Após flexibilizar medidas, Prefeitura derruba casas na Caximba

Moradores dizem que casas ocupadas foram alvo. Prefeitura fala em 12 imóveis desocupados

Um dia após flexibilizar medidas restritivas de enfrentamento à Covid-19 na cidade, a prefeitura de Curitiba organizou um aparato logístico e botou abaixo 12 casas na região da Caximba, bairro popular de habitação irregular, na região Sul do município, que abriga cerca de três mil imóveis – todos de famílias em condições de vulnerabilidade social. Pelo menos três barracos inicialmente alvos da derrubada eram habitados.  

A ação começou por volta das 8h desta quinta-feira (15) e seguiu até o início da tarde, executada por equipes próprias da Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab). Armados, agentes da Guarda Municipal (GM) e da Polícia Militar (PM) acompanharam a ofensiva.

Apesar de não ter havido cenas de violência, moradores e representantes de movimentos sociais relataram temor, comoção generalizada de famílias e receio de intervir na ação, que teria sido fiscalizada de perto pelo administrador da Regional Tatuquara, Marcelo Ferraz.

A população disse não ter sido comunicada previamente e questionou a falta da apresentação de ordem judicial para a derrubada das casas. A Cohab alegou que não seguiu cumprimento de reintegração por não se tratar de despejo. Embora a Companhia tenha informado que só foram derrubadas casas sem moradores, a ação teria mirado barracos ocupados.

De acordo com a comunidade – e confirmado extraoficialmente pelo Plural com representantes públicos que se deslocaram depois para o local -, imóveis habitados também foram alvo da execução. Após contestações, a prefeitura teria recuado e manteve estas unidades em pé.  

“O que aconteceu foi que a gente nunca sabia qual seria a próxima casa a ser derrubada. Teve casa, sim, acessada com moradores vivendo ali. Pelo menos em três casas que eles chegaram tinha criança dentro. Aí o que eles falaram depois para essas pessoas foi que era para procurar a Cohab porque, da próxima vez, vão derrubar mesmo”, conta a professora Luzia de Andrade Cruz, pedagoga responsável pelo Projeto Move Vidas, que atende crianças do bairro.

Demais ouvidas pelo Plural confirmaram que tratores miraram barracos de famílias. Em pelo menos um dos casos, o imóvel estava vazio porque a moradora tinha saído para buscar o kit merenda para o filho na escola da região.

“A área é totalmente de ocupação irregular, protegida por APP [Área de Preservação Permanente], mas os moradores alegam que não houve ordem ou mandato, que se tratou de uma ação irregular”, corroborou ao jornal um advogado popular presente no local.

Congelamento de área

As casas derrubadas nesta quinta-feira estão localizadas na Comunidade Abraão, uma das sete vilas que formam o Complexo 29 de Outubro, uma das maiores ocupações urbanas de Curitiba.

Justamente neste ponto desaguam os rios Barigui e Iguaçu, e a densa faixa de ocupação desordenada matiza vila em zonas de esgoto a céu aberto, casas em palafita, ruas sem asfalto e despejo de lixo em áreas de preservação – corroendo indicadores de saúde pública e aumentando taxas de evasão escolar e formação de milícias.

Diante das condições, o local virou alvo de projeto de revitalização formalizado em julho de 2020, entre a prefeitura e a Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), com o objetivo de recuperar o modelo habitacional e as condições socioambientais da região.

Por isso, segundo a Cohab, a ação desencadeada mais cedo se alinha às articulações da proposta, sendo a derrubada dos imóveis vazios parte de uma estratégia para garantir o congelamento da área. “O congelamento da área consiste em assegurar a contenção do crescimento da invasão, impedindo novas ocupações que prejudiquem a implementação o Projeto”, disse a pasta, em nota. “O mapeamento e cadastramento das famílias em 2017 identificaram 1.693 imóveis, as famílias que residiam no local foram cadastradas e o projeto foi elaborado considerando essas famílias”, justifica o texto.

Quanto à investida contra os barracos ocupados, a prefeitura falou que, à época do mapeamento – quatro anos atrás –, eles foram identificados como vazios, e que, “ em constante monitoramento foi certificado que permaneciam vagas, não cumprindo a função social de moradia. Desta forma, as equipes da prefeitura executaram ação de demolição de 12 imóveis vazios, sem móveis nem moradores”.

Polêmica

A região que hoje entrou na mira da prefeitura já foi motivo de polêmica entre o prefeito Rafael Greca e o presidenciável em 2022 Luciano Huck, que comanda o programa Caldeirão do Huck, da Rede Globo.

Em agosto de 2018, o global esteve na Comunidade para gravar um episódio do quadro “Lar doce lar”, em que escolhe casas Brasil a fora para serem reformadas. Durante a visita a Curitiba, o apresentador disse que o lugar visitado no Caximba lembrava o Haiti. “Inaceitável no Brasil do século XXI que as pessoas ainda vivam assim. O abismo social que nos assola está cada vez mais absurdo. A dignidade ali está nos moradores, comércio, voluntários e ongs locais. E só. Dizem que a solução social e ambiental está próxima”, escreveu em post no Facebook.

A fala repercutiu e revoltou o prefeito Rafael Greca, eleito um ano antes. “Como lhe disse ao telefone esta ocupação irregular será desmanchada e requalificada em parque ambiental e Bairro Novo humanitário. Inclusive lhe pedi que não doasse material para construção na área de invasão”, rebateu Greca. A reforma foi barrada, e as gravações nunca foram ao ar.

O Projeto Gestão de Risco Climático Bairro Novo do Caximba terá investimento na casa dos milhões de Euros. Serão aproximadamente R$ 290,3 milhões, com maior investimento da AFD ( cerca de € 38,1 milhões). Não há prazos para a execução, e a estimativa é beneficiar 10,4 mil pessoas do bairro e municípios adjacentes.

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