É bom ler Natalia Ginzburg até quando você discorda dela

Italiana exercita a autocrítica e um mau humor divertido nos escritos de “Não me pergunte jamais”

A signora Natalia Ginzburg (1916-1991) era ranzinza do único jeito que é aceitável alguém ser ranzinza: com senso de humor. Porque sem ele, a pessoa rabugenta é só um tipo desagradável e difícil de lidar. A julgar pelos textos de “Não me pergunte jamais”, Ginzburg não era exatamente fácil. Mas qualquer um que escreva como ela tem o direto de ser meio complicado de vez em quando.

Como quando ela vai atrás de emprego depois de enviuvar muito cedo, aos 28 anos. Ela cogita pedir para trabalhar na mesma editora em que o marido trabalhou, mas “pedir era particularmente difícil, pois sentia que me dariam emprego por compaixão, por eu ser viúva, e com filhos para criar”, escreve ela. Ginzburg queria ser contratada por alguém que não a conhecesse e que a quisesse por sua competência: “O ruim era que eu não tinha muito competência”.

Natalia Ginzburg

Publicados na imprensa italiana entre 1968 e 1970, esses textos parecem um pouco difíceis de classificar. A própria fala deles como “escritos”, ou algo próximo de um diário. Às vezes, você tem a impressão de que ela está escrevendo crônicas – como quando fala sobre as alegrias e as tristezas (que superam, e muito, as alegrias) de procurar uma casa para morar em Roma. Mas tratar os escritos como algo do gênero memorialístico faz sentido.

“Não me pergunte jamais” tem várias curiosidades. Uma delas é o texto em que Ginzburg defende apaixonadamente a leitura de “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Márquez, que tinha sido publicado há pouco na Itália. “Amo tanto esse livro que temo que não falem [dele] o bastante, que o leiam pouco e que ele se perca em meio aos mil novos romances que saem e se amontoam sobre nós vindos de todos os cantos”. Mal sabia ela que o livro jamais se perderia e se tornaria um clássico.

“Não me pergunte jamais”

Natalia Ginzburg escreve com um estilo e uma inteligência tão envolventes que você gosta de ler o que ela tem a dizer sobre qualquer coisa até quando discorda dela por qualquer motivo. No meu caso, não concordo com a visão que ela tem da velhice e menos ainda com a admiração que ela demonstra pela juventude. “Agora estamos nos transformando naquilo que nunca quisemos nos transformar”, diz Ginzburg, “ou seja, em velhos”. Detalhe: quando publicou esse texto, ela tinha 51 ou 52 anos. E ainda viveu mais 20 depois disso.

Ela continua: “A velhice em nós significará, basicamente, o fim do espanto. Perderemos seja a capacidade de sentir espanto, seja a de causar espanto. Nada mais nos deixará maravilhados, depois de termos passado a vida nos maravilhando com tudo; e não faremos os outros se sentirem maravilhados, ou porque já nos viram fazer e dizer coisas estranhas, ou porque não olharão mais para nós”.

Até entendo o lance do fim do espanto, mas acho que ele não termina. Ele só fica mais incomum. O que também é legal, não? Quem é que quer passar a vida inteira se espantando o tempo todo? Seria um negócio cansativo e,  no limite, insuportável.

Mas não se espante, “Não me pergunte jamais” é uma companhia admirável, além de dar muitos insights sobre literatura, cinema, infância, teatro, Deus…

Livro

“Não me pergunte jamais”, de Natalia Ginzburg. Tradução de Julia Scamparini. Âyiné, 248 páginas, R$ 64,90. Memórias.

Sobre o/a autor/a

1 comentário em “É bom ler Natalia Ginzburg até quando você discorda dela”

  1. Irineu, vc já é velho????
    Alguns livros q vc comenta, busco ler por aquilo q gostei do teu filtro.
    Tenho 65.
    E só agora começo a perceber, a sentir, o envelhecer.
    Vou ler “nao me pergunte jamais”.
    Abraço..

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