“Nenhuma liderança democrática desrespeitaria a história da UFPR”, diz reitor

Ricardo Marcelo Fonseca, escolhido pela comunidade da UFPR para mais um mandato, diz confiar que o resultado das urnas será respeitado

O atual reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ricardo Marcelo Fonseca, foi escolhido nesta semana para permanecer por mais quatro anos à frente da instituição. A chapa encabeçada por ele teve 91% dos votos (pouco mais de 83% depois de aplicados os critérios de paridade entre professores, técnicos e alunos). Agora, a dúvida é se isso o levará ou não a ser nomeado para o cargo.

A prerrogativa de nomear o reitor cabe ao presidente da República. Desde a redemocratização, o resultado da consulta interna foi respeitado. Dessa vez, porém, a chapa derrotada, encabeçada por Horácio Tertuliano Filho, não parece disposta a retirar-se do processo, como sempre acontece. Apostando numa proximidade ideológica com Jair Bolsonaro, parece pretender disputar a nomeação até o fim.

Nesta entrevista ao Plural, o reitor Ricardo Marcelo fala da eleição e do processo de nomeação:

O sr. conseguiu uma votação muito significativa. Foi uma eleição muito diferente de 2016, quando houve um resultado apertado. O que mudou?

De fato Graciela e eu ficamos muito felizes com o resultado. Foi a maior e mais legitimada votação da história da UFPR. Mesmo na situação excepcional que vivemos, nunca tanta gente depositou seu voto num processo de escolha para a reitoria da UFPR. E foi também a vitória mais larga: em cada dez eleitores da Universidade, nove votaram pela nossa reeleição. Na média ponderada, tivemos quase 85% dos votos válidos. Mas é complicado, pessoalmente, eu responder essa pergunta. Para não falar de nós ou dos outros, quero pensar que teve a ver de um lado com a aprovação em geral da atual gestão e, de outro, com a sensação da comunidade da consistência de nossas propostas para o próximo ciclo, corrigindo os rumos onde necessário.

Durante todo o processo o sr. insistiu na tese de que o derrotado deveria retirar a candidatura na lista tríplice. Seus oponentes, no entanto, não se comprometeram com isso. Como fica essa questão?

Veremos nos próximos dias. Respondemos somente pelas nossas ações: se fôssemos derrotados, retiraríamos nossos nomes da disputa já no dia seguinte, a exemplo do que todos os candidatos que foram derrotados nas urnas fizeram nas consultas da UFPR desde 1985. Mesmo quando houve diferença pequena de votos, os derrotados tiveram a dignidade de se retirar das etapas seguintes, respeitando com isso a comunidade acadêmica, a tradição democrática interna e preservando suas próprias biografias. A bola agora não está conosco. Vamos ver em breve o que vai ocorrer.

Caso eles não retirem a candidatura, devemos ter um “segundo turno” do processo, com uma tentativa de convencimento do presidente?

Não chamaria de “segundo turno”. A eleição já ocorreu e a comunidade acadêmica pronunciou sua preferência, e o fez de modo bem eloquente. Mas se houver uma corrida “por fora” para mobilizar outros escaninhos nas sombras que deem as costas para a comunidade universitária para ajudar numa nomeação sem legitimidade, eu tenho absoluta convicção que nossas lideranças políticas, sejam elas do Executivo ou do Legislativo, não vão patrocinar algo do tipo. A UFPR é a “alma mater” dos paranaenses, moldou gerações e tem sua história amalgamada com a própria história do Paraná a partir do início do século passado. Por isso, realmente não vejo nenhuma liderança política com essa disposição de desrespeitar deste modo tão escancarado a nossa comunidade e a nossa história. Até porque não se espera que lideranças que foram eleitas democraticamente – como todos os políticos o são – venham a apoiar práticas antidemocráticas. O próprio governador Ratinho Jr. (PSD), por exemplo, sempre respeitou a ordem das listas tríplices das universidades estaduais e me disse, numa conversa que tivemos antes da eleição, que se comprometeria a apoiar a nomeação daquele que representasse a vontade majoritária da comunidade da UFPR. Eu agradeci o espírito democrático que ele demonstrou e disse que se meu adversário vencesse a disputa, eu mesmo iria lutar pela nomeação dele.

Já se veem movimentos da outra chapa questionando a consulta, por não representar 100% da comunidade acadêmica e até falando em fraude. Como o sr. responde a isso?

A cada momento da disputa veio uma desculpa diferente da outra chapa para deslegitimar o processo. Parece até que já entraram apostando no seu fracasso e no seu questionamento. Mas, infelizmente para eles, e felizmente para a UFPR, o processo todo foi formalmente perfeito. Se a outra chapa desconfia ou insinua algum tipo de problema, deve ser dito de modo específico qual foi e que se coloque na mesa para exame, sem bravatas. Por outro lado, o argumento de que a consulta seria ilegítima por não abranger 100% do universo de votantes demonstra um desconhecimento grave sobre o próprio modo de funcionamento da democracia orientada por critérios majoritários. Qualquer eleição apura os votos válidos e isso não diminui sua legitimidade. Se fosse assim, nem a eleição de Donald Trump e nem a do nosso presidente da república teriam sido legítimas, pelo imenso número de abstenções ou votos brancos e nulos. Mas esse argumento é falso e não pode invalidar o resultado destas eleições. De qualquer modo, quero ressaltar que nesta consulta à comunidade da UFPR nunca houve tantos estudantes participando (foi um recorde absoluto) e tivemos em torno de 80% dos professores da ativa votando. Repito o que disse antes: esse processo foi aquele com o maior número de eleitores de nossa história e, portanto, com o maior grau de legitimidade. Desculpas frágeis assim não podem deslegitimar os resultados. E mais: é necessário respeitar mais a democracia e não colocar em questão as regras com as quais os todos candidatos concordaram ao se inscreverem. Questionar após uma derrota as regras com as quais se havia concordado no início é comportamento que demonstra desapreço pela democracia.

O presidente nem sempre tem respeitado as consultas. De fato, ele tem essa prerrogativa. No entanto, o sr defende o respeito ao resultado. Quais são os argumentos?

Poderia, claro, falar do valor da democracia para nós ou da importância da tradição que a UFPR construiu e conquistou desde 1985, não sem sacrifícios e embates. Isso deveria ser suficiente. Mas vou falar também de outros argumentos: a autonomia universitária, incluindo a autonomia administrativa, é regra constitucional (art. 207). Ao contrário de qualquer outra instituição ou mesmo repartição pública, a escolha dos dirigentes pertence à cultura interna das universidades, que elegem coordenadores de curso, de programas de pós-graduação, chefes de departamento, presidentes de centros acadêmicos, etc. Isso porque universidades dependem de modo particular da legitimidade de seus dirigentes para bem funcionarem. Dirigentes sem legitimidade e sem o respeito da comunidade não formam consensos, não superam impasses, não lideram. Dirigentes sem legitimidade interna não seriam capazes de bem conduzir reuniões internas, como um Conselho Universitário, ou reuniões externas. Dirigentes que não respeitam a democracia não seriam capazes de guiar democraticamente uma instituição. Nos casos mais dramáticos, como temos visto em vários exemplos atuais, a própria comunidade interna têm dificultado e interferido diretamente na gestão e pedindo a destituição do próprio reitor. Ou seja, mesmo para aqueles que deixam de lado o valor democrático e se fascinam somente com a busca da racionalidade da eficiência das ações universidade pública, é um péssimo negócio ter um reitor ilegítimo: ele paralisaria a instituições, ou a faria caminhar para trás.

Como cicatrizar as possíveis feridas que esse processo deixou na UFPR?

Não vejo feridas graves neste processo. Em primeiro lugar, porque seu resultado não demonstrou divisão interna na nossa instituição. Ao contrário, demonstrou grande unidade e consenso. Em segundo lugar, porque nossa tradição democrática interna, que funciona bem há 35 anos, nos ensinou que é natural haver diferentes leituras e visões de universidade que se confrontam a cada quatro anos, nas eleições para a reitoria. Nossa pluralidade é grande e é sinônimo de riqueza interna e isso deve ser celebrado. O dissenso deve ser entendido como natural, já que essa é a própria essência da democracia. A única coisa que não deveria nos dividir, porém, é o próprio valor interno da democracia.

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