Estas são as vítimas da pobreza menstrual

Falta de absorventes em Curitiba atinge mulheres em situações de rua, vulnerabilidade socioeconômica e privadas de liberdade

De quantos absorventes uma pessoa que menstrua precisa por ano? São cerca de 240. O cálculo considera um ciclo de quatro dias com a troca do item a cada quatro horas, conforme recomendam especialistas. Da menarca à menopausa, ou seja, dos 12 aos 50 anos, são eliminados 33,6 litros de sangue. Para absorver o fluxo, são usadas mais de 8.880 unidades ao longo da vida.

A menstruação está associada à mulher. No entanto, em relação à identidade de gênero, outras pessoas menstruam além das mulheres cis, como homens trans e pessoas não binárias. O absorvente é considerado um item básico para a higiene íntima. Mas isso não quer dizer que todos tenham acesso ao produto.

Quando uma pessoa tem dificuldade ou não tem acesso a nenhum tipo de absorvente – descartável, de pano ou coletor –, isso faz parte do que é chamado de pobreza ou precariedade menstrual, que não trata somente da acessibilidade, mas também sobre a falta de educação sobre o ciclo menstrual.

A falta de informação faz com que muitas brasileiras se sintam desconfortáveis durante a menstruação. Segundo a pesquisa Sempre Livre, 57% das mulheres têm a sensação de sujeira ao menstruarem. O estudo foi realizado pela Johnson & Johnson e publicado em 2018. Ao todo, foram entrevistadas 1.500 mulheres, de 14 a 24 anos de idade.

A menstruação ainda é um tabu, principalmente nas classes mais baixas, o que torna um desafio encontrar alguém disposto a falar sobre o assunto. A situação é mais delicada quando envolve a dificuldade de acesso aos absorventes. Na falta do item, papel higiênico, retalhos de tecido e até mesmo pedaços de jornal são usados para substituí-lo. 

“Não vou, estou naqueles dias”

Uma em cada quatro jovens já deixou de ir à escola por não conseguir comprar absorvente, segundo pesquisa realizada no Brasil com mulheres de 16 a 29 anos. O levantamento faz parte da campanha #MeninaAjudaMenina, da Always, marca de absorvente da P&G. A adolescente Andryely Alves, de 16 anos, faz parte dessa estatística. “Na escola, cheguei a pedir para minhas amigas e também já saí mais cedo por estar assim, mas inventei uma desculpa”. É comum o uso de eufemismos para evitar falar em menstruação. Cerca de 67% das brasileiras buscam palavras alternativas à “menstruação”, de acordo com a pesquisa da Sempre Livre. 

“Tem um tabu muito grande. Alguns territórios são extremamente machistas. É comum que mães e alunas não se sintam à vontade para conversar sobre o assunto”, conta Luciana Ramos, professora da rede estadual de ensino. Ela relata que algumas alunas chegam na escola menstruadas e a primeira coisa que fazem é pedir um absorvente.

A demanda era tanta que o colégio organizou, junto com as estudantes, uma “caixinha solidária” para disponibilizar absorventes no banheiro feminino. “Muitas delas sentiam vergonha em estar pedindo. Às vezes, chegava no fim do dia e a caixinha estava vazia”, conta a educadora. O Estado não fornece verba para a compra de itens de higiene pessoal, por isso, as próprias professoras financiavam a iniciativa.

Doação de absorventes na “caixinha solidária” ajuda estudantes mais vulneráveis. Foto: Ana Carolina Franco

Com a escola fechada devido à pandemia, a solução encontrada por Andryely é pedir ajuda para a tia. “Na minha casa, somos em quatro mulheres e nem sempre a quantidade de absorvente é suficiente”, diz a adolescente moradora do Parolin.

A estudante já precisou usar papel higiênico para conter o fluxo. No entanto, a alternativa traz consequências à saúde da mulher. “O papel higiênico vai se despedaçar e deixar resquícios internos, juntando secreções e corrimento, que podem causar infecções”, explica Franciele Canesin, ginecologista e obstetra.

A dificuldade de acesso ao absorvente pode permanecer na fase adulta. Andreia Vieira da Silva, de 37 anos, também já deixou de ir a compromissos por estar menstruada e não ter absorvente. Para ela, o assunto é delicado, pois se trata da intimidade da mulher. “Não converso sobre isso com outras mulheres, mas já precisei pedir emprestado para uma vizinha.”

Na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), ela mora com mais quatro pessoas: duas adolescentes, uma criança de três anos e o marido, responsável pela única renda da família. Com o orçamento pequeno e o financiamento do Minha Casa Minha Vida para pagar, Andreia sempre prioriza os filhos. “Prefiro comprar fralda e leite para o meu filho. Quando compro absorventes, divido entre as meninas e às vezes acabo ficando sem.”

A situação econômica de diversas pessoas foi impactada em razão da pandemia. Em janeiro deste ano, 128.853 famílias curitibanas estavam inseridas no Cadastro Único (CadÚnico), sendo 31% das famílias com renda entre R$ 178,01 até meio salário mínimo e 33% com renda acima de meio salário mínimo. Os dados são da Secretaria Nacional de Renda e Cidadania.

No âmbito político, o ampliamento do acesso aos absorventes tem sido discutido. Em janeiro deste ano, entrou em vigor no Distrito Federal (DF) a lei de autoria da deputada federal Arlete Sampaio (PT), que possibilita a distribuição de absorventes para adolescentes e pessoas de baixa renda nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e escolas públicas. A norma também prevê assistência à população feminina em todas as idades, inclusive, acesso à terapia hormonal para mulheres na menopausa.

No Paraná, o Projeto de Lei 944/2019 também prevê a distribuição de absorventes em escolas públicas e unidades de saúde do Estado. O texto é assinado por oito deputados: Boca Aberta Junior (PROS), Goura (PDT), Cristina Silvestri (CDN), Mabel Canto (PSC), Cantora Mara Lima (PSC), Luciana Rafagnin (PT), Michele Caputo (PSDB) e Luiz Cláudio Romanelli (PSB). No dia 18, o projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) e segue para deliberação. Já em Curitiba, o vereador Dalton Borba (PDT) propôs a criação de uma política pública para erradicar a pobreza menstrual no município. O projeto foi protocolado no dia 11 de maio.

Dalton Borba também é autor de um requerimento para que a Prefeitura de Curitiba forneça absorventes para adolescentes e pessoas em situação de vulnerabilidade. A proposição foi aprovada na Câmara, mas ainda precisa ser acatada pela prefeitura. Assim como o PL da Semana de Conscientização do Ciclo Menstrual, proposto pela vereadora Maria Leticia (PV). A parlamentar já obteve aprovação do plenário para que o Poder Executivo instale banheiros públicos com pias e chuveiros nas 10 administrações regionais da cidade. O objetivo é atender a população em situação de vulnerabilidade. 

No Rio de Janeiro, outra estratégia foi adotada pelo Estado. Em julho do ano passado, o então governador Wilson Witzel (PSC) sancionou a lei que inclui o absorvente aos itens da cesta básica, reduzindo os tributos e diminuindo o custo do produto para os consumidores. 

Mais um mês, mais uma menstruação

Se o acesso ao absorvente pode ser difícil para algumas mulheres, a situação é ainda pior para aquelas que não têm moradia. Em apenas seis anos, Curitiba registrou um aumento de 310% no número de famílias em situação de rua cadastradas no Centro de Referência da Assistência Social (Cras).

Dados dos últimos seis anos divulgados pelo Ministério da Cidadania – Secretaria Nacional de Renda e Cidadania. Elaboração: Milena Aíssa

Uma das principais dificuldades é o cuidado pessoal. “O acúmulo de secreção e de micropartículas pode alterar ou entrar no canal vaginal, causando infecções, vaginoses e corrimentos patológicos. Em casos mais graves, ocorre a evolução do quadro para doenças inflamatórias”, explica a ginecologista Franciele sobre o déficit de higiene.

Elisangela Nascimento viveu durante oito anos nas ruas da capital. Ela conta que a situação é complicada, pois além da falta de absorventes, as condições de higiene são quase inexistentes. Isso faz com que o uso da peça íntima seja deixado de lado. Sem ter onde lavar ou guardar, as roupas se tornam descartáveis. “Só temos uma mochila ou bolsa grande e todas as nossas coisas precisam caber ali. O que não cabe nela precisamos descartar”.

Para Elisangela, estar menstruada e em situação de rua é um desafio. Muitas vezes a solução é pedir em farmácias ou de porta em porta – e torcer para não ser atendida por um homem. Quando não conseguia doações, usava pedaços de pano ou algodão, se tivesse.   

É comum que pessoas em situação de rua tenham uma menstruação irregular, diz Elisangela, de 41 anos. Desde 2018, ela não se encontra mais nessas condições e precisou iniciar um tratamento ginecológico para regular seu ciclo. Enquanto isso, Josiane (nome fictício), aos 47 anos, conta os dias para a menopausa. Ainda nas ruas, a voluntária do Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR) depende integralmente do auxílio da Fundação de Ação Social (FAS).

O absorvente faz parte dos itens de higiene fornecidos pela FAS. Além dele, a fundação oferece sabonete, xampu, aparelho de barbear, escova e creme dental, assim como máscaras e álcool em gel diante da atual crise sanitária. Os produtos são distribuídos nas unidades de acolhimento e também na Central de Encaminhamento Social 24h (CES). Só em março, 330 pacotes de absorventes foram encaminhados às unidades femininas.

O número de mulheres em situação de rua em Curitiba está crescendo. Em 2017, o público feminino representava cerca de 6%. Neste ano, o número subiu para quase 10%, o que corresponde à estimativa de 200 a 250 mulheres vivendo nas ruas, segundo Anderson Walter, membro da Diretoria de Atenção da FAS.

A fundação atua por meio de abordagens sociais nas ruas da cidade. O objetivo das intervenções é fazer com que o público utilize os serviços da rede assistencial, que provê as necessidades fundamentais. No total, são 1.462 vagas de acolhimento. “O ideal seria que as mulheres aceitassem o encaminhamento à unidade. Quando ela não aceita, normalmente é por causa do companheiro”, comenta Walter.

Apesar dos serviços oferecidos pela FAS, ainda há muita rejeição por parte dessa população. Muitas pessoas são desconfiadas e preferem dormir na rua. Elisangela conta que não tem um motivo específico. Às vezes, a pessoa não quer deixar seu animal sozinho ou são casais que não querem se separar. “O povo da rua sempre tem um pé atrás”, conclui.

A menstruação nos corpos presos

“Não tenho vergonha de falar. Várias vezes ficamos sem o pacote de absorvente e precisei usar papel higiênico para poder segurar”. Esse é o relato de Hete Adma Cabrera, que cumpriu pena durante dez anos na Penitenciária Feminina do Paraná (PFP).

Atualmente, 396 mulheres estão privadas de liberdade na PFP, localizada em Piraquara, na RMC. A unidade é administrada pelo Departamento Penitenciário do Estado (Depen), também responsável pela gestão das cadeias públicas que recebem as presas provisórias.

Dados do Depen e da PFP referentes à abril deste ano. Elaboração: Milena Aíssa

Por mês, cada interna da PFP recebe um kit de higiene com dois pacotes de absorvente (16 unidades no total), três rolos de papel higiênico, dois sabonetes, um creme dental e um sabão em barra, utilizado para lavar louças e roupas. A vice-diretora da unidade, Juliana Heindyk Duarte, acredita que a quantidade é razoável. “O fornecimento em grande quantidade gera desperdício e, às vezes, até um acúmulo nas celas, podendo criar fungos e umidades”.

Semanas depois da entrevista, a vice-diretora quis retificar uma informação. O contato aconteceu após a reportagem do Fantástico sobre pobreza menstrual, que gerou repercussão em todo o país. Juliana disse que havia se enganado. Na verdade, a PFP distribui três pacotes de absorventes, totalizando 24 unidades por mês. Ainda segundo ela, a mudança teria ocorrido no ano passado, após uma reportagem publicada pelo Plural.

Além do que é fornecido, as presas podem receber absorventes da família ou de outras internas. Caso a mulher tenha um fluxo muito intenso, existe a possibilidade de solicitar mais pacotes na farmácia da PFP, que também entrega medicamentos básicos se necessário, diz Juliana. Mas só distribuir os absorventes não é suficiente. É preciso pensar também na qualidade do produto, uma das principais queixas das detentas. “O absorvente era muito fino. Às vezes, as meninas colocavam dois de uma vez só para segurar o fluxo normal de sangue. Uma mulher com fluxo um pouco maior não teria condições de usar”, relata Hete.

Jessica Bueno enfrentou a mesma dificuldade quando estava na PFP e afirma que o kit de higiene fornecido era de péssima qualidade. “O absorvente era um pouco maior que um protetor diário. Por ser pequeno, usar ele e nada era praticamente a mesma coisa”, conta a mulher que cumpriu, ao todo, seis anos de prisão na PFP. 

Absorvente fornecido às internas, cuja marca sequer está nas prateleiras dos mercado. Foto: Jessica Bueno/Colaboração

Devido à baixa qualidade, as detentas improvisam para aumentar a eficácia do produto. Entre as práticas mais comuns estão o uso de panos, papel higiênico e até enrolar o absorvente externo e transformá-lo em interno. Segundo a ginecologista Franciele, o absorvente externo não é indicado para ser inserido na vagina, pois pode deixar resíduos do material.

Para a vice-diretora, não existe pobreza menstrual na PFP. “Nunca chegou a faltar absorvente. Sempre tínhamos uma sobrinha, que dava para nosso consumo próprio e também para doar a outras unidades”, ressalta. Mas as duas detentas entrevistadas informam que já receberam o kit de higiene pessoal pela metade. Os produtos também chegam até as presas por meio da família, que pode enviar “sacolas” com uma quantidade de itens determinada pelo Depen. 

Quantidade de itens de higiene fornecidos às internas pela unidade e pela família, com base nas informações do Depen, da PFP e das entrevistadas. Elaboração: Milena Aíssa

Hete e Jessica nunca tiveram dificuldades para ter absorventes até entrarem no sistema penitenciário. Com o apoio da família, elas conseguiam ajudar as detentas que não recebiam “sacolas” e dividiam o mesmo xis – como as presas costumam chamar as celas. A família também é a responsável pelo fornecimento de peças íntimas, já que a unidade não disponibiliza. Se a presa não conta com o auxílio dos familiares, ela recebe doações de calcinhas que foram deixadas ou esquecidas na PFP. O gesto de solidariedade não é indicado por especialistas, pois o compartilhamento de calcinhas pode transmitir herpes, condiloma (HPV), molusco contagioso (vírus de contato) e outros vírus que geram infecções.

A pandemia suspendeu as visitas nas unidades. Agora, as famílias precisam mandar os produtos pelos Correios, aumentando os custos com o envio. Uma “sacola” pode custar, em média, R$ 700, caso a família compre todos os itens permitidos pelo Depen. A estimativa é de Isabel Kugler Mendes, presidente do Conselho da Comunidade da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. O escritório social vinculado ao Depen tem como função fiscalizar a execução das penas e as condições das penitenciárias. O conselho também faz doações de produtos de higiene para as cadeias e penitenciárias da RMC.

Até fevereiro do ano passado, cerca de 50% das presas recebiam ajuda dos familiares. Esse número caiu para 30% com a crise financeira gerada pela pandemia, aponta a vice-diretora da penitenciária, que acredita que a mulher presa é abandonada pelo companheiro, não por parte da família. A presidente do conselho contesta: “as detentas são totalmente abandonadas. Cerca de 60% dos homens presos recebem visitas dos familiares, enquanto as mulheres não chegam a 5%”.

O conselho também atua na fiscalização da estrutura e acesso à saúde. Segundo Isabel, o espaço ocupado pelas presas é minúsculo e insalubre. No mesmo ambiente, as mulheres têm um tanque pequeno para lavar a louça e as peças íntimas. Além disso, o chuveiro com água gelada faz com que muitas mulheres fiquem doentes, principalmente durante o período menstrual.

À esquerda, a “cortina” cobre o espaço de um metro quadrado destinado ao vaso sanitário. A estrutura interna da cela foi registrada em uma vistoria do Conselho da Comunidade antes da pandemia. Foto: Conselho da Comunidade

A falta de profissionais na penitenciária afeta inclusive a área da saúde. A última contratação do Estado foi realizada há dois anos, aponta Isabel. No caso das mulheres, o atendimento ginecológico não é frequente. Jessica relata que a especialista aparecia na unidade uma ou duas vezes ao mês. A ex-interna sofre com a síndrome de ovário policístico, que requer acompanhamento médico multidisciplinar. A ginecologista Franciele explica que a condição deixa a paciente sem menstruar durante longos períodos e, quando ocorre, o fluxo é intenso e duradouro. 

A ginecologista voluntária que atendia na PFP foi afastada da unidade por pertencer ao grupo de risco para Covid-19. Na ausência dela, as consultas são realizadas semanalmente pelo clínico geral do Complexo Médico Penal (CMP), que atende toda a população carcerária. Por isso, a fila de espera para consultas é longa. Em casos mais graves, os presos são encaminhados para os hospitais da região. 

Hete trabalhou na enfermaria da PFP e conta que ficou um ano sem se consultar com um ginecologista. “Não posso dizer que nunca fui atendida, mas o atendimento era como eles queriam e não da forma adequada”. Ela comenta, ainda, que já se queixou de dores e foi atendida apenas no dia seguinte. “A dor não espera”, conclui. Quanto ao acesso à medicamentos, Jessica relata que nem sempre remédios básicos (para dores de cabeça ou cólicas) estavam disponíveis. Hoje, as duas entrevistadas estão em regime domiciliar por pertencerem ao grupo de risco da Covid-19.

“Já estamos pagando o que devemos para a sociedade. Ali dentro, gostaríamos de ser tratadas como seres humanos. Enfrentamos uma falta de respeito muito grande. Nunca é tarde para acreditar na ressocialização e mudança do ser humano”, diz Hete, que tem grandes planos para o futuro.

Alternativas

Todos os anos, estima-se que 15 bilhões de absorventes vão parar em aterros sanitários e lixões do Brasil. O primeiro absorvente descartado na história da humanidade ainda está em processo de decomposição. Cada unidade leva, em média, cem anos para se decompor na natureza. Mas o meio ambiente não é a única vítima dos absorventes descartáveis, que também prejudicam a saúde da mulher.

Utilizado para absorver o sangue menstrual, esse artigo de higiene é composto por celulose (algodão), fragrâncias, corantes, lubrificantes, parabenos (conservantes), adesivos termoplásticos e derivados do petróleo, em especial polietileno e polipropileno. Para completar a lista de químicos, os absorventes passam por uma etapa de branqueamento com cloro, que gera a dioxina como subproduto. Tal substância quando acumulada no corpo pode aumentar os riscos de desenvolver câncer.

Além disso, a alta concentração de bisfenol A (BPA) contribui para o surgimento de tumores. Ao entrar em contato com o calor do corpo, os plásticos presentes nos absorventes liberam essa substância, capaz de causar disrupções hormonais. No caso dos absorventes internos, a quantidade de BPA é reduzida, por conter menos derivados do petróleo. No entanto, há maior incidência de fibras sintéticas e agrotóxicos, que são utilizados na plantação de algodão – considerada a quarta cultura que mais usa pesticidas no Brasil, de acordo com o relatório “Fios da Moda: Perspectiva Sistêmica para Circularidade”, divulgado neste ano.

A ginecologista Franciele alerta que “abafar a região íntima favorece a proliferação de fungos e bactérias, além de aumentar a incidência de corrimentos. O quadro é agravado se [os absorventes] forem utilizados por longos períodos”. Nos últimos anos, alternativas mais ecológicas e saudáveis têm se popularizado em oposição ao método tradicional – absorvente de pano, calcinha absorvente e coletor menstrual.

Se utilizados da maneira correta, o coletor menstrual e o absorvente de pano podem durar até dez anos. Foto: Manacá/Reprodução

As opções ecológicas são indicadas para todas as idades e possibilitam que a região íntima respire. Os materiais utilizados são bactericidas e antifúngicos, que não alteram o pH da região íntima, muito menos desencadeiam infecções, afirma a especialista. Esses componentes permitem o uso por períodos mais longos, pois não são nocivos à saúde. A mulher que possui fluxo baixo, por exemplo, pode passar até 12 horas sem se preocupar em trocar o coletor ou a calcinha menstrual.

No ano passado, a PFP recebeu uma doação de 200 coletores e realizou uma série de palestras para apresentar os benefícios do método às detentas. Uma das motivações para aderir ao coletor foi o descarte incorreto dos absorventes convencionais, que chegou a causar um entupimento nos esgotos da unidade, disse a vice-diretora da instituição. Ela informou que os coletores não foram distribuídos a todas as presas a fim de evitar desperdícios, mas eles estão disponíveis na farmácia da unidade, basta solicitar. 

O principal cuidado com as alternativas sustentáveis diz respeito à higienização. No caso dos coletores, o recomendado pelos médicos é esterilizar, com água fervente, antes de guardar para o próximo uso. O processo é simples e pode ser feito até no microondas. Já as opções de tecido necessitam ficar de molho na água durante um período. Isso fez com que os métodos de pano se tornassem inviáveis na penitenciária, em decorrência da dificuldade de limpeza e secagem correta dentro das celas.

Quanto à questão financeira, os absorventes ecológicos são mais econômicos a longo prazo. Estima-se que a economia varia entre 50% e 80% no bolso das mulheres, além de auxiliar no combate à pobreza menstrual. Segundo a ginecologista Franciele, as alternativas sustentáveis fazem com que a mulher se olhe e entre em contato com o sangue. “Isso está contribuindo para a ideia de que menstruar é uma coisa natural. Antigamente, muitas pacientes preferiam evitar a menstruação, fazendo o uso contínuo de anticoncepcional”, relata. Para ela, as novas gerações falam mais sobre o assunto, mas ainda existe muito tabu.

Saiba como doar absorventes

Em Curitiba, o Coletivo Igualdade Menstrual realiza doações de produtos de higiene para mulheres em situação de vulnerabilidade. A Casa da Mulher Brasileira e algumas unidades femininas do Depen já foram contempladas com doações de coletores. Os kits completos contêm absorventes descartáveis e de pano, coletores menstruais, shampoos, condicionadores, sabonetes, escovas, cremes dentais e peças íntimas. O grupo também promove ações de conscientização sobre a educação menstrual. Para contribuir com o coletivo, é possível fornecer itens de higiene pessoal em quatro pontos de coleta na cidade: Centro Cívico, Alto da XV, Pilarzinho e Praça da Ucrânia.  

A distribuição de produtos de higiene também ocorre em ações pontuais, organizadas pela sociedade civil ou por ONGs, que costumam ocorrer em datas específicas – como o Dia da Mulher e o Dia das Mães.

Para doar absorventes e outros itens de higiene pessoal para as mulheres em situação de rua ou vulnerabilidade social, é possível recorrer ao “Disque Solidariedade” da Prefeitura, por meio do telefone 156 ou do aplicativo “Curitiba 156”. Já para ajudar as mulheres privadas de liberdade ou egressas do sistema prisional, basta entrar em contato com:

Penitenciária Feminina do Paraná: (41) 3590-1350 ou [email protected]

Conselho da Comunidade: (41) 3352-4862 ou [email protected]

Sobre o/a autor/a

10 comentários em “Estas são as vítimas da pobreza menstrual”

  1. Francisca Batista dos Santos

    Excelente matéria! Parabéns a todos que abraçam esta ação muito importante e impactante em dias atuais.

    Na Escola onde trabalhei fiz esta mine ação de comprar pacotes de absorventes e deixar no armário da sala que ensinava, as vezes a menstruação de algumas chegava repentinamente teve caso que foi a primeira vez como já havia terminado o que tinha no armário então, fui até ao mercado próximo da escola para comprar e amenizar, resolver a situação da aluna precisada de absorvente higiênico.
    Também na minha comunidade arrecadamos alimentos para fazer cestas básicas, também vou acrescentar absorventes higiênicos.

  2. Vinicius Fin Valginhak

    Apuração e texto de altíssima qualidade! É ótimo poder ter acesso a esse conteúdo e, após a leitura, ter uma nova percepção e atitude sobre o tema, que é extremamente necessário.

    Parabéns pelo conteúdo.

  3. Matéria boa demais, e mais do que necessária!

    Já havia discutido sobre o tema com alunas e alunos quando saiu o documentário “Absorvendo o Tabu” (“Period. End Of Sentence.”), em 2018 (disponível na Netflix).

    Agora, com esses dados sobre a nossa realidade (que, infelizmente, é quase nada diferente da indiana, retratada no documentário), fica mais fácil ainda demonstrar o quanto isso é problemático.

  4. Sandro Luis Fernandes

    Comentando com uma amiga ela relacionou o tema ao documentário (curta) indiano Absorvendo o tabu. Na minha escola municipal em Curitiba, sou professor, há absorventes para atendimento das alunas que precisam.

  5. Aline Geimes Matielo

    Excelente elucidação . Tema de suma importância. Relatando cuidados com a higiene feminina e apontando soluções de novos e práticos métodos para a realidade atual.
    Parabéns a todos os envolvidos. Ótima matéria.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima