Antes vitrine, colégios cívico-militares patinam com falta de PMs e casos de violência

Quase um ano depois de lançado, programa enfrenta baixa adesão de militares e diz que denúncias “fortalecem”

O programa dos colégios cívico-militares do Paraná se aproxima do primeiro ano desde o seu lançamento acumulando contradições. De denúncias de ataque ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) a mudanças no projeto original, a gestão de Ratinho Jr. (PSD) também tem lidado com uma falta de adesão de policiais qualificados para preencher as vagas dos editais. Mesmo assim, o governo confirma que tão logo todo o quadro seja preenchido, voltará a estudar a possibilidade de militarizar novas escolas a partir de 2022.

O excesso de vagas de militares em aberto intimidou o governo, e o que era para ser uma forte vitrine de apoio à proposta educacional da presidência da República tem andado a passos tímidos no que diz respeito à autopropaganda: hoje, das 197 escolas aprovadas para funcionarem sob as regras do modelo, apenas um terço delas têm policiais em funções designadas.

O levantamento é da própria Secretaria de Estado da Educação e do Esporte (Seed), que, mesmo com a presença de militares em apenas 66 unidades, considera o conjunto total das escolas autorizadas pela comunidade escolar como cívico-militar. A justificativa da pasta é que nos quase 70% dos colégios sem militares, “não há realização de atividades cívico-militares, mas eles operam com a grade curricular correspondente à modalidade, incluindo a aula semanal de Cidadania e Civismo, lecionada por um profissional da Educação”.

O vácuo inesperado fez o governador pedir autorização aos deputados para alterar de novo a lei que institui o programa das escolas militarizadas no Paraná. A proposta desta vez é ampliar o quadro de cargos de monitores e abolir o cargo de diretor militar, pensado exclusivamente para policiais da reserva de patentes mais altas.  

A interpretação é de que, ao afrouxar os requisitos, um número maior de policiais poderá ser contemplado, pondo-se um fim ao impasse das vagas. Mas a Seed afirma que a revisão é apenas uma maneira para evitar sobreposição entre as tarefas do diretor cívico e do diretor militar, como as relacionadas a infraestrutura e finanças, por exemplo.

Se aprovada, a mudança trará junto aumento na gratificação dos monitores. Eles passarão a receber R$ 3,5 mil, salário ainda maior do que o estabelecido a professores com ensino superior no mais recente edital de Processo Seletivo Simplificado (PSS). Com carga horária máxima de 40 horas semanais, ao docente formado será pago R$ R$ 16,04 por hora-aula.  

A expectativa da Seed é de que o novo processo de contratação de militares em andamento seja o suficiente para colocar policiais nas 197 escolas do modelo. O edital foi lançado em 1º de setembro, e as inscrições, que seguiriam abertas dia 27 do mesmo mês, foram prorrogadas até 13 de outubro. Não há justificativa para a prorrogação, embora extraoficialmente siga-se especulando a baixa procura dos PMs aposentados.

“Eu não diria que tem uma falta de interesse na adesão, mas eu diria que tem uma falta do policial qualificado, com perfil para trabalhar nos colégios cívico-militares”, respondeu ao Plural o diretor de Planejamento e Gestão Escolar da Seed, José Carlos Guimarães especificamente sobre as vagas ociosas. “O policial tem que ter um perfil para trabalhar com criança e adolescente. De maneira geral, é um profissional que foi preparado trabalhar na rua, fazer aquele o trabalho mais pesado, mais de enfrentamento a violência, então não podemos simplesmente pegar um militar da reserva e colocar lá na escola”.

Violência nos colégios cívico-militares

A observação de Guimarães se choca com as polêmicas que têm saído de dentro das escolas cívico-militares e sobre as quais o governo Ratinho Jr. nunca se pronunciou. Desde o início das aulas, em março, seguido do gradativo retorno presencial permitido paralelamente ao avanço da vacinação contra a Covid-19, episódios de violência dentro de unidades do modelo já viraram caso de investigação.

Em agosto deste ano, um PM foi preso suspeito de abusar de alunas. O caso foi em Francisco Beltrão, no Sudoeste. Menos de duas semanas depois, o Ministério Público do Paraná (MPPR) denunciou o monitor de um colégio em Imbituva, no Centro-Sul, por agressão. Ele teria socado e ameaçado o estudante de morte por causa do desenho de uma folha de maconha e da frase “vida loca” na carteira, e o diretor teria agido para acobertar o fato. Ambos negam. No último dia 24 de setembro, a RPC divulgou com exclusividade alunos de 14 e 15 anos de um colégio de Curitiba usando simulacros de arma durante uma atividade cívica, situação repudiada pela própria Seed. Semana passada, a pasta também foi procurada por uma mãe para agir contra uma escola de Guarapuava que queria obrigar o filho a cortar o cabelo. Pelo manual do estudante, alunos homens não podem ter cabelo comprido. O documento, no entanto, não tem validade legal segundo o sindicato dos professores, a APP-Sindicato, porque nunca passou pelo processo oficial de validação escolar.

“O que chama atenção é que no mérito há coisas muito mais graves como agressão a alunos, assédio sexual, assédio moral contra professores, assédio moral contra alunos, diariamente constatados”, afirma o líder do PT na Alep, o deputado estadual Tadeu Veneri, que liderou o voto contrário ao projeto de lei das escolas cívico-militares na Casa. O PT, o PSOL e o PCdoB assinam uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o modelo que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).

Para o governo, contudo, as denúncias são vistas como um caminho para o “fortalecimento do programa”. À parte do processo legal, tanto o caso de assédio quanto o de agressão estão sendo investigados administrativa e criminalmente, e os policiais seguem afastados da função. Internamente, o diretor de Planejamento e Gestão Escolar da Secretaria de Educação não respondeu se a pasta estudar rever normas do programa para evitar a recorrência de situações contra as crianças e os adolescentes, mas disse entender que “situações adversas acontecem”.

“Eu acho que de tudo isso que a gente leva ao fortalecimento do programa”, afirmou. “A gente sabe que tem que intensificar o trabalho com esses militares, e o que eu vejo é que temos que fortalecer o trabalho e o modelo cívico-militar. Situações adversas acontecem. Não quero ser conformista, de jeito nenhum, mas acontece em todos os lugares, em todas as profissões, o que não deveria. Isso não é motivo para colocar o programa sob um ponto se tem que continuar ou não. Acho que o modelo dos colégios cívico-militares é um modelo forte, a gente percebe que a avaliação das comunidades é muito positiva”, avalia o gestor.

Para ele, o esforço necessário agora é para afastar a ideia entre policiais militares de que as escolas cívico-militares do Paraná são a mesma coisa que os colégios militares, instituições de ensino da União respaldadas em normas do Exército. A APP-Sindicato, que representa os professores da rede estadual, diz que a confusão da natureza e do objetivo das escolas cívico-militares também reflete na sociedade. Muitos familiares estariam ainda equivocados em relação à estrutura do modelo.

Projeto mais ideológico que pedagógico

“Para a implantar esse programa, não houve debate, audiência pública local, assembleia, plenária, campanha, exposição do que seria esse colégio cívico-militar, que normas esse colégio teria, e as pessoas confundiram muito com os colégios mantidos pela PM, por exemplo, que têm estrutura muito diferenciada”, aponta Vanda do Pilar Santana, secretária-geral da APP.

Neste primeiro ano desde o lançamento do programa, o sindicato dos professores diz ter a percepção de que o modelo está mais voltado para um “projeto político ideológico para a sociedade, inclusive para médio e longo prazo” do que para um projeto pedagógico. “Hoje, apesar de ter sido lançado há um ano, na prática ele não se organizou internamente”, afirma. Segundo a docente, a normatização das escolas da rede estadual depende de documentos elaborados pelas equipes das próprias unidades e submetidos a apreciações posteriores, o que não teria ocorrido dentro dos colégios cívico-militares até agora.

“Por isso usamos o termo escolas militarizadas, porque elas não nascem como escola militares, elas são escolas da nossa rede militarizadas. Temos aí o processo de aprendizagem respaldado não mais num processo de construção de consciência crítica, de emancipação da cidadã e do cidadão, de preparação para o ensino superior. Mas sim, parte-se de um processo que ao disciplinar os corpos a aprendizagem será mais efetiva, e nos discordamos totalmente disso. Para nós, a disciplina é resultado de um processo de consciência de que eu preciso de disciplina para poder desenvolver aprendizagem”, questiona.

Disputa na Justiça

A criação das escolas cívico-militares vem sendo contestada na Justiça. Em abril deste ano, os partidos PT, PSOL e PCdoB ajuizaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra o modelo. O processo tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) e questiona a competência do Executivo Estadual para implantar uma estrutura não prevista na Lei de Diretrizes Básicas da Educação (LDB), uma espécie de constituição do ensino do país. Outro ponto indagado é o curto espaço de tempo em que o governo conseguiu implementar o modelo.

O projeto que instituiu as escolas cívico-militares no Paraná chegou à Alep no dia 14 de setembro e foi sancionada 22 dias depois. O texto chegou em regime de urgência, o que acelerou o trabalho de avaliação parlamentar. No dia 26 de outubro, Ratinho Jr. lançou oficialmente o programa, e a consulta pública para que os responsáveis pelos alunos das escolas escolhidas decidissem ou não pelo modelo começou um dia depois. O calendário original previa dois dias de votação, mas com a baixa procura de pais o governo estendeu até o dia 5 de novembro. No decorrer da consulta, surgiram denúncias de casos de intimidação e boca de urna. O Ministério Público (MP) do Paraná também contestou considerando a possibilidade de não ter havido divulgação ampla da consulta, supostamente apressada por razões políticas. Mesmo assim, a Justiça validou o ato.

“Estamos falando de um projeto que o governo tentou instituir sem debate com a sociedade, ou seja, impôs um projeto que ele achou que daria certo, mas que era muito mais uma vitrine do qualquer outa coisa”, critica o deputado Tadeu Veneri, do PT.

Na avaliação do parlamentar, o Paraná vive hoje o “pior dos momentos possíveis na educação”, somadas outras articulações do governo referendadas pelo legislativo. Nesta segunda-feira (4), Ratinho Jr. sancionou a lei que institui o homeschooling como prática autorizada, e, com isso, o Paraná passa a ser o primeiro estado do país a liberar a modalidade. Há, no entanto, vícios de legalidade que podem criar obstáculos na regulamentação do ensino domiciliar.

“E tanto eu digo que o programa fracassou que hoje se você olhar a quantidade e alunos que quer sair dessas escolas é muito maior que quer entrar. Só que eles criam obstáculos na abertura de turma nas escolas para onde deveriam ir quem não quer ficar”, afirma o deputado. “Tudo o que acontece nessas escolas vem com a marca da inconstitucionalidade, do autoritarismo, e eu diria também da incompetência. Falta ao governo a humildade de reconhecer que não deu certo”.

A Seed defende e diz que a proposta das escolas cívico militares – embora seja uma das principais promessas para a área alimentada pelo governo de Jair Bolsonaro – não têm essência política. A explicação do diretor de Planejamento e Gestão Escolar da pasta é que o diferencial é uma “aprendizagem forte”, baseada na organização e na ordem.

“O modelo traz uma proposta pedagógica muito forte, diferenciada e com uma proposta de aprendizagem muito forte, então não vejo o modelo cívico-militar como viés político, vejo como viés pedagógico, como uma forma de melhorar a qualidade da edição. Não estou dizendo que as outras são ruins, de jeito nenhum, mas é uma proposta diferente”, finaliza.

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2 comentários em “Antes vitrine, colégios cívico-militares patinam com falta de PMs e casos de violência”

  1. Elizabete Eva Almeida Dantas

    Um absurdo esse projeto do governo, temos município com uma si escola, e se tornou Cívico Militar, não dabdo opção para pais e alunos, e com certeza é sim um projeto política, onde as chefes de núcleo escolheram os gestores

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