Um livro para quem quer conhecer Curitiba

O melhor jeito de saber se alguém vai ser bom cronista é ver se o sujeito é bom de papo. Por esse critério, era evidente que os textos de Cristiano Castilho, quando ele passou para a crônica, seriam ótimos de […]

O melhor jeito de saber se alguém vai ser bom cronista é ver se o sujeito é bom de papo. Por esse critério, era evidente que os textos de Cristiano Castilho, quando ele passou para a crônica, seriam ótimos de ler.

Convivi com Castilho numa redação por vários anos e sempre deu pra ver que ele tinha talento com pessoas: não era só a apuração e o texto. Como (quase) todo jornalista realmente bom, ele gosta de gente.

A Marleth, que foi editora de nós dois, percebeu o que tinha em mãos e deu um espacinho pro menino escrever o que quisesse. O resultado está agora em livro. Crônicas da Cidade Inventada e Outras Pequenas Histórias, que sai pela Arte & Letra, tem lançamento dia 28.

Por escrito, Cristiano e eu retomamos a conversa que sempre temos, mas dessa vez no papel de entrevistado e entrevistador.

Todo jornalista, ainda mais de cultura, parece ter uma história que começa na vontade de escrever literatura. Foi assim com você?
Foi a vontade de escrever, simplesmente. Por isso o jornalismo como profissão. Na minha cabeça de piá vestibulando, a ideia era “escrever uma história diferente todos os dias”. Foi mais ou menos assim por um tempo. Ainda é hoje, em partes. Creio que essa vontade se mistura à necessidade natural de expressão, que encontrou na escrita um lugar um pouco menos incômodo. A literatura, propriamente, surgiu com a publicação de alguns contos pela editora Tulipas Negras, e no Livro dos Novos. Não sabia exatamente o que estava fazendo à época, mas escrevia. E isso me fazia bem.

De onde surgiu a ideia de fazer crônicas?
A ideia foi da Marleth Silva, então editora-executiva da Gazeta do Povo. Em 2010, ela criou um espaço para “textos autorais” no extinto Caderno G. Minha periodicidade era mensal, depois passou a ser semanal. Foi ao escrever, e ter a obrigação de escrever, que encontrei a crônica como possibilidade, considerando o tamanho do texto, seu mote e o possível interesse do leitor. Como jornalista cultural e boêmio convicto, circulo muito pela cidade. Observo, converso, reflito, sinto, narro. Um possível fio condutor das crônicas e do livro foi o espaço e a voz dados a movimentos culturais espontâneos, a eventos que não estavam na pauta do jornal; foi oferecer um olhar não domesticado ao que já está estabelecido como “curitibano”, seja um lugar, um personagem, um artista, uma banda, uma longa noite de inverno. Descobri que a crônica tem esse pequeno poder, de, quase sem querer, retransformar a realidade noticiosa, ou esclarecê-la mais profundamente.

Quem são tuas inspirações como cronista?
Puxa, eu gosto muito do Humberto Werneck. Ele tem essa capacidade incrível de falar de si e fazer da sua história algo potencialmente universal e muito comunicativo. Gosto de ler João do Rio, e pensar sobre sua relação com o Rio de Janeiro. Curto muito o estilo erudito-pop das colunas do Cristóvão Tezza, e de suas cutucadas saborosas. Adoro ler o Tostão, talvez o único colunista – ou cronista – que trata do futebol com a profundidade que ele merece. Também sou fã do Pellanda, admiro sua quase obsessão pelas ruas e esquinas de Curitiba. Antonio Prata é um barato. E José Carlos Fernandes é meu ídolo.

Como isso mudou tua relação com a cidade? Aliás, qual é a tua relação com a cidade?
Talvez devido à necessidade da publicação semanal e do caminho textual que escolhi para as crônicas, me tornei ainda mais observador, atento e interessado ao que acontecia em Curitiba, ou em parte dela. Foi nessa época que descobri Jane Jacobs e sua empreitada para que as cidades existam para as pessoas, acima de tudo. Defendo isso ferrenhamente. Acho até que me engajei além da conta em alguns casos, mas não me arrependo. O retorno positivo de leitores me ajudou nisso.

Sobre a relação com a cidade… se for especificamente Curitiba, é de amor e ódio. O Humberto Werneck, aliás, escreveu que “em Minas não acontece nada e o pessoal se lembra de tudo.” Por aqui, por um tempo, pensei que era o contrário: “Em Curitiba acontece de tudo, mas o pessoal não se lembra de nada”. A produção cultural local nunca teve uma imprensa realmente à altura. A crítica e o jornalismo cultural interessado e preparado são os caminhos para fazer girar a roda da “cena”, como dizem. Por isso, por aqui, muita coisa é bela e efêmera ao mesmo tempo.

Outro ponto é que Curitiba é jovem, mas não aceita isso. Relativamente, temos pouco tempo de história – são 326 anos, somente, uma Dercy e uma Hebe juntas [risos]. E aí, como uma adolescente cheia de hormônios, tenta se “inventar” rapidamente, ignorando processos culturais e apelando para balelas marqueteiras como “cidade sorriso” e “capital ecológica”. Curitiba te esmaga e te deprime, mas ultimamente te surpreende muito se você estiver atento e aberto.

A gente tem um fetiche por livro, mesmo sendo provavelmente mais lido em jornal e internet. Qual é a importância de um livro pra você?
Cada um com seu fetiche, mas sou dos que cheiro livros quando os compro. Tenho uma relação especial mesmo porque por algum tempo eles foram minha única companhia, não por falta de opção, mas por encantamento, uma paixão duradoura e recíproca, das raras. Tenho uma pequena biblioteca e fico feliz ao entrar em casa e perceber tudo ali, me olhando. Sei que o mundo é maior, melhor e mais justo do que o que está lá fora quando pego um livro nas mãos.

Serviço
Crônicas da Cidade Inventada e Outras Pequenas Histórias

Lançamento e bate-papo com José Carlos Fernandes: 28 de março, às 19h.
Livraria Arte & Letra – Rua Dom Pedro II, 44, Batel.

Sobre o/a autor/a

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