Cidade pagou R$ 850 mil a Gusttavo Lima, o equivalente a R$ 35 por habitante

Santa Terezinha do Itaipu entra para a lista de municípios do país que pagaram cachês altos a sertanejos

O uso de dinheiro público para o pagamento de cachês de valores altos a artistas sertanejos, contestados na retaguarda da chamada “CPI do Sertanejo”, também se repetiu no Paraná. Santa Terezinha de Itaipu, município de 24 mil habitantes no extremo Oeste do estado, pagou R$ 850 mil reais ao cantor Gusttavo Lima por uma apresentação na edição deste ano da Fespop, em comemoração ao aniversário da cidade.

Foi o cachê mais alto já pago a uma apresentação do festival desde 2013 – por lei, os Diários Oficiais da cidade só passaram a ser publicados na internet naquele ano – e representa quase 10% a mais do valor total destinado pela prefeitura, desde o começo de 2022, a ações de incentivo à cultura na cidade, sem contar aportes administrativos. A quantia destinada à empresa agenciadora do artista, a Balada Eventos e Produções, foi inteiramente bancada pelos royalties da usina de Itaipu.

A lei que trata da distribuição da compensação financeira pela operação da usina não vincula o uso dos recursos como o faz o governo paraguaio, portanto, não há ilegalidade formal, como no caso da cidade mineira de Conceição do Mato Dentro, onde, conforme denunciou a Folha de S. Paulo, a administração pública usou verba carimbada da saúde, educação, ambiente e infraestrutura para bancar os custos do contrato sem licitação de R$ 1,2 milhão com Gusttavo Lima.

A contratação de apresentações sem passar por certame faz sentido – o artista é único – e, por isso, também viabilizada pela legislação. Mas o que o Ministério Público (MP) de pelo menos cinco estados agora quer saber é se houve desprezo ao patrimônio público e possível configuração de improbidade administrativa com o pagamento de valores tão altos a artistas sertanejos.

Além de Minas, já há investigações em curso no Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Mato Grosso e Roraima, onde a prefeitura de São Luiz, cidade de 8 mil habitantes, pagou R$ 800 mil a Gusttavo Lima, quantia menor do que o desembolsado por Santa Terezinha de Itaipu.

Não consta no MP do Paraná investigação ou apuração preliminar relacionada ao contrato do artista na Fespop. Mesmo assim, a reportagem questionou se a gestão municipal, comandada pela prefeita Karla Galende (PSDB), não viu empecilho em desembolsar o valor. Contudo, não houve retorno.   

No site, a prefeitura informa que o evento reuniu, segundo a prefeitura, 200 mil pessoas entre os dias 5 e 8 de maio. Pelo menos 1,75 milhão empregados na festa, uma espécie de exposição do comércio e da indústria locais, foram dos royalties de Itaipu. Foi um retorno simbólico das festividades, canceladas nos últimos dois anos por causa da pandemia da Covid-19.

Além de artistas, as noites de shows também serviram de passarela para políticos neste ano eleitoral, como é possível notar pelas publicações tagueadas nas redes sociais.

A lista dos cantores que se apresentaram no evento foi longa, mas couberam aos sertanejos “pop” os maiores cachês.

A dupla mineira Clayton e Romario, menos conhecida, cobrou R$ 100 mil pelo show. O cantor pop Frejat, R$ 144,3 mil; e o grupo de pagode Raça Negra, R$ 200 mil. Considerado um dos maiores DJs do mundo, Alok fechou contrato de R$ 250 mil. Dennis, outro compositor e DJ brasileiro de destaque, recebeu R$ 200 mil.

Os valores são bem menores em comparação com os depositados a Gusttavo Lima e também à dupla Henrique e Juliano, contratados por R$ 663,5 mil.

Segundo o site da festa, o line up também teve os nomes de Maiara e Maraisa, Malifoo, Wesley Safadão e Pedro Sampaio. O extrato de dispensa de licitação deles, contudo, não foi localizado pela reportagem.

As pesquisas foram feitas entre quarta (1) e esta quinta (2). Nesta sexta pela manhã, o sistema de acesso aos anexos dos contratos, no Portal da Transparência do município, estava fora do ar.

Em varredura feita em edições do Diário Oficial de Santa Terezinha de Itaipu desde 2013, nunca houve cifras tão altas pagas a artistas chamados para a Fespop como as destinadas aos shows de Gusttavo Lima e Henrique e Juliano. A festa ocorre desde 2003, mas a divulgação on-line dos atos dos Poderes do município só foi instituída em 2012.

Em anos anteriores à pandemia, os cachês nunca haviam ultrapassado os R$ 300 mil. O sertanejo Luan Santana, por exemplo, apresentou-se no evento itaipuense de 2018 por R$ 220 mil. No mesmo ano, Jorge e Matheus receberam R$ 300 mil.

A cantora Anitta passou duas vezes pelos palcos da Fespop. Em 2017, cobrou R$ 160 mil, e em 2019, R$ 220 mil.

Foi justamente de uma acusação contra ela que se estabeleceu o conflito agora desencadeado nas investigações da chamada “CPI do Sertanejo”, da qual Gusttavo Lima e outros representantes do gênero viraram alvo.

Os montantes altos pagos a prefeituras ganharam as redes sociais após Zé Neto, da dupla Zé Neto e Cristiano, acusar o uso das verbas da Lei Rouanet [de incentivo à cultura] em uma clara crítica à cantora pop sensação do momento – semanas antes, Anitta havia chegado ao top 1 do Spotify.

“Nós somos artistas que não dependemos de Lei Rouanet. Nosso cachê quem paga é o povo. A gente não precisa fazer tatuagem no ‘toba’ para mostrar se a gente está bem ou mal”, gritou o sertanejo durante show na cidade de Sorriso, no Mato Grosso. A reação contrária foi instantânea, e uma série de posts publicada logo depois pelo jornalista Demétrio Vecchioli, no Twitter, mostrou que, naquela ocasião, Zé Neto e Cristiano haviam subido ao palco por R$ 400 mil pagos com dinheiro do cofre público municipal.

Desde então, os extratos de pagamentos altos a sertanejos por prefeituras vêm ganhando publicidade, e já há um rastro de cancelamentos anunciados pelos gestores expostos em conjunto.

Nesta sexta (3), o Ministério Público da Bahia acionou a Justiça para cancelar a festa junina de Teolândia, onde Gusttavo Lima se apresentaria com cachê de R$ 704 mil, o mais alto entre o conjunto de artistas anunciado pelo município, que enfrenta estado de emergência por causa das chuvas. A estimativa da Promotoria é que as despesas para realização da festividade ultrapassariam R$ 2 milhões, valor muito próximo dos cerca de R$ 2,3 milhões recebidos da União para ações humanitárias e de saúde mobilizadas para acolher os atingidos pelas enchentes.

Santa Terezinha de Itaipu também está em estado de emergência por decreto publicado em janeiro deste ano em decorrência dos efeitos severos na agricultura causados pela estiagem.

A prefeitura foi procurada, mas não respondeu a nenhum questionamento enviado por e-mail pelo Plural – sequer foram disponibilizados os contratos não localizados no Portal da Transparência.

Até a publicação desta reportagem, a reportagem também não havia recebido retorno das equipes de Gusttavo Lima nem Henrique e Juliano.

Em live na sua página do Instagram na última segunda (30), Gusttavo se manifestou a respeito da onda de investigações envolvendo seu nome. Ele agradeceu aos fãs e disse nunca ter se beneficiado “de dinheiro público ou empréstimo ou algo do tipo”.

“Até de uma caneta que eu compro eu pago imposto. Algo que eu não compactuo é com dinheiro público. Sobre shows de prefeitura, acho que todos os artistas já fizeram show de prefeitura ou fazem show de prefeitura. E isso, na minha forma de pensar, é sobre valorizar a nossa arte.” Ao final do vídeo, o cantor chorou e afirmou estar “cansado, a ponto de jogar a toalha”. “É triste ser esculhambado, tratado como se fosse um criminoso, um bandido.”

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1 comentário em “Cidade pagou R$ 850 mil a Gusttavo Lima, o equivalente a R$ 35 por habitante”

  1. Não me parece que um município deva gastar dinheiro com contratação de artistas. É diferente de investir na cultura local, o que gera emprego, renda e desenvolvimento.

    E agora?? Vamos aproveitar e acabar com essa farra. Alguns ficando cada vez mais ricos, outros lucranco com divulgação política e o povo passando fome não dá. Fora!!!

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