François Truffaut, o aficionado por filmes que mudou para sempre o cinema francês

Cineasta que amava as mulheres e era amado por elas faria 90 anos em 2022 e é um dos grandes nomes da nouvelle vague

Quando ia ao cinema, François Truffaut escolhia um lugar nas primeiras fileiras para ficar mais perto da tela. Assim ele aumentava as chances de mergulhar nas histórias contadas por cineastas como Alfred Hitchcock e Howard Hawks.

Truffaut era um jovem fanático por filmes que escrevia para uma revista importante e, nos seus textos, era crítico do cinema francês que se praticava na época. Pois os diretores preferiam trabalhar em estúdios que permitiam um controle muito maior de tudo: som, luz, movimentos de câmera… Para Truffaut e outros jovens críticos como ele, esse método resultava em filmes artificiais, insossos e simplesmente ruins.

Quando essa turma apadrinhada por André Bazin, o editor da revista “Cahiers du Cinéma”, resolveu largar as máquinas de escrever para carregar câmeras filmadoras – às vezes, literalmente –, o mundo viu surgir uma série de filmes e um bando de cineastas que ficariam conhecidos como a nouvelle vague.

Tecnicamente ousada, os cineastas da nova onda filmavam nas ruas, muitas vezes com som direto (e não com o elenco dublando a si mesmo em estúdio na pós-produção, como acontecia nos filmes de Federico Fellini, por exemplo). Eles eram também corajosos nos temas que abordavam e estavam dispostos a falar de amor e sexo, de política e morte. Os únicos limites que aceitavam eram os de uma boa história.

François Truffaut

Na nouvelle vague, duas figuras se destacaram: François Truffaut e Jean-Luc Godard. Amigos a princípio, eles acabaram se desentendendo quando Truffaut se rendeu ao cinema americano (ele venceu o Oscar de filme estrangeiro e chegou a atuar em “Contatos Imediatos do Terceiro Grau”, de Steven Spielberg) e Godard foi se tornando mais e mais político (até criar o grupo Dziga Vertov e praticamente abandonar o cinema “convencional”).

Truffaut morreu em 1984 de um câncer no cérebro. Ele tinha 52 anos. Já Godard está com 91 anos e há sinais de que continua acendendo um charuto no outro.

Entre curtas e longas-metragens, Truffaut realizou 25 filmes: de “Uma visita” (1955) a “De repente, num domingo!” (1983). Pelo que se vê na biografia escrita por Antoine de Baecque e Serge Toubiana, publicada no Brasil pela editora Record, ele tinha um coração enorme.

Truffaut amou várias de suas atrizes e elas retribuíram esse amor. Além disso, ele era extraordinário ao dirigir crianças – elas aparecem na maioria de seus filmes – e uma de suas maiores descobertas foi o jovem ator Jean-Pierre Léaud, que encarnou no cinema o alter ego de Truffaut: o personagem Antoine Doinel.

“Os incompreendidos”

Doinel surgiu em “Os incompreendidos”, de 1959, um filme sobre o adolescente que vive mal com a mãe e o padrasto, detesta a escola e amadurece na marra. Léaud era uma força da natureza. Os franceses nunca tinham visto uma criança atuar tão bem na tela grande. O filme causou sensação no Festival de Cannes e levou o prêmio de diretor estreante, o Caméra d’Or.

Léaud não só tomou conta desse filme, como voltou a interpretar Doinel mais quatro vezes para Truffaut: em “Antoine e Colette” (parte de “O amor aos 20 anos”, de 1962); “Beijos proibidos” (1968); “Domicílio conjugal” (1970); e “Amor em fuga” (1979). Com essa série, Truffaut fez algo raro no cinema, para não dizer inédito: falou sobre amor e relacionamento com afeto e leveza, mesmo quando o tema não era leve nem afetuoso.

Truffaut, diante de um cinema holandês, durante uma mostra dedicada à nouvelle vague. (Foto: Jack de Njis (Naational Archief)/Creative Commons)

“A noite americana”

Truffaut venceu o Oscar de melhor filme estrangeiro com “A noite americana”, de 1973. Neste, ele também fala de amor, mas do amor pelo cinema. Tanto que resolveu interpretar o papel principal ele mesmo. No papel do diretor Ferrand, Truffaut levou para a ficção um tanto da sua experiência pessoal no cinema. Ele fala sobre as dificuldades de terminar um filme e de fazer isso tendo de lidar com relacionamentos pessoais e profissionais difíceis.

Para começar a experiência de ver ou rever Truffaut, “Os incompreendidos” é perfeito. Ele sintetiza os temas que inspirariam boa parte da filmografia do diretor. E também por ser um filme bonito, que dá prazer de ver.

Preste atenção na trilha sonora de Jean Constantin (durante os créditos iniciais, a câmera passeia pelas ruas de Paris, como se estivesse procurando a torre Eiffel, ao som de uma música ao mesmo tempo alegre e melancólica, e lindíssima); na atuação espetacular de Jean-Pierre Léaud (que não tinha 15 anos na época); e na qualidade da cópia restaurada pela produtora MK2 (disponível na Globoplay).

Onde assistir

Vários filmes de François Truffaut fazem parte do acervo da Globoplay (“Os incompreendidos” entre eles) e da MUBI. “Contatos imediatos do terceiro grau”, o filme de Spielberg em que Truffaut aparece com ator, está em cartaz na HBO Max.

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