Enfrentar o tabu da menstruação valeu um Oscar

Plural entrevista menina de 19 anos que venceu o Oscar e ajudou mulheres a enfrentar um problema na Índia

Quando a turma do clube de cinema da Oakwood School, uma escola de ensino médio de Los Angeles, iniciou um projeto social há seis anos, nem eles e nem ninguém poderia imaginar que acabariam no palco do Oscar no último domingo (24), com direito a quebra de protocolo do mais importante prêmio da indústria cinematográfica. São eles os produtores do documentário Period. End of Sentence – no Brasil traduzido por Absorvendo o Tabu.

Era 2014 quando Avery Siegel, hoje com 19 anos, e seus amigos começaram um projeto para arrecadar dinheiro com o objetivo de comprar máquinas que fabricam absorventes, para mulheres na Índia. Eles souberam da importância da máquina por meio de uma delegação da ONU, que mostrou como o equipamento de baixo custo poderia melhorar a condição sanitária de mulheres em pequenas vilas rurais da Índia. A máquina foi produzida naquele país onde é fácil coletar o algodão para a fabricação do absorvente. Dessa forma, os alunos de 13 e 14 anos planejaram uma forma de ajudar essas mulheres e passaram a arrecadar dinheiro para a compra e entrega do equipamento.

Parece inacreditável, mas em pequenas regiões rurais da Índia, as mulheres não apenas não têm acesso a absorventes, mas não sabem como usá-los. Algumas nem ouviram falar desse produto de higiene. Como o documentário mostra, a consequência dessa falta de acesso é que elas param de ir para a escola, ou mesmo de trabalhar, pelo constrangimento de ficarem molhadas e “sujas” na escola, ou ainda no caso do trabalho rural não terem local para se trocar. “Period”, o nome original do documentário, significa menstruação em inglês, mas também sinaliza o fim de uma frase (ou sentença). A jogada do nome diz respeito ao fim de uma sentença que condenava essas mulheres a não ter um futuro.

Mulheres tiveram acesso a vida melhor e passaram a vender absorventes. Foto: Cortesia Netflix.

O documentário mostra como o equipamento mudou a vida das moças e adultas da vila de Harpur (a 60 quilômetros da capital Nova Delhi). Com o dinheiro arrecadado pelo projeto Pad (www.thepadproject.org), as mulheres receberam a máquina, aprenderam a fazer o produto e não somente tiveram acesso aos absorventes, como passaram a se sentir mais livres e a traçar objetivos, como se formar e ter uma profissão.

Isso já seria um ganho para a comunidade, mas o equipamento trouxe mais: elas começaram a produzir o absorvente para vender em outras vilas e deram ao produto o sugestivo nome de Fly (Voo). Com a nova fonte de renda, as mulheres contam que passaram a ser mais respeitadas na comunidade. Se empoderaram.

“A ideia inicial do documentário era mostrar o projeto para divulgá-lo. Mas quando comparamos o que tínhamos em mãos, vimos que a história dessas mulheres tinha muito mais impacto do que a história do projeto”, diz Avery. Em 2016, parte das estudantes, um cinegrafista recém-formado, a produtora Melissa Berton e a diretora Rayka Zehtabchi foram para Harpur, onde passaram quase três semanas filmando.

De lá para cá, o filme participou de vários festivais, o que o credenciou a entrar na lista de indicados para o Oscar. Antes do domingo, o trabalho já havia sido premiado como melhor documentário de curta duração no The Cleveland International Film Festival e no Traverse City Film Festival. Através desses festivais, o filme chamou a atenção da Netflix, que comprou o documentário e o exibe desde 12 de fevereiro.

Avery, 19 anos, fala sobre a experiência do Oscar a colegas de faculdade. Foto: Daniela Neves/Plural.

Avery, estudante de Comunicação da Universidade de Tulane, em New Orleans (EUA), assinou o documentário como produtora executiva e conversou com o Plural após exibir o documentário para seus colegas na faculdade. Contou a todos como ter recebido o Oscar era ainda inacreditável. “É uma experiência louca. Nunca chorei tanto na vida.” Avery e as colegas quebraram o protocolo e subiram ao palco do Teatro Dolby, no Oscar. “Eu estava sentada bem no fundo da plateia, mas quando ganhamos, fomos correndo para o palco. Foi incrível”, conta.

A fala da diretora foi um dos marcos da apresentação do prêmio: “Eu não estou chorando porque estou menstruada. Eu simplesmente não acredito que um filme sobre menstruação ganhou o Oscar”, disse a diretora Rayka Zehtabchi no palco do Teatro Dolby. A relevância do prêmio vai além das mulheres da Índia ou da questão do empoderamento. Trata-se de discutir o tabu que o assunto tem em todo o mundo.

No processo do Oscar, um dos jurados contou para um repórter do The Hollywood Reporter que não votaria em Period por considerar o tema “icky” (nojento) para homens, de acordo com a Revista Cosmopolitan. Tanto na Índia como nas mais desenvolvidas partes da Terra, menstruação ainda está associada a doenças, sujeira, ou a algo demonizado.

A visibilidade obtida com o Oscar e o Netflix já está dando resultados e não apenas para colocar o assunto na mesa. Desde a indicação, e agora após o prêmio, o número de doações pelo site para o projeto cresceu significativamente. Isso já levou o grupo a começar a planejar uma viagem para passar em escolas ao redor do mundo e discutir o tema com mulheres, difundindo o projeto.

Avery ainda não sabe se entrará em outro projeto de filme, ou como será seu futuro como cineasta. Ela ainda está chocada com o último fim de semana. Há um mundo inteiro para esta menina de 19 anos e suas amigas que, com uma ideia na cabeça e uma câmera na mão, transformaram a vida de outras mulheres. Assim como há uma vida inteira para essas mulheres na Índia.

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1 comentário em “Enfrentar o tabu da menstruação valeu um Oscar”

  1. Naiara S. de A. Alcantara

    Maravilhosa a história. Mas tão maravilhosa quanto a história é a maneira como a Daniela a retratou, de uma forma muito singela que realmente toca o coração do leitor.

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