Facas são deixadas na cama de liderança LGBT

Invasão e furto foram em Apucarana, na casa de ativista do Movimento Trans

Com três mil votos na última eleição para a Câmara Federal, Renata Borges é uma das principais ativistas do movimento em defesa das travestis e transexuais no Paraná. Ao levar sua causa para o interior do Estado, ela sofreu ameaças, inicialmente pelas redes sociais. Na última sexta-feira (18), porém, as intimidações saíram da internet para a casa da militante, que foi invadida, revirada e furtada. Duas facas foram deixadas em cima da cama de Renata, como aviso.

“Para nós, transexuais e travestis, o sinônimo do facão na cama é literalmente o recorte; cortar a gente, fatiar; essa morte subjetiva e a tentativa de deslegitimação da nossa causa. Mas são causas políticas. Nós do ativismo, somos presas fáceis dentro do sistema, principalmente quando se você começa a jogar luz no que é invisível. Quando falamos em recortes sociais, a população LGBT é invisibilizada no interior do estado”, garante ela.

Estudante de Engenharia Têxtil na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) Renata mudou-se de Curitiba para Apucarana, onde as barreiras com relação às pautas que defende se acentuaram. Na tentativa de organizar a primeira Parada LGBT da cidade, ela conta que recebeu diversas críticas e xingamentos na internet.

“Tenho feito visitas nos pontos de prostituição para acompanhar cada caso pois muitas meninas não têm nem RG. Começamos a cobrar o poder local sobre estas questões. A Parada LGBT era pra levar a pauta do HIV, da Aids, para que haja politica efetiva no combate à doença. Documentação básica. Combate à violência, com criação de Núcleos de Proteção. Mas, infelizmente, não fui recebida pelo prefeito e negaram autorização para o evento”, relembra.

“Logo depois, começaram os ataques na internet. Eram muitos xingamentos, mas acho que xingar está tão normatizado na nossa vida de travesti que acabamos já nem enxergando mais. Porém, uma faca e um arrombamento em sua casa, é diferente.”

Sujas, armas foram um aviso, garante a militante. Foto: Arquivo Pessoal

A Delegacia da Mulher foi acionada e as facas foram levadas para perícia. “O que fizeram comigo é uma ameaça para eu parar de querer entrar onde eles acham que eu não devo, para que eu pare de lutar, para que continuemos invisíveis. Mas quando seu corpo deixa de ser ‘eu’ pra ser ‘nós’, a luta não é descontruída nem silenciada”, avalia, garantindo que não irá se calar.

“É necessário informar a população, jogar luz para novas militâncias e debater o tema, para evitar que as meninas caiam no sistema de prostituição, para que os pais se descontruam dos preconceitos, para as escolas evitarem as evasões escolares e elas possam ocupar as universidades, pois os avanços para de políticas públicas para pessoas trans foram muito tardios.”

Mesmo o apoio político está ausente. “Quando sofri esta violência me senti fragilizada, desarticulada e invisível. E quem segurou minha mãe foi a Liga de Lésbicas, pois estou até agora esperando um posicionamento do meu partido, afinal, faço parte do quadro, então preciso de apoio e fortalecimento nesta caminhada.”

Conservadorismo político

Quinta suplente de seu então partido, o PSB, Renata conta que foi convidada a integrar o PT e mudou sua filiação. Porém, as barreiras às causas LGBT se estendem pelo conservadorismo político, presente também na esquerda, garante ela. “Nenhum partido está preparado para nossos corpos, da esquerda à direita, não existe espaço de reconhecimento nem de luta pela nossa causa. Somos silenciadas, como se quisessem tapar nossa boca. Não somos chamadas para os encontros partidários, somos chamadas quando vai fazer manifestação, daí lembrar da gente, mas quando é pra votar pauta ninguém lembra de nos chamar. Prova que nem eles estão preparados para, ao mínimo, as discussões”, avalia. “No interior, não há diferença clara entre a esquerda e a direita, pois elas parecem se fundir em momentos de defesa da minoria.”

“Esse negócio de ninguém solta a mão de ninguém é na capital pois no interior a minha mão tá solta há muito tempo. Nenhum deputado ousa tirar foto comigo, nenhuma liderança em mandato quer aparecer ao nosso lado, parece que somos manchados e há um medo de perder voto”, lamenta.

“Não vi nenhum deputado no Paraná falar sobre nossas causas, então quando você levanta esta pauta, gera um desconforto até mesmo partidário. Algum deputado convidou alguma travesti pra fazer parte de mandato? Não. Porque somos sinônimos de vergonha para eles.”

A ativista defende a inclusão das candidatas trans na cota de 30% de mulheres nos partidos. “Minha candidatura legitimou nossa luta pois buscamos visibilidade também no sistema eleitoral. Somos invisíveis dentro dos nossos próprios partidos e é preciso que em 2020 a gente venha como protagonista e não sendo laranja dos 30%.”

A ex-candidata não descarta nova campanha, desta vez para vereadora ou até mesmo para prefeita de Apucarana. “Se o partido achar conivente, eles têm uma pré-candidata.”

O diretório estadual do PT foi procurado para comentar o assunto mas não respondeu à reportagem até o fechamento da matéria.

Atualização

Nesta terça-feira (22), o presidente do PT/PR respondeu ao Plural sobre o caso:

“Na tarde de ontem (21), Dr. Rosinha e a vereadora do PT em Curitiba, Professora Josete, estiveram reunidos com Renata Borges em Curitiba, prestando solidariedade à companheira. Renata fez um boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher de Apucarana, e ainda foi orientada por Dr. Rosinha e Professora Josete a fazer uma ata notarial com todas as ameaças que a companheira tem recebido pelas redes sociais. O presidente do PT-PR ainda perguntou à Renata se ela precisaria de auxilío jurídico, e que colocaria um advogado à sua disposição, mas Renata já tem quem acompanhe o processo. Dr. Rosinha ainda reforça que, para o PT Paraná, a pauta LGBT não é invisível, tanto é que o partido tem um setorial LGBT, sendo que as pautas do setorial foram debatidas durante o 7º Congresso do PT Paraná, que aconteceu no sábado (19), em Curitiba.”

Renata Borges disse hoje ao Plural que durante a conversa com Rosinha e Josete se sentiu ouvida e acolhida pelo partido. “Eles me cederam um bom tempo e me mostraram que nossa causa é importante, sim, dentro do partido e que elas serão debatidas para que algumas questões sejam superadas. Desta forma, me senti acolhida, protegida e parte do PT. Eu vi que, para eles, não sou apenas uma estatística e posso ser uma protagonista. Ser recebida com tanto interesse me fez sentir, enfim, protegida.”

Renata Borges tem 37 anos e está na militância LGBT há 15. Foto: Arquivo Pessoal

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