“E.T.”, filme de Spielberg sobre amizade interplanetária, faz 40 anos

Quando lançou “E.T., o Extraterrestre” em 1982, Spielberg teve o nome indicado para receber o Prêmio Nobel da Paz

Tem gente que não sabe ou nem se lembra disso, mas em 1982 um prestigiado diretor francês, Claude Lelouch – que venceu a Palma de Ouro por “Um Homem, Uma Mulher”, em 1966 –, lançou a candidatura de Steven Spielberg para o Prêmio Nobel da Paz, que ele mereceria receber por seu filme “E.T., o Extraterrestre”. A Academia Sueca não levou o pedido em consideração, mas vale a pena recapitular. Há 40 anos, Spielberg usou a vitrine do Festival de Cannes para lançar “E.T.”, em alto estilo, no dia 26 de maio de 1982. Em 11 de junho, o filme estreou nos cinemas dos EUA – no Brasil, chegaria só em 25 de dezembro daquele ano. Em 27 de junho, Spielberg foi convidado a apresentar “E.T.” na Casa Branca.

Existem relatos de que a então primeira-dama Nancy Reagan chorava copiosamente ao fim da sessão e o presidente Ronald Reagan, perdendo o decoro do cargo, reagiu como um garoto, igual ao próprio personagem Elliot (Henry Thomas) quando descobre que o alienígena, dado como morto, está vivo.

“E.T., o Extraterrestre”

Em 17 de setembro, recebido pelo então secretário-geral Javier Pérez de Cuellar, Spielberg mostrou “E.T.” na ONU e ganhou, não o Nobel da Paz, mas a UN Peace Medal. Faltava só exibir “E.T.” para a Rainha da Inglaterra, o que Spielberg fez em 9 de dezembro de 1982. Sua Majestade Elizabeth II permitiu-se um momento de plebeia e reagiu efusivamente, quebrando o protocolo.

“E.T.” virou um daqueles filmes cultuados. Foi indicado para o Oscar e perdeu – a Academia de Hollywood preferiu premiar o que não deixava de ser outro “E.T.”, o “Gandhi”, de Richard Attenborough. O sucesso de Spielberg foi planetário, e hoje talvez pareça piada lembrar que a Columbia, primeiro estúdio à qual o cineasta levou o projeto, declinou da oferta, não acreditando no potencial comercial da história.

O diretor foi bater na porta da Universal, que prontamente aceitou, mas fixou um teto de custo que hoje talvez pareça incipiente – US$ 10 milhões. Com todos aqueles efeitos? Spielberg conseguiu, mas em 2002, usando sua fortuna pessoal, refez os efeitos e lançou a versão especial digitalizada.

Exposição

Vale lembrar tudo isso, e não apenas porque o alienígena bonzinho de Steven Spielberg é um dos personagens mais amados do cinema e agora completa 40 anos. Há um outro motivo. O Pátio Higienópolis, em parceria com a Universal, exibe em São Paulo uma megaexposição que ocupa os 250 metros quadrados do Vão Central do shopping. Por meio de cenários, cores, sons, fotos e outros recursos visuais, “E.T. 40 Anos” leva as crianças, e as crianças de 1982 (agora adultas) a uma grande viagem de imaginação.

A última etapa da experiência é o icônico passeio de bicicleta, quando Elliot, seus irmãos e os amigos fogem com o alienígena, rumo à floresta, onde ele encontrará a nave que o levará para casa.

A imagem – a silhueta da bicicleta cruzando a lua – virou a marca registrada da Amblin Entertainment, a empresa criada por Spielberg para produzir seus filmes. Ao final do circuito, será possível tirar fotos em cenários exclusivos e comprar itens comemorativos da data e do personagem. Para chegar à gênese de “E.T.”, é preciso recapitular.

François Truffaut

Em 1980-81, Spielberg, convencido pelo amigo George Lucas, estava realizando uma superaventura que viraria uma cinessérie com o personagem Indiana Jones, “Os Caçadores da Arca Perdida”. Mas Spielberg não estava feliz. Intimamente, confessou a seu biógrafo, Joseph McBride, que sempre quis ser diretor para contar histórias sinceras de gente.

François Truffaut, o renomado crítico e autor francês, que foi ator em “Contatos Imediatos de Terceiro Grau”, exortou-o a contar histórias de crianças. Spielberg voltou-se para uma fantasia do próprio passado. Garoto, tinha um amigo imaginário, um alienígena. Contou a história a Melissa Mathison, que na época namorava Harrison Ford e o acompanhava no set de “Caçadores da Arca Perdida”.

Melissa começou a escrever o roteiro que viraria “E.T.”, mas algo ocorreu. John Sayles, que viraria um importante diretor independente, encaminhou um roteiro à produtora de Spielberg. “Night Skies” era sobre um bando de alienígenas que aterroriza uma família de fazendeiros. O grupo é liderado por um E.T. maligno chamado Scar – como o chefe pele-vermelha que sequestra Natalie Wood e é perseguido por John Wayne no clássico “Rastros de Ódio” (1956), de John Ford.

Bastidores

Alienígenas perversos sempre foram o modelo para Hollywood. A totalidade das ficções científicas apostava nesse tipo de personagem para explorar a paranoia do povo norte-americano. A novidade do roteiro de Sayles é que, a despeito da crueldade de Scar, havia no seu grupo um E.T. do bem, que tentava ajudar a família por meio do filho menor, o júnior.

Spielberg chegou a pensar em produzir o roteiro de Sayles para que ele próprio dirigisse, mas o roteirista já estava em outra, virando diretor com um filme autoral – “Return of the Secaucus Seven”. Melissa Mathison incorporou elementos de “Night Skies”, mas seu roteiro baseava-se na narrativa inicial do diretor.

Como o próprio Spielberg, Elliot é filho de um lar destroçado, de pais separados. Supre sua carência afetiva com o E.T. No roteiro de Sayles, o E.T. bonzinho é abandonado na Terra por Scar e seu grupo – é o começo do filme de Spielberg. E.T. vai apontar o dedo para o céu e dizer: “home” (lar). Elliot vai ajudá-lo a voltar para casa. Não é por caso que o garoto da história se chama Elliot e que seu nome começa e termina englobando as iniciais do extraterrestre. Num determinado momento da rodagem, Spielberg deu-se conta do que é bastante óbvio. O E.T. ressuscita. Spielberg chegou a comentar com Melissa: “Público, críticos, todos vão comparar com a ressurreição de Cristo. Minha mãe não vai gostar”.

Um bom judeu

Criado pela mãe judia, Spielberg sempre se considerou um bom judeu. O Talmude inspira seus dois filmes vencedores do Oscar, “A Lista de Schindler”, de 1994, e “O Resgate do Soldado Ryan”, de 1999. A vida de um homem vale a de todos os homens.

Ao que consta, o roteiro de Melissa Mathison já incluía uma descrição física do E.T. Carlo Rambaldi criou o alienígena a partir da descrição dela. Quando o filme estourou e uma infinidade de bonecos e objetos chegou ao mercado, Melissa processou a Universal e ganhou uma fortuna. Virou jurisprudência, a roteirista contra o estúdio. E.T. pega carona em John Ford, mas as imagens que aparecem no filme não são de “Rastros de Ódio” e sim de “Depois do Vendaval”, de 1952: o beijo de John Wayne e Maureen O’Hara.

Conceitualmente, o desfecho – o E.T. parte na nave, Elliot sente a dor da perda – remete a outro clássico, Joe (Brandon de Wilde) despedindo-se de Shane (Alan Ladd) no faroeste de George Stevens, “Os Brutos Também Amam”, de 1953.

É tempo de reverenciar “E.T.”, um grande filme popular. Infantil, mas não apenas para crianças.

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