Curitibanos contaram com a sorte em dia de tragédia

Caminhão de grande porte descontrolado percorreu 15 km dentro da cidade sem ser parado

Um caminhão de grande porte conduzido por um motorista que supostamente estaria alcoolizado percorreu mais de 120 quilômetros entre Ponta Grossa e Curitiba derrubando toda a carga e provocando centenas de colisões. Quinze quilômetros só dentro de Curitiba. O episódio, registrado na manhã de sábado, dia 14 de janeiro, só não teve desfecho mais dramático por pura sorte. Apesar das colisões violentas que atingiram diversos veículos de passeio e até um ônibus biarticulado, apenas duas pessoas foram hospitalizadas e já tiveram alta.

Segundo os horários de registros feitos pela Polícia Rodoviária Federal, o Corpo de Bombeiros e SIATE, o caso todo aconteceu durante uma hora em Curitiba até o desfecho. Apesar de detectado pelo posto da PRF em Balsa Nova, o caminhão chegou a Curitiba e entrou em uma área densamente povoada sem nenhum impedimento, sugerindo que as forças de segurança não foram alertadas.

Já dentro da área urbana da capital, o caminhão percorreu cerca de 15 quilômetros deixando um rastro de destruição e só parou por causa de falha mecânica. Não houve bloqueios, as vias não foram esvaziadas e quem se livrou de um acidente mais grave pode atribuir a situação apenas à sorte.

O caso acontece num momento em que a PRF está sob escrutínio por não ter atuado de forma adequada para impedir bloqueios golpistas nas rodovias. Já a PM em Curitiba, apesar da experiência em perseguições, não tomou nenhuma ação efetiva para reduzir danos nem parar o caminhão. Por fim, o o Programa Muralha Digital, divulgado pelo prefeito Rafael Greca como grande inovação na área de segurança pública, aparentemente não conseguiu garantir a reação adequada das forças de segurança. No mínimo, houve ausência de capacidade de reação das autoridades.

Primeiro, o trecho percorrido pelo caminhão de Ponta Grossa a Curitiba era parte do Anel de Integração do Paraná, administrado por concessionárias nas últimas décadas, mas cujo contrato foi encerrado em novembro de 2021 sem a previsão de substituição da estrutura mantidas pelas empresas. Diante do prospecto de concorrer à reeleição, o governador Ratinho Junior adiou a resolução do problema, mas nos últimos meses essa decisão se mostrou prejudicial à população. Ainda no fim de 2022 a 277 entre Curitiba e o litoral sofreu com o deslizamento de terra na serra e o governo não conseguiu reagir a tempo para corrigir o problema.

Mas já dentro de Curitiba, o trecho percorrido pelo caminhão passou por pelo menos cinco radares que estariam, supostamente, integrados à Muralha Digital de Greca. Esses equipamentos poderiam ter sido ativados pela alta velocidade do veículo e pelo seguido desrespeito aos sinaleiros no caminho. Mas se houve reação, ela não resultou na contenção do motorista.

Outro fator que pode não ter tido influência no caso, mas pode abrir a porta para novas tragédias é a suspensão de multa para motorista sem exame toxicológico assinada no fim de 2022 pelo então presidente Jair Bolsonaro.

Confira a cronologia do caso

Segundo reportagem da RPC TV, ainda em Ponta Grossa diversas pessoas viram o caminhão circulando na rodovia BR-376 em alta velocidade e com a carga de garrafas de cerveja despencando na estrada. A PRF detectou o comportamento errático do caminhão ainda fora do perímetro de Curitiba. Uma viatura do posto de Balsa Nova seguiu o caminhão pela rodovia, registrando acidentes e restos de carga.

Apesar da gravidade da situação, o caminhão descontrolado entrou sem maiores problemas em Curitiba, na altura do Parque Barigui, passando a circular na Rua Major Heitor Guimarães. Nesse trecho, diversos vídeos mostram o caminhão sendo jogado em cima de carros da via e furando sinais vermelhos. A área é densamente povoada, tem igrejas, condomínios residenciais e escolas.

O primeiro registro de ocorrência relacionada ao caminhão em Curitiba foi ainda na BR-277, em frente ao parque Barigui junto ao SIATE, às 7h07. No local, um gol prata foi atingido deixando uma mulher de 45 anos ferida. Como não houve bloqueios nas ruas nem nenhuma ação para conter o veículo, é possível deduzir que não houve comunicação da PRF as forças de segurança de Curitiba do risco que se aproximava.

Enquanto isso, o caminhão seguiu em alta velocidade pela Heitor Guimarães, Mário Tourinho e Arthur Bernardes. Na trincheira da Mário Tourinho uma imagem mostra diversos carros parados, muitos com marcas de colisão. Só o trecho entre o Parque Barigui e o fim da Arthur Bernardes, já no Portão, tem cinco quilômetros e também é densamente povoado. Em dias de semana, o trecho costuma ter vários pontos de congestionamento e trânsito lento.

Mas na manhã de sábado o motorista que conduzia o caminhão de forma errática parece ter encontrado o caminho livre. Uma sorte que impediu colisões com mortes na região, uma vez que não foi a mão das forças de segurança que barrou trechos para diminuir o trânsito na região e evitar colisões. Na chegada no fim da Arthur Bernardes, o caminhão teve que cruzar a rápida do Portão sentido bairro, uma esquina na qual congestionamentos são frequentes, para chegar então na República Argentina, onde o motorista invadiu a canaleta do ônibus.

A partir dali, o caminhão seguiu na direção sul, atingindo um ônibus biarticulado no caminho e diversos carros. O trecho percorrido inclui áreas de grande circulação de veículos e pessoas: o Terminal do Portão, o Shopping Palladium e o Shopping Ventura, o Hospital do Trabalhador e o Terminal do Capão Raso. Pouco antes do Terminal do Capão Raso, o caminhão aparentemente furou um sinal vermelho atingindo um veículo que vinha pela Rua Pedro Zagonel e tentava cruzar a República Argentina.

Um registro feito às 8h07 nas ocorrências do SIATE indica que nesse local o veículo atingido foi um VW Jetta branco e a colisão deixou uma mulher de 41 anos com ferimentos leves. Mais uma vez: sorte. Logo depois do terminal do Capão Raso, o caminhão entrou na Rua Pedro Gusso, no Novo Mundo e seguiu a toda velocidade em direção a Cidade Industrial. O caminhão percorreu, só na República Argentina, três quilômetros.

Na Pedro Gusso, uma via com alta circulação de veículos, mas estreita e de via dupla, o caminhão seguiu seu rastro de destruição. Um dos vídeos feitos da situação mostram um carro preto sendo prensado contra um divisor de pistas de concreto. Nesse trecho foram mais de 4 quilômetros percorridos em trecho que passa pelo Terminal do CIC, o campus da UTFPR, diversas igrejas, postos de saúde, escolas e muitos, muitos prédios residenciais.

O caminhão só foi parar já numa rua menor, próximo a Des. Cid Campelo, em frente a uma praça e porque aparentemente as colisões causaram danos mecânicos e pararam o veículo. Foi então que a Guarda Municipal de Curitiba e a Polícia Militar, segundo o repórter João Frigério e o Bem Paraná, prenderam o responsável pelo rastro de destruição às 8h18, mais de uma hora depois do primeiro registro de colisão em Curitiba.

Já na prisão o motorista Nilson Pedro dos Santos, de 35 anos, registrou 0,14 mg/L no teste do bafômetro. A PM também afirmou ter encontrado cocaína na cabine do caminhão e em reportagem do G1 PR a delegada que atende o caso na Delegacia de Trânsito, Vanessa Alice, disse que Santos admitiu o uso de “rebite”, nome usado para estimulantes usados por caminhoneiros.

Na Delegacia de Trânsito o caso será investigado como tentativa de homicídio, dirigir sob efeito de substância entorpecente, direção perigosa e omissão de socorro. Resta saber se será também investigado na âmbito das ações tomadas para contê-lo.

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8 comentários em “Curitibanos contaram com a sorte em dia de tragédia”

  1. O tanto que esse louco rodou põe em dúvida a capacidade das polícias que deveriam ter agido com mais rapidez.
    É incrível que PRF é mesmo a PM não tenham conseguido parar o caminhão já na BR.

    1. Rosiane Correia de Freitas

      Oi Glockner, também achei estranho. Da forma como ele parou não tem como ele ter vindo da Cid Campelo. Talvez ele tenha entrado na Bettega? É provável que ele tenha andado devagar por um tempo até chegar ali. Ou seja, mesmo andando devagar, só foi abordado quando parou definitivamente.
      Rosiane

  2. Claro que podia ter avisado, tipo: Alô PM? Ligaram aqui em Balsa Nova falando que tinha um caminhão derramando carga na via, não sabemos pra onde ele foi, mas pode ou não estar indo pra Curitiba, ok? Nossas duas viaturas não o encontraram. Aí a PM ia fazer um cerco tipo “velocidade máxima” pq o caminhão poderia fazer um strike em Curitiba.
    Claro, quem sabe na França…

  3. O bonitinho disso tudo é ver a celeridade com que o Greca proíbe doação de comida para moradores de rua e policiamento “especial” para o Batel e locais afins, mas a segurança de verdade, para cidadãos comuns demais, demora ou inexiste.
    Nós todos pagamos impostos igualmente, temos os exatos mesmos direitos, não sei se ele sabe (ou se sabe e não se importa).

  4. Atenção Policia Rodoviária.
    Favor anotar os seguintes números:
    – 190, para chamar a Polícia Militar, e
    – 153, para chamar a Guarda Municipal de Curitiba.
    Espero estar colaborando para que esse episódio lamentável não se repita.

  5. Bom dia!
    Excelente matéria. Consegue informar, mesmo com uma história demente dessas.

    Fiquei curioso sobre os eventuais empregadores do motorista, quem são? teriam algo a dizer sobre as condições de trabalho do Nilson?

    Além disso, sabe-se se o motorista participou de algum bloqueio desses recentes?

    Abraço!

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