Pauta bolsonarista: Ratinho Jr sanciona homeschooling como “3ª via” de ensino no PR

Segundo especialistas, a lei não tem suporte legal para vigorar até que a legislação federal passe por mudanças

O governador Ratinho Jr. sancionou nesta segunda-feira (4) a lei que oficializa o homeschooling como modalidade de ensino no Paraná. A assinatura não foi um ato ordinário e ocorreu em meio a um evento próprio, em ares de confraternização com deputados da base e sob gritos de “Viva o Paraná” e “Viva o homeschooling!”. Apesar disso, o clima de festa pode não durar muito, já que, segundo especialistas, a lei não tem suporte legal para vigorar até que a legislação federal passe por mudanças

O impasse jurídico sequer veio à tona nos discursos. Além do governador e do Secretário da Educação e do Esporte (Seed), Renato Feder, também falaram ao pequeno público presente o deputado autor da proposta, Marcio Pacheco (PDT), e o presidente da Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED), Rick Dias.

Fortemente alinhado ao presidente Jair Bolsonaro, Dias é ligado ao (Simpósio Online de Educação Domiciliar (Simeduc), plataforma virtual que mescla a venda de serviços e guias para a prática do homeschooling com a comercialização de livros de temática religiosa e debate conservador. No Palácio Iguaçu, nesta segunda, defendeu que o ensino domiciliar “não é uma questão pedagógica, mas de liberdade”.

Já as palavras usadas por Ratinho Jr. reforçaram o interesse particular de seu governo na aprovação da proposta. No início da fala, agradeceu ao secretário-chefe da Casa Civil, Guto Silva, que, segundo ele, “ajudou bastante na coordenação do projeto junto com [o deputado estadual] Márcio Pacheco.

Pacheco, autor original do PL, também agradeceu o “o envolvimento da secretaria da Educação, que em nenhum momento se opôs”. O parlamentar faz parte da bancada de deputados do Oeste, que se manifestou em peso a favor do projeto. A região tem uma grande demanda de prefeitos para a institucionalização do homeschooling, motivo pelo qual muitos veem a mobilização como um grande aceno eleitoral.

Terceira via da educação

Como vem defendendo em todas as mudanças curriculares colocadas em prática desde que assumiu a chefia do Executivo estadual, o governador do Paraná usou novamente o argumento de atingir os mais altos indicadores do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para justificar o homeschooling – que, conforme afirmou, “é algo que tem dado certo pra algumas famílias de países de primeiro mundo”.

De acordo com o texto, as aulas ficam sob responsabilidade dos pais ou responsáveis, e caberá à Seed regulamentar e fiscalizar a prática, que não é obrigatória.

Aos presentes, o governador tratou ainda o modelo como uma espécie de terceira via para o ensino público no Paraná, pois pais que não querem o ensino regular nem o ensino em escolas cívico-militares podem, agora, optar pelo homeschooling.

“Nós estamos dando opção aos pais junto com seus filhos de decidir qual modelo educacional que eles querem”, disse. “E aqui, como nós fazemos parte de um estado inovador, que tem conseguido transformar a educação de forma inteligente, sendo referência pra o Brasil, estamos sancionando essa lei muito bem discutida pelos deputados”.

Na Assembleia Legislativa, o PL do homeschooling passou com folga. Dos 54 deputados da Casa, 44 votaram favoravelmente à proposta, que tinha como coautoria outros 36 parlamentares, além do deputado Marcio Pacheco. Apear da relevância, o tema não foi debatido em audiência pública. Ao ser convidado para uma live sobre o assunto pela equipe do Plural no mês passado, a assessoria de Pacheco declinou dizendo que “não era o caso, pois o debate já havia sido feito”.

Com a sanção, o Paraná passa a ser o primeiro estado do país a ter oficialmente instituído o homeschooling como modalidade de ensino. No Rio Grande do Sul, os deputados aprovaram proposta em dois turnos, mas o objetivo de regulamentar o modelo entre os gaúchos foi barrado pelo governador Eduardo Leite (PSDB), que alegou insegurança jurídica e disse se tratar de um tema de responsabilidade federal.

Mas as comemorações não devem seguir por muito tempo. Antes mesmo da sanção, a oposição já havia prometido questionar a legalidade da lei. Por isso, o caso deve parar no Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR). Em junho deste ano, a Corte paranaense já havia decidido, por unanimidade, que nenhuma prefeitura ou Câmara Municipal tem o direito de aprovar o ensino domiciliar, sendo as decisões isoladas um vício de inconstitucionalidade de ordem formal. A decisão decorreu de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo deputado estadual Professor Lemos (PT), que, agora, deverá reformular novo pedido em referência à lei estadual.

Para constitucionalistas, há amparo nos questionamentos. O debate esbarra em aspectos jurídicos muito bem definidos que hoje não contemplam o exercício do ensino domiciliar como prática regulamentada na educação e, ao mesmo tempo, não permitem que mudanças estruturais no sistema sejam analisadas individualmente por entes federativos. Ou seja, embora estados e municípios tenham competência concorrente com a União para legislar sobre ensino, nenhuma decisão pode ferir o conjunto de diretrizes básicas da educação no Brasil.

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8 comentários em “Pauta bolsonarista: Ratinho Jr sanciona homeschooling como “3ª via” de ensino no PR”

  1. José Vinicius Beghetto

    Penso no grande número de crianças e jovens que em nome do “homeschooling”, entrarão no mercado de trabalho informal.

  2. ALMIR MESSIAS PINA

    O que esperar do analfabeto funcional que nos governa. O homem que transforma nuggets em frango. É rir pra não chorar. E a patuleia aplaude extasiada. As consequências vem depois.

  3. Rafael Ginane Bezerra

    Parabenizo o Plural e a Angieli pela cobertura do tema. Gostaria, no entanto, de sugerir um questionamento: dizer que se trata de uma “pauta bolsonarista” é de fato a abordagem mais adequada?

    É possível observar que diferentes grupos – todos de orientação reacionária – convergem na defesa de bandeiras como o homeschooling. Esses grupos, me parece, transcendem o vínculo com o sujeito que responde pelo executivo federal.

    Digo isso porque acredito na possibilidade de que o atual presidente não seja reeleito. Caso essa possibilidade se concretize, no entanto, esses grupos permanecerão mobilizados e a bandeira do homeschooling continuará tendo sustentação.

    Diga-se de passagem, o projeto foi aprovado com folga na assembleia estadual e celebrada por um governador que, apesar de consciente do seu caráter inconstitucional, fez questão de bancá-lo.

    Nesse sentido, o qualificativo “bolsonarista” talvez nos impeça de perceber a complexidade do problema que os setores progressistas da sociedade têm pela frente.

    1. Oi, Rafael, obrigada pelo retorno. A expressão foi usada de maneira pontual, neste caso, afinal temos um presidente que tem motivado este tema. Mas sua observação é bem reflexiva e pode nos ajudar a pensar sobre isso a partir de um novo ângulo, inclusive. Obrigada mesmo pela colaboração!

    2. Martín Valenzuela

      Sinceramente, se eu tivesse filhos e eles fossem obrigados a usar uma focinheira na escola o dia inteiro, todos os dias, eu também preferiria tirá-los de lá.

  4. Pastor Jorge Nunes

    O senhor governador acaba de dar um tiro no próprio pé e induziu os deputados a o seguirem, pois aprovar uma lei de respeito federal a tornou inconstitucional , não precisa ser jurista para ver tamanha ilegalidade realizada por quem governa um estado e junto com DEPUTADOS retira os direitos dos do Paranaenses a educação de qualidade , já que na pereferias 70% da população não tem condições de serem pais e professor ao mesmo tempo , quem irá sustentar a família.
    Pastor Jorge Nunes
    Comunista do Brasil
    Presidente da CAXIMBA

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