Dimis, diretor da Bife Seco, não acredita em teatro que “prega apenas para convertidos”

Em entrevista, o dramaturgo que também assina a direção de "Humanismo Selvagem", fala sobre o espetáculo em cartaz na Caixa Cultural

Até 8 de outubro, no teatro da Caixa Cultural de Curitiba, está em cartaz “Humanismo Selvagem”, espetáculo que conta a história de uma família sulista de classe alta a partir de uma festa em celebração dos 100 anos de seu patriarca, quando vem à tona o passado criminoso do aniversariante. A montagem é a mais nova da companhia encabeçada por Dimis – a Bife Seco – e não é um musical, gênero que consagrou a maioria das produções anteriores do grupo como grandes sucessos. Entre os temas principais da tragicomédia, está o racismo estrutural da sociedade brasileira. 

Dimis assina a direção da peça e também o texto, ganhador do Prêmio Outras Palavras de 2020 na categoria dramaturgia. Contudo, a ideia nasceu muito antes disso, é de 2013 a primeira versão da obra, que continuou em trabalho e retrabalho até chegar ao palco agora. Apesar de não se tratar de um musical, mas de um espetáculo provocador, a promessa é de que a plateia possa reconhecer facilmente o DNA da Bife: teatro pop com influência do cinema, embalado em trilha sonora, figurinos e cenários impecáveis, com atores de talento genuíno em cena. Desta vez, por exemplo, o elenco apresenta Giovana Soar, Ranieri Gonzalez, Flávia Imirene, Sávio Malheiros, Jeff Bastos, Eliane Campelli, Amanda Leal e Val Salles.

O Plural conversou com Dimis sobre os bastidores de “Humanismo Selvagem”, para saber por que o público deve encarar “uma montanha russa de emoções” ao assistir à peça. No papo, ele também explicou como o cinema e o teatro andam juntos nas criações de alguém que não acredita na dramaturgia “que prega apenas para convertidos”. Leia a entrevista a seguir.

A Bife Seco ganhou destaque na cena artística curitibana com musicais. Por que apostar em outro gênero agora?

A Bife vai comemorar 13 anos e foram inúmeras produções em diferentes estilos e plataformas nesse tempo, tem livro, podcast, musical, infantil, curta-metragem e planos para os próximos passos no audiovisual. Cada projeto é uma aventura nova e traz necessidades únicas. 

Por exemplo, a primeira versão do texto de “Humanismo Selvagem” foi escrita em 2013, antes do primeiro musical da companhia estrear, em 2014. E um espetáculo só será um musical se a história mostrar a necessidade de ser contada pela música, e não porque isso traz mais público. O que nós queremos é contar histórias relevantes em projetos ousados e inovadores. É isso que move a produtora. Então, no futuro, terão novos musicais e também vários outros projetos diferentes da Bife para surpreender o público.

A atriz Giovana Soar e o ator Ranieri Gonzalez estão na peça. O que motivou o convite para os dois participarem da montagem?

Todo o elenco foi especialmente convidado e cada personagem foi transformado por cada atriz e ator, mas, com certeza, o convite para Giovana Soar e para o Ranieri Gonzalez foi especial. Além de serem artistas incríveis e com um poder enorme de cativar o público, eu decidi escrever “Humanismo Selvagem” logo após assistir ao espetáculo “Suíte 1”, da Companhia Brasileira, no qual os dois estavam maravilhosos. 

Eu também tenho a sorte de contar com uma equipe incrível, em todos os setores de criação, contudo, o Ranieri me impressiona a cada ensaio. Não existe nada mais ou menos com ele. Nunca houve um ensaio onde ele não se entregasse como se as poltronas da sala de ensaio não estivessem lotadas, esse nível de dedicação é impressionante. Então, eu vou continuar escrevendo papéis especialmente para ele, até quando ele quiser trabalhar com a Bife.

O texto foi trabalhado e retrabalhado por uma década até chegar ao palco. O que mudou até a peça ser produzida? 

O melhor jeito de abordar temas ‘macro’ é explorá-los em microuniversos, isso potencializa as discussões e nos impacta mais fortemente, porque a identificação é imediata. Além disso, o texto precisa estar vivo, em um constante estado de observação do real, para se transformar no palco. 

Então, um dos temas principais do texto são os conflitos de raças e classes no Brasil, mas pelos olhos de uma família branca, que é o lugar de onde eu posso falar com conhecimento. O texto mudou na mesma medida em que o Brasil mudou, porque um é reflexo do outro; e a forma como se discute racismo e misoginia evoluiu muito na última década. 

“Humanismo Selvagem” tem uma proposta provocadora?

O plote inicial é simples, o conflito entre uma família branca com uma mulher preta, que no passado trabalhou na casa dessa família. Entretanto, abordar esse tema no Brasil é extremamente complexo, ao mesmo tempo em que é necessário; não existe resposta ou caminho fácil. Há quem vá amar, há quem vá odiar, e nós estamos prontos para ouvir a todos. Só que o texto tem uma visão muito clara e se põe como aliado na luta antirracista. Obviamente, não estamos imunes a críticas. No elenco, temos uma negra e, na equipe, são duas, e a meta é trazer cada vez mais diversidade para dentro da Bife.

O espetáculo de teatro conversa com o cinema. Como isso acontece?

Essa relação se dá de muitas formas, desde referências claras a filmes como”Corra!”(filme com direção de Jordan Peele, 2017)  e “Hereditário” (longa-metragem dirigido por Ari Aster, 2018), como também na preocupação pelo enquadramento e simetria da cena. Entretanto, talvez a mais forte influência seja no jeito como o texto é construído. 

Depois dos podcasts “Selvageria” e “País do Futuro 2024” [produções da Bife Seco], e de estar no processo de criação de uma série para streaming, a estrutura de roteiro ficou muito mais marcada na minha produção. Existe uma preocupação de ir revelando a história pouco a pouco, envolvendo o público a cada cena, para, depois, impactar com a crueldade do plote. Eu não acredito na eficácia de uma dramaturgia panfletária, que prega apenas para convertidos. A ideia é chegar aos contrários, através daquilo que o cinema faz tão bem: manipular as nossas emoções.

Você define o espetáculo como uma tragicomédia ou um terror psicológico?

A diferença entre a comédia e o terror está apenas na trilha sonora, essa é uma máxima do cinema; é só lembrar de “Os Pássaros” (1963), de Hitchcock, pensar em como a cena de uma cidade fugindo de aves pode ser cômica e patética. Isso é explorado ao máximo em “Humanismo Selvagem”. Quando o público rir, muitas vezes, será de pânico e desconforto, para aliviar a tensão criada pela cena; e, mesmo quando achar graça, ainda estará diante de um espetáculo extremamente assustador e violento. A ideia é brincar com as experiências da audiência, levando o espectador por uma montanha russa de emoções.

Serviço: peça de teatro “Humanismo Selvagem”

Temporada até 8 de outubro. De quinta-feira a domingo, às 19h, no Teatro da Caixa Cultural (Rua Conselheiro Laurindo, 280 – Centro). Ingressos a partir de R$ 15 (meia-entrada), à venda na bilheteria do teatro. Outras informações aqui.

Equipe técnica com Duda Rezende, na trilha sonora; Leo Gegembauer, na cenografia e figurino; Val Salles, na direção de movimento; Wagner Corrêa, na criação de luz; Emanuel Bill, na operação de luz; Jac Alber, na produção executiva; Sávio Malheiros, na direção de produção; e Mariana S. Pinheiro e Vini Heimann, na assistência de produção.

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