Festival de Inverno da UFPR dribla obstáculos para voltar às ruas de Antonina

Cortes de verbas nas universidades e mudanças na política de captação de recursos criaram obstáculos para o evento

O Festival de Inverno da Universidade Federal do Paraná (UFPR) retoma as ruas de Antonina, no Litoral, depois de dois anos empurrado pela Covid-19 para as plataformas virtuais. O retorno, a partir deste sábado (16), ocorre ainda meio a uma das maiores crises vividas pela educação superior e pelo movimento da cultura brasileira das últimas décadas. Os recentes cortes de verbas nas universidades públicas e mudanças feitas pela gestão do governo de Jair Bolsonaro na política de captação de recursos para atividades culturais criaram ainda mais obstáculos para planejar e organizar o calendário. A própria instituição chegou a duvidar se haveria dinheiro suficiente para a edição deste ano, a 32ª desde 1991.

“Nós mesmo tínhamos dúvidas da nossa capacidade de conseguir articular os recursos porque foi muito difícil”, afirma o professor e pró-Reitor de Extensão e Cultura da UFPR, Rodrigo Reis. 

Mudanças consecutivas na Lei Rouanet, a Lei de Incentivo à Cultura – sancionada em 1991 para fomentar patrocínios em projetos culturais no país – já haviam impactado edições do festival antes mesmo da pandemia. Dados do Governo Federal indicam que a última proposta do evento aprovada pela modalidade foi em 2016. Naquele ano, o aporte de patrocinadores, por meio da lei, chegou a R$ 50 mil, menos de 10% do máximo arrecadado ao longo dos anos anteriores, que foi de R$ 535 mil, em 2006. No auge das captações, diz a UFPR, a cota dos recursos captados via incentivo à cultura chegou a ser a maior fonte de custeio da programação.

Para a edição de 2019, a Fundação de Apoio da UFPR, a Funpar submeteu nova proposta, recusada pela Secretaria Especial da Cultura (Secult). A ideia era elaborar nova proposição para este ano, mas Instrução Normativa publicada pela Secult em fevereiro barrou, de novo, a investida. O documento, agora já revisto, limitava a submissão na esfera da Lei de Incentivo à Cultura a pessoas jurídicas com registro na Receita Federal para atividades de natureza exclusivamente culturais, impedindo o acesso à modalidade de instituições com fins diversos, como universidades e escolas, por exemplo.

O drama somou-se a congelamentos e cortes de verbas determinados em série pela gestão do governo Bolsonaro. No fim de maio deste ano, a medida mais recente do Ministério da Educação bloqueou o equivalente a 14,5% da verba de custeio e investimento das universidades e institutos federais de todo o país, o que só para a UFPR representou uma supressão de R$ 25,6 milhões de seu orçamento.

“O corte nas universidades impacta diretamente no festival. Isso afeta o custeio da universidade como um todo, serviços como transporte segurança, por exemplo, mas também dificulta a gente de conseguir viabilizar a ida da equipe para Antonina. Então conseguimos fazer isso tudo, mas diminuindo muitas coisas, com muito menos do que a gente tinha condição de fazer anteriormente”, afirma o pró-Reitor. “A gente chegou a avaliar o impacto dos cortes da universidade no festival, mas decidimos não cancelar”.

Volta do (e ao) palco principal

O empenho em manter o festival no calendário exigiu correria e, nos últimos meses, os organizadores mantiveram rotina acelerada na busca por patrocínio direto. A expectativa é de que os custos totais do evento fechem entre R$ 180 mil e R$ 200 mil, com cerca de 60% bancados pela pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proec).

Nem por isso a volta do evento ao cenário caiçara vai ter gosto amargo. Até 23 de julho, os tradicionais espetáculos, shows, atividades artísticas e oficinais que extrapolam os campi da UFPR e dão às ruas de Antonina um clima bem particular prometem fazer jus ao patrimônio que se tornou o evento para a comunidade de dentro e de fora da universidade.

A boa-nova, aos saudosistas, é a volta do tradicional palco principal do festival. Por causa das limitações financeiras, o espaço havia sido substituído nas edições de 2017, 2018 e 2019 – nos anos seguintes, os eventos foram on-line devido à pandemia.

“Este é um Festival de Inverno com muita resistência. A gente conseguiu articular uma rede apoio e essa rede envolve muito da sociedade civil organizada, dos sindicatos, o Sesc, a própria prefeitura [de Antonina]. Todos eles com apoios não tão expressivos, mas que juntos vão compondo até formar o universo total de recursos que a gente tem para viabilizar o palco, as apresentações, os cachês dos artistas que a gente trouxe”, diz Reis.

Cultura por todos os lados

A servidora aposentada Lucinha Mion compreende o desabafo. Envolvida na organização do evento desde a 1ª edição – seguiu à frente até à 23ª e só parou ao se aposentar –, ela afirma: “O Festival é uma escola tanto para quem está fazendo como também para quem está participando. Mas uma coisa, que muita gente não vê, é que não é fácil”, conta.

Festival de inverno da UFPR movimenta ruas de Antonina. Foto: UFPR/ Reprodução

Em 2020, quando a pandemia da Covid-19 se estabeleceu e impôs novas rotinas ao mundo, o Festival de Inverno da UFPR em Antonina completou seus 30 anos. A primeira delas, lembra Mion, era uma tentativa de reproduzir por aqui o que desde 1969 a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) organizava em Ouro Preto, também durante o inverno.

Mas ao longo dos anos, a programação paranaense ganhou personalidade própria e se tornou um marco no calendário cultural do estado. Do “caldo de janela” aos boas-noites animados de Rafael Pacheco, consagrou-se como o que a ex-servidora diz ser um “pedaço de vida de muita gente”.

E não só de quem era da universidade. Ao migrar milhares de pessoas para Antonina, o festival mexe na rotina e na economia da cidade – o comércio e serviços de alimentação, por exemplo, sempre dão uma guinada importante nesta época do ano – e leva mais opções de cultura à população da cidade e do entorno.

“A intenção do festival sempre foi tirar a cultura das quatro paredes da universidade, da academia, e torná-la acessível a toda a comunidade. No início a gente pensou que, se fosse feito em Curitiba, ficaria diluído, o que não era a proposta. Agora em Antonina, não. Por ser uma cidade pequena, você vê as artes se conversando, vê o teatro conversando com a música, que conversa com as artes plásticas, as pessoas sempre em uma troca constante”, relembra Mion. “O festival passa por momentos difíceis, mas tem mais o lado bom. Porque quando a gente consegue colocar o bloco na rua e fazer acontecer é aí que está o festival”.

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1 comentário em “Festival de Inverno da UFPR dribla obstáculos para voltar às ruas de Antonina”

  1. Elpidio José Mendes

    Antonina por si só em um palco natural, com centenas de cenários. Vamos parar de mi-mi-mi, E fazer acontecer, o povo da cidade mesmo que poderia contribuir fixou isolado, assim como eu , temos que tentar entender o que está acontecendo na cidade, pois nem um tipo de divulgação aconteceu Isso não é falta de verba e sim de comunicação. Se perguntarem a qualquer morador onde é o palco principal ninguém saberá. O festival é do povo da cidade e não da política. Sem mais

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