Covid-19 supera infartos e se torna a maior causa de morte em Curitiba

Análise da média de mortes por dia mostra que óbitos por coronavírus assumiram o topo da lista no Paraná ainda em junho

Em julho, a Covid-19 foi a principal causa de morte em Curitiba e em todo o Paraná. Óbitos pela infecção superaram os causados por infarto agudo do miocárdio, emergência com maior incidência, tanto na Capital quanto no Estado. No caso do Paraná – onde, apesar de alerta de especialistas, as medidas de isolamento foram afrouxadas pelo governo em meados do mês mais fatal até agora –, os registros mostram que as mortes por coronavírus chegaram a extrapolar em quase três vezes as confirmações de óbitos por infarto.

O levantamento feito pela reportagem do Plural se baseou nos índices gerais de mortalidade do banco de dados do Sistema Único de Saúde (DATASUS) divulgados entre 2014 e 2018 – os mais recentes da plataforma. As médias do intervalo foram cruzadas com os registros de morte por data divulgados pelas secretarias Municipal de Saúde de Curitiba (SMS) e de Estado da Saúde (Sesa) no dia 18 de agosto.

Levando-se em consideração a média de mortes por dia, óbitos por coronavírus assumiram o topo da lista no Paraná ainda em junho. Naquele mês, enquanto a média dos últimos cinco anos analisados para o mesmo período aponta 15,6 mortes por dia por infarto agudo do miocárdio, o vírus Sars-CoV-2 matou 555 paranaenses – cerca de 18,05 óbitos diariamente.

No mesmo período, Curitiba totalizou 116 mortes por coronavírus, com média de 0,73 por dia. O índice ainda ficou abaixo das cinco causas mais comuns de mortes para o mês (infarto; outras doenças pulmonares obstrutivas crônicas; diabetes; pneumonia por microorganismos e Alzheimer). O número saltou em julho, quando a Covid-19 provocou 423 mortes na cidade. O acumulado superou a média mensal de 343 mortes por infarto e atingiu quase o dobro de outras doenças pulmonares obstrutivas crônicas, a segunda causa mais fatal para o período, com média de 267 óbitos para um mês de maio.

A letalidade da Covid-19 em julho foi ainda mais expressiva nos números do Paraná, matando quase três vezes mais por dia do que os infartos. Pela média dos dados da Sesa, o coronavírus foi a causa de aproximadamente 41,64 óbitos diários no período (total de 1.291 por mês), enquanto, no topo da lista do SUS nos meses de julho entre 2014 e 2019, a média de infartos chegou a 15,36 mortes diárias.

Sem restrições, números crescem

Com a chegada do frio, uma curva crescente de contaminações em diversos estados e diante da falta de políticas de restrição mais severas e efetivas, especialistas dizem que ascensão dos óbitos no primeiro mês cheio do inverno era dada como certa em todo o país. Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil começou o mês de julho com 60.632 óbitos confirmados; no dia 1º de agosto, o número já chegava a 93.563.

A virologista Claudia Duarte dos Santos, do Instinto Carlos Chagas/ Fiocruz Paraná, relembra que, historicamente, o início do inverno já é favorável à disseminação de casos de infecção por vírus respiratórios e, com a Covid-19, não seria diferente. Ambientes fechados e a combinação entre temperaturas mais baixas e o ar mais seco não só garantem maior estabilidade ao vírus como tendem a ressecar as mucosas, que atuam como uma espécie de primeira linha de defesa do corpo humano.

Mas para chegar ao pico de casos e mortes, a força da natureza recebeu um empurrão de fôlego. O derretimento de medidas mais rígidas de isolamento – consideradas essenciais para evitar a disseminação da doença – ajudou a acelerar a curva em todo o Estado. No dia 14 de julho, o Governo do Paraná suspendeu restrições que haviam sido estabelecidas por decreto duas semanas antes e, um dia depois, Curitiba adotou o protocolo moderado de ações, a bandeira laranja, que permitiu a reabertura controlada de serviços como comércio de rua e shoppings.

No início da semana, sob alegação de melhoras nos índices, a gestão curitibana deu novo passo atrás e instituiu o alerta mais brando do protocolo, a bandeira amarela, com a retomada de atividades em parques, praças e bares da Capital. A decisão foi considerada “inadequada tecnicamente” pelo Ministério Público do Paraná e está sendo questionada judicialmente por meio de uma ação civil pública.

“[As flexibilizações] foram prematuras. Não podemos dizer que a epidemia está num ponto estável porque temos uma subnotificação muito grande de casos”, observa a médica infectologista Viviane de Macedo, doutora em Ciências e professora do curso de Medicina da Universidade Positivo (UP). “Infelizmente eu sei que são medidas drásticas em termos econômicos e para a saúde emocional de muita gente, mas não tem como. Enquanto a gente não tiver outra forma de prevenção, é o isolamento que nos resta”.

Para a virologista do Instituto Carlos Chagas/ Fiocruz Paraná, o isolamento social também continua sendo a ordem do dia, mesmo com o otimismo em relação à pandemia crescendo. Pesquisa recente do Datafolha revelou que, pela primeira vez, mais brasileiros dizem achar que a crise está melhorando no país.

“Acho que a mídia tem feito um ótimo trabalho ao enfatizar a necessidade de afastamento. Por outro lado, tem criado expectativa em relação a vacinas que ainda nem existem. Eu acredito que vai, sim, haver vacinas, tratamentos, imunoterapias e estou ansiosa para isso. Mas temos que ter uma visão pragmática para saber que não vai acontecer de forma imediata, a curto prazo, e tomar mais cuidado”, alerta Santos.

De acordo com a virologista, num momento em que a medicina corre para avançar na mesma velocidade que a dispersão do Sars-CoV-2, políticas públicas competentes e coordenadas ainda são a melhor alternativa para frear o avanço da pandemia.

“Não adianta descolar a pandemia da política porque são coisas associadas. Se não tiver políticas públicas substanciadas em dados científicos, a nossa mortalidade vai continuar crescente”, ressalta a especialista.

De acordo com a infectologista Viviane de Macedo, o mês não deve ter grandes mudanças, mesmo com gestores insistindo no discurso da estabilidade. “Curitiba, nas últimas duas semanas, ficou na casa de 400 casos por dia, mas o número de mortos continua variando entre 15 e 19. Preocupa porque não é um número baixo, e a reabertura veio com um platô ainda alto. Vamos esperar para ver como será daqui a 14 dias, mas nos traz um sinal de luz amarela de que isso pode voltar a piorar”, finaliza.

Outro lado

Em nota, a Prefeitura de Curitiba disse que define as medidas do funcionamento dos serviços na Capital de acordo com o monitoramento diário dos casos de coronavírus. “Logo no início foram definidos os serviços e atividades essenciais. Também foi suspenso o funcionamento de alguns estabelecimentos. E outros têm funcionado seguindo regras específicas quanto a horários e condições para abertura”, respondeu.

Conforme a SMS, para a composição do sistema de monitoramento por bandeiras são avaliados nove indicadores, divididos entre os grupos de nível de propagação da doença e de capacidade de atendimento da rede, e que são esses indicadores que definem o grau de flexibilidade. “A cor amarela, em que Curitiba se encontra agora significa situação de alerta, cujas notas variam de 0,01 a 1,99”, justificou a pasta sobre o afrouxamento das medidas restritivas.

A Sesa afirmou que “o cenário mostra uma estabilidade no número de casos e óbitos nas últimas semanas, portanto de forma relativamente equilibrado”, mas que ainda “é preciso manter ainda os cuidados, como o distanciamento social, isolamento domiciliar e o uso de máscara e álcool gel”. A pasta acrescentou também que o Paraná já realizou mais de 420 mil testes de RT-PCR, além de cerca de 400 mil testes rápidos foram enviados aos municípios.

Em números

Principais causas de morte no PR em junho/ média por dia
Fonte: DataSus e Sesa PR

Infarto agudo do miocárdio – 15,6
Pneumonia por microorganismos – 12,19
Outras doenças pulmonares obstrutivas crônicas – 11,74
Diabetes mellitus – 8,66
Acidente vascular cerebral não especificado como hemorrágico ou isquêmico – 7,73

Covid-19: 18,05

Principais causas de morte no PR em julho/ média por dia
Fonte: DataSus e Sesa PR

Infarto agudo do miocárdio – 15,36
Outras doenças pulmonares obstrutivas crônicas – 12,61
Pneumonia por microorganismos – 12,13
Diabetes mellitus – 8,52
Acidente vascular cerebral não especificado como hemorrágico ou isquêmico – 8,05

Covid-19: 25,36

Principais causas de morte em Curitiba em junho/ média por dia
Fonte: Datasus e Prefeitura de Curitiba

Infarto agudo do miocárdio – 2,16
Outras doenças pulmonares obstrutivas crônicas – 1,82
Diabetes mellitus – 1,4
Pneumonia por microorganismos – 1,23
Doença isquêmica crônica do coração – 1,08

Covid-19: 0,73

Principais causas de morte em Curitiba em julho/ média por dia
Fonte: Datasus e Prefeitura de Curitiba

Infarto agudo do miocárdio – 2,21
Outras doenças pulmonares obstrutivas crônicas – 1,72
Diabetes mellitus – 1,49
Pneumonia por microorganismos – 1,2
Agressão por meio de disparo outra arma de fogo ou arma não identificada – 1,09

Covid-19: 2,72

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