Jessica Holland (Tilda Swinton), protagonista do filme “Memória”, em cartaz na MUBI, é uma orquidófila escocesa que vive na Colômbia. Em uma manhã, ela acorda com um ruído inusitado, algo como o som da batida de uma bola de concreto no fundo de um poço submerso no oceano, como ela mesma descreve. Não há explicação para esse som perturbador.
O barulho surge novamente em diversas ocasiões e lugares: ele irrompe do âmago de Jessica – se é que se pode classificar tal fenômeno dessa forma.
A personagem busca desvendar e compreender a origem e o significado do ruído, em uma investigação íntima radical, que a direciona para o passado e para a memória, e que a levará a uma outra esfera da realidade – mais uma vez, se é que se pode classificar o acontecimento dessa forma.
Tilda Swinton interpreta Jessica com extrema competência, e isso não surpreende, pois é uma das melhores atrizes de cinema da atualidade. Mas existe uma qualidade em sua performance que é necessário destacar: a habilidade de exprimir profunda introspecção. Enxergamos em seu rosto uma angústia genuína e sabemos que sua mente jamais se livrará da intolerável constatação desse novo ambiente existencial.
Tempo para entender
O filme é dirigido pelo tailandês Apichatpong Weerasethakul, famoso por explorar em sua obra temas metafísicos. Um de seus filmes mais famosos é “Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas”, considerado estranhíssimo e quase inacessível para o grande público. “Memória” também é um longa que, para muitos, pode ser difícil. Lento, enigmático, contemplativo, o filme coloca o espectador diante de personagens que falam lentamente, e o intervalo entre as falas dos atores parece interminável. Isso não é uma crítica, uma vez que é necessária essa lentidão, porque o público precisa de tempo para entender, construir e digerir os significados do que é apresentado e discutido na tela.
Para escutar
A plateia também precisa desse tempo para escutar. O uso do som é, sem dúvida, especial, uma fonte de sensações. Os passos e as falas, o ruído dos carros, tudo parece novo, como se o diretor nos mostrasse uma nova forma de absorver os sons do mundo. Mas o destaque são os ruídos da natureza, no momento em que Jessica vai a um vilarejo encravado na floresta tropical.
Ainda em relação ao som, o diretor constrói uma longa cena que se passa no que parece ser um estúdio de gravação musical. Ela pede a ajuda de um especialista para tentar, em uma sofisticada mesa de som digital, construir o ruído que a persegue. Poucas vezes no cinema contemporâneo se viu algo tão íntimo e hipnótico.
Nas sequências finais, presenciamos algumas das cenas mais insólitas do cinema. O diretor vai muito mais longe do que esperamos nessa fascinante e desconcertante investigação do cosmos.
Onde assistir
“Memória”, de Apichatpong Weerasethakul, está em cartaz na MUBI.
Meu caro amigo.
Que bom encontrá-lo aqui, num lugar todo seu para respirar cinema.
Eu gostei do filme, eu gostei principalmente da parte da pedra que no filme é vista como testemunha silenciosa dos acontecimentos.
Também gostei do enigma do som que a atriz consegue passar bem a consternação por ouvir, criar, ou quem sabe relembrar um som que não se sabe da onde vem.
O fato de ser um filme lento é que me fez me perder um pouco. Talvez por sermos tão acostumados ao ritmo da pressa, da correria que não nos permitimos ouvir calmamente o som ao redor, ver calmamente os pequenos gestos e pequenos acontecimentos e esse filme nos permite isso.
Que bom podermos nos comunicar novamente e podermos falar sobre cinema.