Combate à violência nas escolas pede mais profundidade

Iniciativas discutidas nas últimas semanas no Paraná para combater violência nas escolas foca em ações da policia

A sequência de episódios violentos em escolas do país levou o tema da segurança em espaços compartilhados ao topo da agenda do poder público brasileiro. Seguidos de medo generalizado, os casos exigiram mobilização rápida de autoridades que, como resposta imediata, desenharam novos esquemas ou retomaram promessas antigas de reforçar o policiamento no entorno de estabelecimentos de ensino públicos e privados. Mas o debate, alertam especialistas, demanda ensaios de combate à violência que devem ir muito além do protagonismo das forças de segurança.

“As políticas de segurança pública não devem ser pensadas apenas como políticas da área de segurança, têm de ser pensadas como políticas públicas que produzam efeitos de segurança, que não é a polícia que produz”, diz Aknaton Toczek Souza, pesquisador do Centro de Estudos em Segurança Pública e Direitos Humanos (CESPDH) da UFPR e professor do programa de Pós-Graduação de Política Social e Direitos Humanos da Universidade Católica de Pelotas (UCPEL).

Assim como outros estados, e até mesmo como o governo Federal, o Paraná começou a discutir propostas de enfrentamento a ameaças no ambiente escolar focadas em ações policiais de proteção e de treinamentos. Entre a morte de uma professora por um aluno em uma escola de São Paulo, no dia 27 de março, e o assassinato de quatro crianças em uma creche de Santa Catarina no início de abril, o estado foi um dos que registrou caso de risco isolado. Em uma escola da rede pública, um aluno adolescente ameaçou um colega com uma arma que carregava dentro da mochila.

O alerta soou, de novo, para gestores e legisladores paranaenses. Na última semana, começaram a tramitar na Assembleia Legislativa (Alep) pelo menos cinco projetos de lei para estabelecer novas diretrizes de segurança em estabelecimentos de ensino, como implementação de botão do pânico e detectores de metais. Apenas um deles, do deputado Cobra Repórter (PSD_, sugere medidas de conscientização oriundas de debates entre a comunidade escolar.

Além disso, outros nove requerimentos foram encaminhados por parlamentares da Casa ao Palácio Iguaçu cobrando explicações sobre programas já implementados, mas cujos resultados não estão publicizados, ou propondo ao governo a intensificação de serviços de patrulha com a incorporação de mais policiais civis e militares da reserva na rotina das escolas, iniciativas sujeitas a gratificações à parte para possíveis agentes interessados.

Hussein Bakri (PSD), líder do governador Ratinho Jr. (PSD) na Assembleia, adiantou que o Executivo vem estudando formas de realocar recursos no Escola Segura, programa criado em 2019 pelo estado depois do ataque que matou dez pessoas em uma escola do município paulista de Suzano. Na próxima semana está prevista a ida à Assembleia do secretário de Estado da Educação, Roni Miranda, para responder a questionamentos de alguns deputados sobre a falta de informações relacionadas à continuidade do projeto.

A versão mais atualizada do Plano Plurianual 2020-2023, publicado em dezembro passado, coloca como uma das estratégias da Educação “implantar o Programa Escola Segura, em parceria com a Polícia Militar do Paraná para aumentar a segurança nas escolas [sic]”, um indicativo de que a iniciativa, estruturada na presença de PMs dentro dos colégios, ainda não estaria consolidada. O programa não tem rubrica específica nos gastos do governo e, portanto, não há como saber passivamente qual o quantitativo de verbas destinado às ações vinculadas desde quando criado. Mais antigo, o Batalhão de Patrulha Escolar Comunitária também não tem empenhos discriminados na Lei Orçamentária Anual nem no Portal da Transparência – os deputados Cobra Repórter, Marli Paulino (SD) e Flavia Francischini (União) acabam de sugerir intensificação das atividades do serviço, que pode ganhar reforço nacional.

A nível federal, o Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou chamada pública de R$ 150 milhões para apoio às rondas escolares, reiterando a política replicada Brasil afora de trazer o policiamento para o centro das estratégias de combate à brutalidade nas salas de aula.

Paraná também tem casos isolados de violência em sala de aula. Foto: Seed/ Divulgação

Mais camadas

O docente da UCPEL não desconsidera a importância da atuação das autoridades de segurança para restabelecer o apaziguamento do ambiente escolar e diminuir as possibilidades de novos ataques. Mas, para Souza, estratégias de “policialização das políticas públicas” não são suficientes para superar questões relacionadas à violência e ao conflito.

“A gente vê uma relação muito clara desta questão nas violências de gênero. Não se consegue diminuir a violência de gênero porque ela não é solucionada por uma questão policialesca. As pessoas que praticam esses atos não sem importam em ser presas, não se importam em morrer porque há sentido cognitivo por trás de tudo isso”, diz o pesquisador. “E será que os políticos têm uma pergunta séria sobre o que querem com políticas públicas de violência? Porque se não tiverem uma pergunta que leve a sério a política pública enquanto um fundamento racional, organizado, republicano, enquanto isso for feito no improviso e não discutirmos, como sociedade, o que entendemos como violência e como combatê-la, como evitar e como fazer com que baixemos os níveis de violência, sobretudo a letal numa sociedade como a nossa, não vai ter caminho”.

Levantamento com base em dados sobre ataques a tiros registrados nas duas últimas décadas nos Estados Unidos, e divulgado pelo The New York Times, revelou que dos 433 eventos com atiradores ativos contabilizados no período, a maioria – 249 deles – terminou antes mesmo de a polícia conseguir intervir.

O estudo foi conduzido pelo centro Alerrt [sigla de Advanced Law Enforcement Rapid Response Training], da Universidade do Estado do Texas, cujos pesquisadores trabalham em parceria com o FBI, agência de inteligência norte-americana. Para os autores do estudo, as informações analisadas ajudam a desmentir a tese de que “a única coisa que para um bandido com uma arma é um mocinho com uma arma” – repercutida após declaração do senador republicano armamentista Ted Cruz, em 2015. “É empiricamente falsa [a tese] porque com frequência são os próprios atiradores que param eles mesmos”, disse em entrevista ao jornal Adam Lankford, professor de Criminologia e Justiça Criminal e um dos autores da pesquisa.

A extensa literatura estadunidense debruçada sobre a relação entre medidas de segurança, sobretudo tecnologias e pessoal armado, e seus impactos nos casos de violência escolar do país não evidencia um cenário positivo de causa e efeito. Ao contrário, vários estudos mostram que o aumento do policiamento nas unidades não deu conta de frear os episódios. Os próprios números corroboram. Em um país onde o controle de armas é frágil, tiroteios em estabelecimentos de ensino com crianças até 12 anos – os chamados K-12 – estão em curva de ascensão. A trajetória é diretamente proporcional ao investimento da nação em segurança. Segundo perspectiva da empresa de consultoria Omdia, citada pela imprensa norte-americana, o mercado de segurança no setor de educação movimentou algo em torno de US$ 3,1 bilhões em 2021, com perspectiva de ter superado a cifra em 2022.

Em 2019, uma análise sobre 179 casos de tiroteios em escolas dos Estados Unidos entre 1999 e 2018 concluiu que a presença de um agente armado não esteve associada à redução de mortes ou ferimentos causados nos episódios. A pesquisa foi publicada no Journal of Adolescent Health. Outro estudo, de 2021, evidenciou que a presença de guardas armados não foi capaz de reduzir significativamente as taxas de lesões, sendo que os dados analisados mostraram que a incidência de mortes em unidades com efetivo armado foi 2,83 vezes maior do que em escolas sem os profissionais. Mais recentemente, um trabalho conduzido por pesquisadores da Universidade Brown indicou efeito positivo de guardas no controle de algumas formas de violência – no entanto, a conclusão foi a mesma: de que não foram encontradas evidências de que evitem tiroteios ou incidentes relacionados a armas de fogo dentro das escolas. Por outro lado, a presença dos agentes intensificou suspensões, expulsões, encaminhamentos policiais e prisões de estudantes, efeitos duas vezes maiores para alunos negros do que para alunos brancos.

Relatório recente da ONG antiarmamentista dos Estados Unidos Everytown, elaborado em parceria com a Federação Americana de Professores e a Associação Nacional de Educação divulgou um plano próprio de segurança nas escolas.

O documento relaciona uma série de medidas de controle de armas e tratam do fomento a ambientes escolares de apoio e confiança como a “maneira mais forte de prevenir a violência escolar”. “Quando as comunidades estão focadas no bem-estar dos alunos, as escolas podem ser locais de cuidado e compaixão pelos desafios que as crianças enfrentam”, diz o guia. “O lócus da prevenção da violência escolar deve necessariamente estar nas escolas”.

Iniciativa do Estado

Ao programa do Ministério Público do Paraná MP no Rádio, o promotor de Justiça Rodrigo Baptista Braziliano, que atua na área da Infância e Juventude em Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba, salientou que, assim como o ambiente familiar, as escolas também devem ser pensadas como uma solução para o problema que as afeta. Segundo ele, o poder público pode, e deve, atuar para minimizar os riscos com propostas de ações educativas – em camadas mais profundas do que o policiamento ostensivo.

“A própria questão vinculada ao Estado de garantir atividades extras, ocupar o tempo desse adolescente com atividades em contraturno, atividades em lazer, ter atividades culturais e esportivas, que sempre são muito válidas para a questão de disciplina, garantindo para essa criança e esse adolescente uma rotina no dia a dia, um tempo mínimo de exposição a elementos que oferecem violência, como é a internet, e, com isso, permitir que a médio e longo prazo gere reflexos positivos no ambiente escolar com redução dos casos de violência”, disse.

O pesquisador da UFPR acrescenta que, embora seja comum imaginar que o caminho para diminuir a onda de insegurança seja apenas uma questão de incorporação de mais tecnologias e mais profissionais fardados à rotina da Educação, é preciso, sobretudo, passar a debater a forma como a sociedade lida (ou não) com os conflitos que alimentam situações mais extremas.

“Um aparato policial traz também um cálculo político, porque você aumenta o número de policiais, compra mais armas, enquanto políticas públicas que tentam atacar a raiz do problema quase sempre vão mostrar uma desfaçatez, uma contradição muito grande da nossa sociedade. A questão é a importância nós damos ao conflito. Será que o levamos a sério? Será que quando um garoto chega numa escola e demonstra um comportamento agressivo, puxa o cabelo de uma garota ou está chorando ou está sofrendo bullying, será que levamos a sério? Será que a gente quer mesmo descobrir o que está causando aquele comportamento que consideramos negativo ou será que simplesmente queremos acabar com aquilo? São duas coisas diferentes”.

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