Com 60% da população imunizada contra Covid-19, o Brasil começa a retomar uma rotina próximo do “antigo normal”: volta ao trabalho e estudo presencial, reabertura de cinemas, realização de shows e festas etc. Mas a permanência por longos períodos em espaços internos é segura? Foi a preocupação com isso, especialmente com crianças ainda não vacinadas que voltam ao ensino presencial, que levou o professor Saulo Güths, do Departamento de Engenharia Mecânica da UFSC, a desenvolver um detector de dióxido de carbono que será usado na escola de educação infantil e nas salas do ensino médio mantidas pela Universidade.
O projeto de Güths é a aplicação prática de uma ideia desenvolvida em 2003: a de que é possível usar o índice de CO2 num ambiente interno como indicativo do risco de contaminação por doenças respiratórias. Isso porque o índice tende a aumentar quando o número de pessoas numa sala cresce e a ventilação não dá conta de renovar o ar. Com o uso do sensor é possível se identificar momentos em que o risco aumenta, bem como a necessidade de melhora na ventilação do local.
Monitores dedicados a avaliar a quantidade de dióxido de carbono no ambiente existem no mercado e são vendidos como ferramentas para monitorar a qualidade do ar ambiente. Em artigo para o Centro Nacional de Colaboração em Saúde Ambiental do Canadá, a especialista em saúde ambiental Angela Eykelbosh, apontou que uma revisão de dez estudos sobre o impacto dos níveis de CO2 no ar de 2019 na saúde e no desempenho não encontrou relação causal entre o índice de dióxido de carbono e o desempenho e outras pesquisas encontraram melhora de desempenho ou piora cognitiva na exposição a altos índices de CO2, o que “sugerem que algum outro fator relacionado à ocupação humana pode ser responsável pelos efeitos nocivos de um ambiente interno “abafado””.
Mas no caso da análise do risco de contaminação por doença respiratória, a análise leva em consideração o CO2 como medida de aumento do número de pessoas respirando no ambiente e da qualidade da ventilação. É dado mais fácil e barato de obter do que tentar mensurar a quantidade efetiva de vírus no ar. Para a bióloga especialista em biossegurança e professora da UFCSPA, Melissa Markoski, o monitoramento pode ter efeito educativo: “Nesse momento em que as aulas presenciais foram retomadas e muitos locais aboliram o distanciamento social, pode ser importante para alertar para a necessidade imediata de melhora na ventilação”.
A literatura científica sobre o tema sugere que índices de CO2 no ambiente superiores a 800 partes por milhão (PPM) denunciam a falta de troca do ar e necessidade de melhora na ventilação. “É um alerta para abrir a janela “, reforça. O uso dos monitores, aponta a bióloga, tem poréns importantes. Um baixo índice de CO2 no ambiente não significa o fim do uso das máscaras, que continuam fundamentais na prevenção da Covid. Além disso, a forma de uso do monitor pode induzir a erros de leitura.
Uma recomendação do Departamento Executivo de Saúde e Segurança do Reino Unido sobre uso dos monitores de CO2 aponta que, no uso de dispositivos comerciais, a indicação consistente de valores inferiores a 400PPM ou superiores a 1500PPM apontam para a possibilidade de erro de leitura e sugere a mudança do local do monitor. Além disso, o texto recomenda que não se faça uma leitura pontual do sensor, e sim o monitoramento dos valores durante um período de tempo.
“Sensores são equipamentos sensíveis, sutis”, alerta Markoski. A bióloga avalia que seu uso pode ser útil para empresários que precisam monitorar a adesão das equipes às medidas de proteção e auxiliar as escolas, especialmente no ensino fundamental e médio.
Na UFSC o projeto de Güths é ainda mais ambicioso. O engenheiro e seus alunos começaram avaliando a qualidade dos sensores que existem no mercado. Inicialmente os resultados foram desanimadores. “São imprecisos”, decretou em relação a monitores de qualidade do ar chineses vendidos no Brasil e sensores usados na eletrônica “faça-você-mesmo”. Infelizmente estas eram também as opções mais baratas. Um sensor de CO2 usado na plataforma arduíno, por exemplo, custa entre 15 e 25 reais. O monitor completo vendido em marketplaces chineses sai por 120 a 200 reais.
O problema é que, segundo os testes realizados pela equipe de Güths, em alguns casos os sensores detectam outros elementos como sendo CO2, o que leva a indicação de um falso teor do componente.
Os pesquisadores da UFSC passaram então a desenvolver uma solução nacional. Os primeiros protótipos já estão prontos e em uso nas escolas da universidade. Além de detectar o índice de CO2, os aparelhos enviam os dados para a internet, o que permite o monitoramento em tempo real de um conjunto de salas remotamente. A má notícia é que o custo é alto: cada unidade custa em torno de 600 reais.
O sistema desenvolvido por Güths irá permitir a avaliação da segurança de eventos como a aplicação das provas do vestibular. Alguns alunos do professor catarinense já se organizam para avaliar a segurança de outros ambientes, como o transporte coletivo e até mesmo criar startups para explorar a ideia comercialmente.
Qual monitor de CO2 usar?
Quem tiver interesse em usar um monitor de CO2 tem algumas opções. O que foi desenvolvido pela UFSC ainda não está disponível para venda. Mas é possível montar um aparelho em casa se a pessoa tiver alguma familiaridade com a eletrônica. A opção mais precisa usa um sensor de CO2 infravermelho que custa em torno de R$ 300 mais uma placa Arduino (que custa em torno de 80 reais). Um tutorial detalhado do projeto em inglês pode ser encontrado aqui.
A mesma plataforma Arduino pode servir para construir versões mais baratas (e menos precisas) usando os sensores MQ-135 ou CCS 811. Segundo o professor Güths, o CCS 811, apesar de mais caro, teve desempenho decepcionante nos testes. O Plural montou dois protótipos usando Arduino e o sensor MQ-135 e descobriu algumas peculiaridades. Primeiro é preciso “queimar” o sensor por 24 horas (ligar e deixar funcionar ininterruptamente). Além disso, sempre que for usado, é preciso descartar as leituras nos primeiros três minutos.
Os monitores comerciais chineses são encontrados à venda em marketplaces nacionais por preços entre 120 e 200 reais. Os aparelhos mais baratos funcionam à bateria recarregável por USB e não tem a opção dos dados serem salvos.
O que considerar antes de comprar um monitor de CO2?
O governo britânico indica em quais casos o uso de monitores de CO2 é útil. O documento alerta que ambientes com uso constante de ar condicionado não permitem o uso adequado do monitor porque os aparelhos removem os vírus do ar, mas não o CO2. A tabela completa da recomendação (traduzida pelo Plural) está abaixo:
Ambiente | Exemplos | Adequação do uso do monitor de CO2 |
---|---|---|
Espaços de até 50 metros quadrados ocupados por um número consistente de pessoas por mais de uma hora | Escritórios pequenos e salas de reunião | Pode ser usado. Use os resultados com cuidado |
Espaços de até 50 metros quadrados. O número de ocupantes varia frequentemente | Provadores e lojas pequenas | Improvável que a leitura seja confiável |
Espaços de 50 a 320 metros quadrados. | Escritórios grandes e salas de reuniões, salas de aula, restaurantes e bares e alguns espaços esportivos | Frequentemente adequado para monitoramento pois o alto número de ocupantes permite uma leitura mais confiável |
Espaços de 50. a320 metros quadrados. O número de ocupantes varia rapidamente. | Lojas | Pode ser usado. Use os resultados com cuidado |
Espaços com mais de 320 metros quadrados. Ocupado por um número consistente de pessoas durante um longo período. | Salas de concerto, igrejas e salas de embarque em aeroportos | Pode ser adequado para monitoramento, mas também é necessário o uso de vários sensores para se obter uma leitura adequada |
Espaços com mais de 320 metros. Ocupação varia num curto espaço de tempo | Áreas de embarque em rodoviárias e shoppings | Improvável que os resultados sejam confiáveis |