Fotógrafa mira o mundo das artes cênicas no livro “Gesto contínuo”

Elenize Dezgeniski testemunhou mais de 800 espetáculos; agora, ela lança um livro que narra parte da história recente do teatro em Curitiba

Elenize Dezgeniski começou a fotografar em casa, com o pai, que era fotógrafo. Nesse cenário, apontar a câmera para objetos e pessoas era algo natural. “Orgânico”, como ela explica em entrevista ao Plural. Era como se a máquina fotográfica fosse parte da mobília.

Ela cresceu para também se tornar fotógrafa e virar uma referência nas artes cênicas. Agora, Dezgeniski publica o livro “Gesto contínuo”, com 180 fotografias do mundo teatral escolhidas a partir de um arquivo com mais de 700 mil imagens de 800 espetáculos fotografados ao longo dos últimos 15 anos.

Se você se interessa por teatro, é muito provável que tenha visto imagens feitas por Dezgeniski. E essa relação – da fotografia com o teatro – também parece ter acontecido de modo natural.

Depois de frequentar o Núcleo de Estudos da Fotografia, com a artista Milla Jung (“Fundamental no meu entendimento da fotografia no campo da arte”), ela se formou como atriz na Faculdade de Artes do Paraná.

Por ter experiência com fotografia, na graduação, era lembrada para fotografar espetáculos dos grupos da cidade. Isso foi em 2004 e, só nesse primeiro ano, ela registrou mais de 80 peças.

A relação da fotografia com as artes cênicas se tornou mais forte quando trabalhou como atriz, fotógrafa e assistente de direção no Grupo Obragem de Teatro, em 2008. “Lá pensávamos profundamente na relação das imagens com a cena e começamos a experimentar muito, tentávamos construir uma dramaturgia da imagem a partir dos espetáculos e vice-versa, uma dramaturgia dos espetáculos a partir de imagens”, diz. “Essas experimentações foram essenciais para mim.”

O livro “Gesto contínuo” tem uma versão impressa, a ser vendida em livrarias selecionadas e uma versão digital e gratuita, disponível na página da fotógrafa. Na primeira semana de setembro, Dezgeniski realiza uma oficina gratuita com vagas limitadas abordando, justamente, a fotografia para teatro (detalhes sobre o livro e sobre a oficina, no rodapé deste texto).

Na conversa a seguir, feita por e-mail, a atriz, fotógrafa e artista visual fala sobre sua carreira, o processo de seleção de imagens para o livro e o que procura mostrar quando mira a câmera para o palco.

Você poderia falar um pouco sobre o processo de seleção das imagens do livro?

O livro traz 180 fotografias, selecionadas de um arquivo com mais de 700 mil imagens. O primeiro procedimento foi uma imersão no acervo e organização de todas as imagens produzidas ao longo de 15 anos de trabalho, então, dá para dizer que olhamos para tudo. A artista Lidia Ueta, que trabalhou na assistência de edição, me ajudou em todo esse processo.

Começamos separando as imagens que considerávamos interessantes como fotografia e também como memória. Eram muitos os livros possíveis. Aos poucos começamos a experimentar como elas funcionavam em grupo, e depois em duplas.

Pensei em dípticos, imaginando duas imagens lado a lado, o que é da natureza de um livro, onde você sempre tem uma página ao lado da outra, e também numa narrativa mais longa, incluindo o encadeamento das imagens na edição toda. Às vezes como uma pulsação, às vezes como uma dança. É quase sempre um gesto, um estado do ator, junto com a composição formal que vai levando o ritmo.

O próprio procedimento foi apontando as possibilidades. Como uma imagem poderia iluminar a outra? Como poderíamos contar um pouco sobre como foi essa experiência de fotografar os espetáculos, de modo que o espectador pudesse se interessar a continuar a folhear o livro, a acompanhar a narrativa.

Posteriormente a cineasta Débora Zanatta chegou como assistente de edição. Milla Jung, Luana Navarro e Fernando de Proença também foram colaboradores muito importantes na construção da narrativa. Os outros colaboradores, que estiveram presentes em todo o processo, também contribuíram com as suas sensações sobre a edição. Quando me dei conta, estávamos há mais de um ano e meio trabalhando nessa montagem. Como toda edição, trata-se de um recorte. O livro contempla um período do meu trabalho como fotógrafa de cena, uma sensação, uma maneira de operar no processo e por consequência traz a memória de um tempo histórico, de uma parte do teatro produzido em Curitiba de 2004 a 2019.

Como o fato de você ser também atriz e artista visual influencia seu trabalho como fotógrafa?

Acredito que minha formação de atriz me ajuda a entender a dramaturgia dos espetáculos, a forma como são construídos e muitas vezes pode me ajudar a antever a movimentação dos atores no palco, a respeitar os silêncios, os tempos e a encontrar as imagens significativas dentro da encenação. Fotografar um espetáculo é uma busca e uma espécie de transcriação também.

Sempre me interessei pelo encontro da esvanescência do acontecimento teatral diante da ilusão de permanência que a fotografia provoca.

As artes visuais me abrem um leque de possibilidades de referências estéticas e processuais que alimentam a minha prática, me ajuda a lidar com a fotografia como ferramenta, na composição imagética, no exercício da edição e a criar as imagens da Cena Expandida, por exemplo, que são ensaios para divulgação que acontecem antes da estreia de um trabalho, onde muitas vezes os elementos visuais da cena ainda não estão organizados. São uma espécie de extracampo formado por imagens que se relacionam intimamente com o universo do espetáculo. Acredito que um campo ilumina o outro, sempre gostei de poder transitar entre as linguagens.

O que é mais importante ao fotografar uma peça de teatro?

Eu procuro ir para o trabalho como uma tela em branco. Aberta para as experiências desses encontros. Tento perceber a peça, o que está sendo dito e construído como imagem, nem tudo que é experiência teatral pode ser captado pela câmera, mas espero que o registro seja coerente com a montagem e também seja capaz, além de cumprir sua função de memória do acontecimento teatral, de provocar afetos.

E também explorar aquilo que só a fotografia pode mostrar, como o close no rosto de uma atriz ou de um ator, por exemplo. Enfim, tento ficar próxima do trabalho, senti-lo mesmo, para não produzir imagens que não se relacionem com a montagem, este é um cuidado que eu considero importante ao fotografar uma peça de teatro.

O livro

“Gesto contínuo”, da fotógrafa Elenize Dezgeniski. Com textos de Valmir Santos, Olga Nenevê, Márcio Mattana, Sueli Araujo, Luana Navarro, Milla Jung e Fernando de Proença. Edição da autora, 256 páginas, R$ 70.

A versão impressa está disponível nas livrarias Arte e Letra, Chain, Itiban, Joaquim e Vertov, e no espaço cultural Casa Quatro Ventos.

A versão digital é gratuita, disponível na página da autora.

Confira o vídeo de apresentação do livro e a conversa entre a fotógrafa e os profissionais que escreveram textos para a obra.

A oficina

“Fotografia e Cena”, oficina gratuita com Elenize Dezgeniski. Dias 5 e 6 de setembro, via plataforma Zoom. Carga horária de 4 horas e 25 vagas disponíveis. Inscrições abertas.

A oficina aborda questões práticas e teóricas sobre a fotografia no campo das artes cênicas. Voltada para fotógrafos e para o público em geral.

(Foto de Elenize Dezgeniski que abre esta página: Lidia Ueta/Divulgação)

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