Lei do homeschooling no Paraná é questionada na Justiça e já está em desvantagem

Já há decisão no TJPR contrária à aplicação do ensino domiciliar até que União decida sobre o tema

A lei que autoriza a prática do homeschooling no Paraná ganhou seu primeiro questionamento jurídico, tornando-se alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) protocolada nesta terça-feira (27) no Tribunal de Justiça (TJPR). Sancionada pelo governador Ratinho Jr. em moldes de evento no último dia 4 de outubro, a norma substituiu legislações municipais isoladas que já haviam sofrido revés na Corte paranaense, um sinal de desvantagem para o governo.

A petição que pede a suspensão da lei é assinada pela Federação Interestadual de Trabalhadores em Educação Pública (Fite) e pelos deputados Anibelli Neto e Requião Filho, do MDB, Tadeu Veneri, Arilson Chiorato, Professor Lemos e Luciana Rafagnin, do PT, e Goura (PDT). Os autores acusam a norma de ser muito mais “a ideia de um experimento do que de uma política pública educacional séria” e de romper com a tríade constitucional do estado, família e sociedade na prática da educação.  

Os questionamentos concentram possíveis vícios materiais violadores de princípios e dispositivos constitucionais, convencionais e legais e alegam falta de competência do Executivo estadual em legislar sobre um tema exclusivo da União.  

É que embora estados e municípios tenham competência concorrente com a União para legislar sobre ensino, nenhuma decisão isolada pode ignorar a Carta Magana, estatutos amplos – como o da Criança e do Adolescente (ECA) –  e o conjunto de diretrizes básicas da educação no Brasil, como as colocadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Em nenhum dos casos, por enquanto, há previsão legal da prática do homeschooling, o que joga fragilidade sobre a lei paranaense.

Antes mesmo da sanção do texto, constitucionalistas já haviam alertado, sobretudo, para a invasão de competência exclusiva da União, argumento que já foi, inclusive, consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e destacado em decisão recente sobre o ensino domiciliar no TJPR.

Em 2018, com repercussão geral reconhecida, o plenário do STF entendeu por maioria que o ensino domiciliar não fere a Constituição, muito embora só seja aplicável se houver criação e aprovação pelo Congresso Nacional de lei específica para regulamentar a modalidade. Daí, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná acolheu ADI proposta pelo deputado estadual Professor Lemos (PT) e decidiu em junho deste ano, por unanimidade, que nenhuma prefeitura ou Câmara Municipal tem o direito de aprovar o ensino domiciliar, sendo as decisões isoladas um vício de inconstitucionalidade de ordem formal.

Riscos

Em contestação, os autores alegam “inconsistências insuportáveis entre o texto e o Estado Democrático de Direito, especialmente, no que diz respeito à proteção da infância e da juventude”.

A ação sustenta que, ao estabelecer o ensino domiciliar como modalidade formal de educação, violam-se os princípios da liberdade de cátedra e do pluralismo de ideias, e do estado em proporcionar acesso à cultura e à educação e de combate à desigualdade e à marginalização social. A norma também estaria ignorando artigos constitucionais que garantem a crianças e adolescentes acesso à escola, “não abrindo margem para que se inclua nessa definição qualquer outro tipo de estabelecimento”.

“A ânsia de comando familiar sobre a formação educacional demonstra uma pulsação antidemocrática; um giro retornante àquele passado no qual filhos e filhas se traduziam não como sujeitos de direito, mas como objetos nos quais os familiares poderiam, a qualquer custo e castigo, fazer repercutir as suas próprias percepções de mundo. A personalidade de crianças e de adolescentes deve se desenvolver a partir de potencialidades diversas. Não é defensável que estes sujeitos se vejam obrigados à reprodução mecânica de ideais vivenciados por sua esfera familiar, fechando os demais canais de crescimento pessoal e social”, diz trecho da ADI.

O documento também associa o ensino domiciliar a riscos imediatos de integridade física e psicológica de crianças e adolescentes, pressupondo que, privados do contato escolar, “não terão uma escuta qualificada para identificar situações de abuso e maus tratos”, e acrescenta ainda a ausência de diretrizes para a aplicação da modalidade como outro prejuízo.

“A proposta legislativa se aproxima muito mais da ideia de um experimento do que de uma política pública educacional séria, na medida em que pouco se conhece sobre seus efetivos efeitos e resultados na aprendizagem. Ela tampouco prevê como se dará a fiscalização, de modo que a única conclusão a que se pode chegar é que o parâmetro será a apenas a avaliação institucional a que alude o artigo 8º, quando qualquer medida reparatória poderá ser tardia. Além disso, a norma não estabelece as consequências para o seu descumprimento e tampouco quais medidas devem ser tomadas em caso de baixo desempenho escolar, da constatação de inabilidade pedagógica de pais e mães ou mesmo de efeitos nocivos que a interrupção do convício escolar pode trazer à saúde de crianças e adolescentes”.

A lei do homeschooling no Paraná tem apenas 11 artigos, e nenhum trata das exigências profissionais para familiares que optarem pela modalidade domiciliar. Ao sancionar o texto, no entanto, o governador determinou que ficaria sob responsabilidade da Secretaria de Estado da Educação do Esporte (Seed) a regulamentação e a fiscalização da prática no estado.

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