Conselho do Fundeb determina “sigilo” de dados públicos em regimento

Conselho responsável pelo controle social do uso dos recursos do Fundo da Educação Básica tenta impedir que conselheiros possam dar publicidade a dados públicos

O conselho municipal responsável pelo acompanhamento do uso das verbas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) colocou em seu novo regimento interno uma cláusula de “sigilo” para impedir que os integrantes do órgão possam divulgar dados sobre o uso de recursos públicos para a educação. A determinação está no artigo 20 do regimento, que estipula a função e as competências dos conselheiros.

Pelo novo regimento, os conselheiros são obrigados a aguardar aprovação do Pleno do Conselho e da secretária da Educação para compartilhar fora do órgão informações sobre o uso de verba pública. A determinação é ilegal e vai contra a Lei de Acesso à Informação e a determinação constitucional de publicidade dos atos públicos.

O Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação no Município de Curitiba (CACS – Fundeb) tem a função de fazer o “acompanhamento e o controle social sobre a distribuição, a transferência e a aplicação dos recursos dos Fundos” e teve sua criação amparada pela Lei Federal 14.113 de 2020. Em 2023, Curitiba recebeu R$ 863.795.892,18 do Fundeb, .

O CACS – Fundeb é formado por representantes do governo municipal, da sociedade civil, dos estudantes, professores e pais de alunos da rede pública de ensino. O grupo tem a função de acompanhar os gastos feitos com os recursos do fundo e, se necessário, “convocar, por decisão da maioria de seus membros, o Secretário de Educação competente ou servidor equivalente para prestar esclarecimentos acerca do fluxo de recursos e da execução das despesas do Fundo”.

É função do conselho também “supervisionar o censo escolar anual e a elaboração da proposta orçamentária anual, acompanhar a aplicação dos recursos federais transferidos à conta do Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (PNATE) e do Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para Atendimento à Educação de Jovens e Adultos (PEJA)”. A Lei Federal 14.113/2020 também estipula que o CACS “atuarão com autonomia, sem vinculação ou subordinação institucional ao Poder Executivo local e serão renovados periodicamente ao final de cada mandato dos seus membros”.

Os dados acompanhados pelo conselho são públicos e estão, inclusive, disponíveis para consulta no Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos da Educação (SIOPE). Além disso trata-se de dinheiro público, cuja publicidade no uso está sacramentada na Constituição Federal de 1988.

Mas o novo regimento do Conselho em Curitiba, aprovado pelos atuais integrantes do CACS-Fundeb, estipula que os conselheiros devem “manter sigilo” de todos os dados obtidos na participação do conselho e que não podem reproduzir “em hipótese alguma” as informações do conselho “sem a prévia análise do Conselho e da Secretária Municipal da Educação de Curitiba”. E ainda ameaça os conselheiros que insistirem em dar publicidade aos dados públicos com “sanções previstas no Código de Ética e Lei de Proteção de Dados“.

Isso a despeito do documento não detalhar a qual “Código de Ética” se refere e usar como base a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), de 2019, que disciplina o tratamento de dados pessoais, não de dados públicos.

A introdução dos artigos determinando sigilo coincidiu com a eleição da repórter Rosiane Correia de Freitas, do Plural, como representante de pais de estudantes dos CMEIs no CACS-Fundeb em 2023 e a publicação de reportagens sobre problemas na gestão de educação em Curitiba, como a que relatou que a prefeitura tirou fonaudiólogas e psicólogas dos centros especializados que atendem crianças da educação especial. A redação do regimento tenta constranger principalmente os representantes eleitos do conselho que representam os estudantes e os pais de alunos da rede de ensino, que são minoria entre os conselheiros.

Confira os trechos do novo Regimento Interno do CACS-FUNDEB

§ 1º Cabe aos conselheiros manter sigilo, tanto escrito como verbal, ou, por qualquer outra forma, de todos os dados, informações científicas, técnicas e pedagógicas e, sobre todos os materiais obtidos com sua participação, podendo incluir, mas não se limitando a: técnicas, desenhos, cópias, diagramas, modelos, fluxogramas, croquis, fotografias, gráficos, programas de computador, discos, disquetes, pen drives, processos, artigos, dentre outros;

Cabe aos conselheiros a não revelar, reproduzir, utilizar ou dar conhecimento, em hipótese alguma, a terceiros, de dados, informações científicas, técnicas e pedagógicas ou materiais obtidos com sua participação, sem a prévia análise do Conselho e da Secretária Municipal da Educação da Curitiba, sobre a possibilidade de proteção, nos órgãos especializados, dos resultados ou artigo envolvendo aquela informação;

§ 3º Cabe aos conselheiros a não tomar, sem autorização do pleno do Conselho e da Secretária Municipal da Educação de Curitiba, qualquer medida com vistas a obter para si ou para terceiros, os direitos de propriedade intelectual relativos às informações sigilosas a que tenham acesso;

§ 4º Cabe aos conselheiros aguardar aprovação do Conselho Pleno para qualquer ato de publicização

Parágrafo Único – A confidencialidade firmada com o intuito de evitar a divulgação e utilização não autorizada das informações confidenciais trocadas de qualquer conselheiro nomeado para compor CACS- Fundeb, sendo impedidos de relatar e publicizar a matéria, parcial ou na íntegra, antes da aprovação do Conselho Pleno, sob pena de sanções previstas no Código de Ética e da Lei de Proteção de Dados.

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