Plano romântico de adolescentes vira um constrangimento bem adulto na série “Run”

Maior qualidade da produção da HBO, ao menos no começo, é como ela não explica o que se passa

Dois adultos, um homem e uma mulher de trinta e tantos anos, fizeram um acordo quando eram jovens e namorados: um dia, no futuro, quando não estivessem mais juntos, se um deles enviasse uma mensagem dizendo “RUN” (fuja) e o outro respondesse “RUN”, eles largariam tudo para se encontrar em um trem rumo a Chicago. E ficar juntos.

Esse é o ponto de partida da série “Run”, da HBO. Ela estreou no início deste mês e três episódios foram exibidos até aqui. O título de cada episódio é uma palavra: “Fuga”, “Beijo”, “Foda”, “Busca”, “Salto”, “Conversa” e “Engano”.

O problema de escrever sobre uma série que ainda não terminou é o risco de dizer que ela é incrível e os episódios restantes provarem o contrário. Mas vou me arriscar.

O primeiro episódio, “Fuga”, começa com Ruby (Merritt Wever) dentro do carro, no estacionamento de uma loja dessas de departamentos. Ela está ouvindo música, meio desligada, até ser interrompida por um telefonema. É um homem pedindo para que ela esteja em casa a fim de receber uma compra que ele fez, de alto-falantes. Coisa cotidiana. O homem dever o marido ou algo equivalente.

Ela responde que tinha um compromisso, que enfim começaria o curso de ioga, mas que vai fazer o possível para chegar a tempo de atender a entrega. Desliga o telefone.

Ruby continua no carro.

Segundos depois, chega uma mensagem e ela diz: “RUN”.

É como se essas três letras fossem explosivas, terminando de destruir o que já não parecia muito inteiro.

A maior qualidade desse primeiro episódio é como ele não explica o que se passa. É aquilo que deixa para você tentar entender – ao menos até que tudo seja explicado ao longo dos episódios seguintes. A julgar pelo que acontece no segundo e no terceiro episódios, é isso mesmo que vai acontecer: tudo deve ser explicado. Mas a maneira que as explicações são conduzidas é engenhosa. Elas ocorrem em doses pequenas, num esquema em que não há como não se identificar com os personagens. Os dois não se falavam há 15 anos e também não sabem muito um sobre o outro (a não ser o que descobriram pelo Google).

Ao longo desse período, Ruby chegou a enviar algumas mensagens, todas elas dizendo “RUN”, mas Billy (Domhnall Gleeson) nunca respondeu nenhuma delas. Dessa vez, quem mandou a mensagem foi ele.

Dentro do carro, no estacionamento da loja onde comprou seu tapete de ioga, Ruby fica transtornada e toma uma decisão. Responde “RUN”, larga tudo – inclusive o tapete de ioga – e compra uma passagem de avião para Nova York, onde pretende pegar um trem para Chicago.

O encontro no trem dá certo (eles haviam combinado até o horário), mas o estranhamento que sentem é quase um terceiro personagem na história. De repente, essa ideia ridiculamente romântica de dois adolescentes se revela um constrangimento bem adulto. Ao reencontrar alguém do passado, alguém bastante íntimo, cada um deles tem de lidar com a memória da pessoa que foi e não é mais. Com a ingenuidade do plano e o absurdo de estarem de fato ali.

Eles mal conseguem conversar.

Pelo desenrolar da história, sem spoilers, a atmosfera de thriller romântico é deixada de lado para sublinhar o lado cômico da história. Aí as situações vão se tornando cada vez mais absurdas, de um jeito às vezes engraçado, às vezes constrangedor.

Nada disso é ruim. Mas seria melhor se essa série, e as séries de modo geral, não procurassem explicar tudo sempre.

Serviço

“Run” tem sete episódios de 30 minutos cada um. É produzida pela HBO e exibida aos domingos pelo canal de TV paga. A série também está disponível no serviço de streaming da HBO Go. Até aqui, três episódios foram ao ar.

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