Federações podem dar sobrevida a partidos de aluguel. Ou enquadrá-los

Com possibilidade de união por quatro anos, legendas consideradas nanicas têm a chance de burlar a cláusula de barreira. Por outro lado, poderão enfim aderir a um programa

A possibilidade de os partidos formarem federações partidárias já para as eleições deste ano poderá dar uma sobrevida às legendas consideradas nanicas, com pouca representação no Congresso Nacional e nos estados. Para este ano as regras são ainda mais restritivas e as siglas que não conseguirem uma boa votação perderão o acesso aos recursos do chamado fundo partidário. Por outro lado, há analistas que consideram as federações positivas por ajudarem a definir ideologicamente legendas que não deixam claros seus posicionamentos. A união também poderia garantir uma maior governabilidade.

As federações foram instituídas na reforma eleitoral do ano passado. Elas serão nacionais e válidas por quatro anos. Os partidos de uma mesma federação terão candidatos únicos aos cargos de presidente, senador, governador e prefeito e concorrerão com uma lista única nas eleições proporcionais (para vereadores e deputados estaduais e federais). Ainda existe a possibilidade de coligação (sem necessidade de vínculo por quatro anos) nas candidaturas majoritárias. Já as coligações proporcionais foram extintas em 2017.

O prazo para as legendas formalizarem as federações é 31 de maio. Por enquanto, só o PT mostrou interesse em se unir a outros partidos de esquerda ou centro-esquerda. As negociações já estariam avançadas com PCdoB e PV. O PSB, que recentemente filiou o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, enfrenta resistências internas, pois em vários estados o partido tem pré-candidatos ao governo, que entram em rota de colisão com pré-candidatos petistas. Já os dois maiores partidos de direita no Congresso no início da atual Legislatura, o DEM e o PSL, optaram por uma fusão e deram origem ao União Brasil.

O guarda-chuva da federação poderá ser um bom negócio para partidos sem representação, que, ao se aliarem a siglas maiores, terão mantido o acesso ao fundo. Em 2019, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), das 35 legendas registradas, 14 ficaram sem os recursos: Rede, Patriota, PHS, DC, PCdoB, PCB, PMB, PMN, PPL, PRP, PRTB, PSTU, PTC e PCO, o nanico que mais repercute no Brasil por emitir opiniões consideradas polêmicas por outros partidos de esquerda.

Para o cientista político Guilherme Carvalho, o caso da Rede mostra que partidos com representação na sociedade podem existir fora de uma federação e sem recursos públicos.


“A Rede perdeu o acesso ao fundo partidário, mas existe com financiamento de seus membros. Ou seja, é um partido com lastro na sociedade. Não é o caso de outras legendas que já começaram a migrar para dentro de outras legendas. Não acredito que partidos como esses deixarem de existir seria um problema para a democracia”.

Guilherme Carvalho, cientista político e professor da PUC-GO e da UniAraguaia (GO)

Carvalho não se refere a todos os partidos excluídos do fundo partidário, mas a legendas que podem ser consideradas como partidos de aluguel, aquelas que negociam apoios durante a campanha, sem programas e posicionamentos ideológicos claros. “Essas legendas cumprem uma função meramente eleitoral. A cláusula de barreira me parece o maior avanço feito até então, nas democracias maduras é assim. As federações partidárias cumpriram um papel de reação que a gente tradicionalmente vê, em especial das legendas nanicas, que vão usar esse bote salva-vidas e dinamitar a cláusula de barreira”.

Nas eleições deste ano os partidos deverão obter no mínimo 1,5% dos votos válidos em pelo menos um terço dos estados brasileiros, com um mínimo de 1% dos votos em cada estado. Ou elegerem nove deputados, distribuídos em pelo menos um terço dos estados. O valor do fundo eleitoral, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, para este ano é de R$ 4,9 bilhões.

Perda de poder e coalizões

Além da ideia de burlar a cláusula de barreira, Guilherme Carvalho vê outro fator por trás da aprovação das federações pelo Congresso: a perda de poder de partidos tradicionais, como o PSDB e o MDB. “É uma reação de parlamentares de partidos que perderam a relevância pela fragmentação partidária, haja visto o fenômeno do centrão, que sempre esteve aí, mas agora funciona para além das estruturas dos partidos”, diz o cientista político. “Com as federações, partidos como MDB e PSDB podem ditar comportamentos, esvaziando o padrão de comportamento de parlamentares que agem de forma avulsa antes do fechamento de questão, sob pena de infidelidade partidária”.

O cientista político e professor universitário Doacir Quadros as federações também fram idealizadas com a lógica de garantir a governabilidade dos futuros eleitos. “Com a densidade demográfica do país e a extensão territorial, inevitavelmente o presidente que vier a ser eleito terá que fazer um governo de coalizão. Essa estratégia de uma coalizão também nos estados passa a ser extremamente importante e dá uma boa possibilidade de governabilidade”.

Quadros não vê problema no grande número de partidos, mas na falta de programas – um problema que poderia ser minimizado com as federações. “A quantidade não chega a ser um problema, até porque isso é uma característica de qualquer democracia. No Brasil de fato há uma quantidade expressiva, mas não há conteúdo programático nesses partidos. Isso mostra que os partidos no Brasil são instrumentalizados para que determinadas lideranças permaneçam no poder”, afirma. “A tendência é que os pequenos partidos acolham essa estratégia (das federações) em busca de votos, já que os partidos com projeção política agregam votos com candidatos de boa popularidade”.

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