo uma roupa própria para as aventuras.

Foto: Arquivo Pessoal

Seu apelido, se dá pelo fato de sempre levar lanches saudáveis para as viagens, como cenouras e frutas. Guardou suas aventuras em diários que, hoje, somam mais de 60 livros. A Vitamina foi concedido o título de Cidadão Benemérito do Paraná.

Mas se engana quem pensa que ele ficava somente se aventurando em montanhas. Também foi pioneiro dos esportes radicais da água e do ar. Fez mergulho livre, caça submarina, asa delta, parapente, vôo livre, trilha de moto, caiaque, ciclismo e velejou. Enfim, é mais fácil citar as coisas que o Henrique não fez. No único momento em que Vita fala mais sério durante nossa conversa, ele revela que é o único sobrevivente dessa turma dos esportes radicais.

Foto: Arquivo Pessoal

Geraldo Bolda, amigo de Henrique desde os anos 80, conheceu o Vitamina por serem “quase vizinhos”. Depois descobriram mais interesses em comum, como as montanhas. Ele diz que a coisa mais impressionante do Vitamina são os constantes projetos e o espírito jovem dele. Geraldo também me conta que fez todas as trilhas (mais de 30) de Florianópolis com Vitamina e que em cada uma delas, presentes no livreto, Vita fez alguma observação corrigindo alguma coisa.

O amigo de longa data ainda me conta uma frase famosa que Vita costuma falar: “Se não for para correr pelo menos 10% de risco, não vale a pena sair de casa!”. Comentei com o Vitamina e recebo o mais sincero “ter 100% de segurança é bobagem”. Para ficar saboroso, tem que ter a mais pura aventura e adrenalina.

Aos 90 anos, Henrique mora com a esposa e um dos dois filhos. Reforça que é inimigo do sedentarismo e faz caminhadas diárias. No fim de semana, faz algumas coisas mais pesadas. Não quer nem saber de treinar em ruas planas, só em subidas ou descidas. O entusiasmo continua mesmo com as limitações, mas se há uma certeza é a de que Vitamina vai perpetuar seu jovem e aventureiro espírito.

Sobre o/a autor/a

4 comentários em “O Vitamina infalível: aos 90 anos, ele é referência do montanhismo no PR”

  1. Paulo Roberto Gayer

    Na explanação de nove acidentes aéreos na serra do mar , informados pelo VITAMINA: NO SEXTO ACIDENTE….errou e muito, de quem localizou e o porque….tais pessoas, vivas, foram trabalhadores em abrir picadas para mim.Sou agrimensor! Deixaram de trabalhar comigo para ganhar a recompensa prometida pelas viúvas para a localização do avião…nem recompensa e nem se dignaram de informar os nomes dos mesmos.

  2. Hoje beirando os seus 93 anos encontrei o Vitamina no meio de uma trilha de 12 km em Florianópolis SC com mais 4 amigos. Vita era o mais velho, o mais novo tinha 70 anos. Que vitalidade 🙏

  3. Vita é meu amigo, fizemos viagens de moto, serra do Rio do Rastro, Serra do Corvo Branco, entre outras, inclusive a trilha do telégrafo. Gente como ele nunca vai ter na face da terra. Grande pessoa e amigo. Ele é o elo perdido da humanidade. Merece cada homenagem que fizer a ele.

  4. Paulo de Tarso Camargo

    Passei desde os meus sete anos escalando com o Vita e convivendo quase toda minha vida(82) em excursões memoráveis, em companhia dele e de marumbinistasque marcaram épocas. Além das montanhas, Vila Velha e Ilha do Mel e grutas c ele.

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