Guarda faz papel de PM e prefeitura gasta milhões para proteger escolas

Em quatro anos, prefeitura pagou R$ 23 milhões para empresa de vigilância

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu recentemente que as Guardas Municipais não têm atribuição de fazer policiamento – ao contrário do que tem acontecido em praticamente todas as grandes cidades do país. Se a decisão da 6ª Câmara se mantiver, prefeituras de todo o Brasil serão obrigadas a devolver os agentes da Guarda Municipal à única função que a lei lhes atribui: cuidar do patrimônio público.

Nas últimas duas décadas, os prefeitos, interessados no discurso de que estão ajudando na função da segurança, foram cada vez mais distanciando a guarda de sua função original. Os guardas passaram a andar armados – com armamentos cada vez mais pesados – e a fazer as vezes de Polícia Militar auxiliar. Uma das consequências disso foi o aumento de gastos: com os guardas desviados para outra função, as prefeituras precisaram contratar gente para cuidar de escolas, postos de saúde e outros prédios públicos.

Em Curitiba, só nas escolas a prefeitura gasta por ano R$ 8,8 milhões com vigilância privada. Procurada pelo Plural, a Secretaria Municipal de Educação informou que tem contrato em andamento com o Grupo Cinco Sistema Integrado de Segurança Sociedade Ltda., que presta serviços de segurança com sistemas de alarme monitorado; com instalação, manutenção, monitoramento e reposição para atender tanto à Educação, como a Secretaria Municipal do Abastecimento.

O contrato foi iniciado em fevereiro de 2019. Naquele ano o valor pago para o período de 12 meses era de R$ 5.656.300,00, sendo R$ 5.306.071,38 para monitorar prédios sob a responsabilidade da Educação e R$ 350.228,62 do Abastecimento. Mas o valor do contrato, atualmente, está em R$ 8.880.420,34.

Desde 2019, a prefeitura já pagou R$ 23.580.263,06 à empresa para monitorar os prédios cobertos pelo contrato (dados atualizados até a última quarta-feira, 31 de agosto).

Gastos

Um dos pedidos enviados pela Câmara Municipal de Curitiba à prefeitura da capital, na semana passada, foi o requerimento em que os vereadores solicitam à Secretaria Municipal da Saúde (SMS) informações sobre a inexigibilidade de licitação no contrato emergencial com empresa privada de segurança, que prestará serviço de monitoramento, com instalação de alarmes, nas 139 unidades de saúde de Curitiba.

Questionada pelo Plural, a prefeitura de Curitiba afirmou que informaria apenas os gastos da Secretaria de Saúde, mas até o fechamento desta edição nem isso foi informado. As demais secretarias foram procuradas individualmente. Também não foram respondidos os pedidos feitos às Fundações de Ação Social (FAS) e Cultural de Curitiba (FCC); Secretaria Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional; e Secretaria Municipal do Esporte, Lazer e Juventude (SMELJ).

Mas, em consulta ao portal da transparência, foi possível verificar que a FAS, por exemplo, gasta, em contrato vigente até março de 2023, com a Intersept Vigilância e Segurança Ltda., R$ 451.191,12 por ano para monitoramento tático, incluso manutenção e reposição de bens, nas unidades oficiais da fundação.

Já a empresa Segville Vigilância Patrimonial e Eletrônica Ltda. recebe da SMELJ o valor de R$ 30.800,00 para realizar monitoramento eletrônico remoto de sistema de alarmes e de vistoria pronta resposta, de forma ininterrupta, com fornecimento de equipamentos, mediante a comodato, instalação e configuração de sistema de alarme.

Cada vez mais distante da função

O entendimento do STJ ocorreu no julgamento do recurso de um réu condenado a cinco anos por tráfico de drogas, em São Paulo. Ele teve a condenação anulada depois de as provas serem declaradas ilegais por terem sido colhidas por guardas municipais de São Paulo, durante busca pessoal feita em patrulhamento de rotina, em setembro de 2020. Na ocasião, o réu levava em suas roupas 51 porções de maconha e outras 29 de cocaína, segundo citado no processo. A abordagem ocorreu em Itaquaquecetuba, cidade da região metropolitana de São Paulo. Na justificativa, o STJ reforçou o estabelecido na Constituição de 1988, que afirma que as GCMs devem se limitar à proteção de bens, serviços e prédios públicos.

De acordo com o nota enviada ao Plural pelo Consórcio das Guardas Municipais da Região Metropolitana de Curitiba (COIN), que engloba as guardas de Curitiba, Campo Largo, São José dos Pinhais, Araucária, Pinhais, Mandirituba, Fazenda Rio Grande, Colombo, Quatro Barras e Campina Grande do Sul, a entidade “reafirma a competência das guardas municipais em matéria de segurança pública, no estrito cumprimento dos deveres previstos na Lei Federal n.º 13.022/14 (Estatuto Geral da Guarda), em prol da manutenção da ordem pública e na prevenção e enfrentamento à criminalidade, como órgãos previstos expressamente no Sistema Único de Segurança Pública, conforme artigo 9º, da Lei Federal n.º 13.675/18”, disse a nota.

Efeito Restrito

Ainda conforme o COIN, a decisão da 6ª Turma do STJ tem efeito restrito ao caso da operação realizada por guardas municipais de São Paulo e não é definitiva, já que o Ministério Público de São Paulo recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), “a quem compete dar a última palavra sobre a interpretação adequada do §8º do artigo 144, da CF, que trata das competências das Guardas Municipais. O STF já julgou vários Habeas Corpus, compreendendo que não há ilegalidade na prisão em flagrante efetuada pela Guarda Municipal em casos de tráfico de drogas, ainda que não esteja inserida expressamente no rol das suas atribuições constitucionais (§ 8º do art. 144 da CF), por se tratar de ato permitido a qualquer do povo, nos termos do art. 301 do Código de Processo Penal. Inclusive em casos envolvendo atuação de guardas municipais de São Paulo, o STF já afirmou a possibilidade de integrantes da Guarda realizarem prisão em flagrante delito por tráfico de drogas em razão do recebimento de denúncia anônima”, esclareceu o documento.

Passado “favorável”

A nota ressalta também que, em decisão anterior, o Ministro do STF, Alexandre de Moraes, ao votar no Recurso Extraordinário n.º 846.854-São Paulo, já firmou o entendimento de que “as Guardas Municipais são previstas constitucionalmente no artigo 144, do Capítulo III, Título V (Da segurança pública), portanto, cumprem papel nas atividades estatais de segurança pública, conforme expressa previsão constitucional e regulamentação legal, desempenhando função pública essencial à manutenção da ordem pública, da paz social e da incolumidade das pessoas e do patrimônio público, em especial de bens, serviços e instalações do Município”, finalizou o documento.

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1 comentário em “Guarda faz papel de PM e prefeitura gasta milhões para proteger escolas”

  1. O parágrafo 8o do art. 144 da CF prevê que os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, e a Lei Federal n.º 13.022/14 (Estatuto Geral da Guarda), a qual não pode extrapolar a Lei Maior, prevê que é competência geral das guardas municipais a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município. Logo, a Guarda Municipal não deveria estar exercendo a função que a CF atribui a PM. O desvio de finalidade é evidente. Caberia ao MP e ao TCE fiscalizar isso. Infelizmente, só vemos a PM nas ruas nos 6 meses que antecedem as eleições.

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