Dédallo Neves constrói um labirinto com poemas

Nos versos de "Minha bricolagem, Osvaldinho", o escritor Dédallo Neves explora relações familiares, memórias e referências pessoais

A experiência de ir com o avô na loja de materiais de construção para comprar, por exemplo, um parafuso, e depois descobrir que ele não era do tamanho certo, então ter de voltar à loja para comprar outro parafuso, marcou a infância de Dédallo Neves. Essa memória é uma das ideias por trás do livro “Minha bricolagem, Osvaldinho”, que o escritor acaba de publicar pela editora Urutau.

Neves é um dos dez escritores que participam do Implode, um lançamento coletivo de livros que acontece no sábado, dia 16 de setembro, das 15h às 21h, na Alfaiataria (Rua Riachuelo, 274 – Centro).

Dédallo Neves

A bricolagem é apenas um dos muitos temas e influências que animaram Neves na escrita de seus poemas. Na entrevista a seguir, ele explica como a noção de labirinto foi central na composição do livro e que tem a ver até com a forma como ele se expressa, dizendo e desdizendo coisas numa mesma frase. “A ideia de um labirinto é muito viva nessa forma de pensar, em que um caminho leva para lá, traz para cá, indica uma saída que pode ser uma entrada para outro caminho”, diz.

Quais são os temas que permeiam os poemas do livro “Minha bricolagem, Osvaldinho”?
O livro está dividido em seis partes, cada uma tem um diálogo interno próprio. O começo é um começo e o fim é um fim, de resto não tive tanta preocupação em estabelecer uma coerência, cuja consequência é ora o diálogo, ora a contradição das partes com o todo. Apesar disso, acredito que este todo tenha sua unidade, especialmente por causa da parte que abre o livro, “labirintite”. É o espaço em que lanço o labirinto como mote. Diria que a ideia do labirinto foi central na composição do livro por dois motivos: primeiro por causa da mitologia do labirinto de Minotauro que me intriga de tempos em tempos. Aí começo a buscar informações e as histórias que se relacionam na mitologia grega, começo a ler e reler sobre isso. Daí também a ideia de construir um labirinto com os próprios poemas e esta construção ser uma bricolagem. O segundo ponto é a memória de ouvir muito da minha companheira, a escritora Jessica Stori, como eu digo e desdigo as coisas numa mesma frase, com ponderações e contradições, dizendo que uma coisa é isso, mas também é aquilo e como pode não ser ao mesmo tempo. A ideia de um labirinto é muito viva nessa forma de pensar, em que um caminho leva para lá, traz para cá, indica uma saída que pode ser uma entrada para outro caminho.

Bricolagem

A ideia da bricolagem devo às lojas de departamento de construção. Uma memória que tenho muito viva em mim por causa, sobretudo, do meu avô. Como a gente frequentava esses espaços! Meu avô ia, comprava um parafuso, voltava e se dava conta que era um maior, aí tinha a bucha e toda uma série de equipamentos bem específicos que nos tomavam uma tarde para um tipo de serviço não especializado – a definição de bricolagem – que era a nossa forma de interação. Mas essa memória precisava ser justificada para que houvesse diálogo com outras pessoas e não fosse só a minha memória, afinal escrever é isso, expressão e comunicação. Encontrei essa justificativa na construção dos caminhos e descaminhos: o labirinto. 

Esta presença familiar se expressou na terceira parte, em que exploro algumas coisas. Exploro a minha relação familiar, mas exploro também a própria relação familiar em si, um tipo de família calcado em equívocos, dos quais às vezes a minha própria compartilha.

De resto, são vários temas: a história do Lázaro (o fugitivo de Goiás), perspectivas sobre o Brasil, tem um poema que descrevi uma rua que um monte de gente que escreve mora, coincidentemente, desde a Mariana Marino, passando pelo Dalton Trevisan, o Pellanda, até um prédio que a Jéss Carvalho morava na frente da Santos Andrade. E, por fim, como o fim é um fim, um tema que me parece que vou escrever para sempre: sobre a minha própria condição subjetiva e o choque (literal) que é a convivência com a epilepsia.

Que escritoras e escritores influenciaram você, sobretudo nesse livro novo?
Como todo mundo, me deixo atravessar por cenas diferentes. A minha atuação na universidade me obriga a ler muitos textos, e não passo ileso a eles. Quando eu escrevia o livro, li a tese do meu amigo Walmir Braga Júnior sobre Ferreira Gullar. Ambos me atravessaram. A primeira parte tem uma inspiração de “A luta corporal”. A poesia contemporânea brasileira também é bastante presente, uma das epígrafes do livro é de Ana Martins Marques. 

Tem uma professora de crítica literária, Maria Elisa Cevasco, muito irreverente, que chamou o Oswald de Andrade de Oswaldinho numa entrevista que a gente fez com ela, achei bom. E era um tempo que eu estava lendo bastante sobre os modernistas, por causa da minha pesquisa, então Oswaldinho (de Andrade) e a professora Maria Elisa tiveram suas contribuições. 

Deseixo

Sobretudo para esse livro, tenho que falar de um grupo que a gente montou na pandemia para trocar poemas, demos naquela altura o nome deseixo (Bruno Leão, Jéss Carvalho, Jéssica Andrade, Lucas Leônidas, Priscila Ship, Richard Roch e Sinval Hortelan Júnior). As pessoas que lá estiveram foram muito importantes para esse e para o anterior que escrevi e foi contemplado pelo prêmio Outras Palavras — e até hoje nada da Secretaria de Cultura publicar (prometeram, mas não tô confiante). Posso falar da membrana também, grupa de escrita que agora faço parte, mas no momento da escrita ainda não fazia, o que não foi um impeditivo de formar, e continuar formando, em mim uma concepção de literatura muito rica e múltipla. Devo isso a Jessica Stori, com quem troco todos os tipos de texto: de poemas a legendas do Instagram. E minha mãe, Adriana Sydor, escritora que me ensinou a escrever e a escrever a banalidade, acho que por isso nós dois nos damos bem com a crônica. 

Você poderia falar um pouco sobre as circunstâncias em que escreveu os poemas de “Minha bricolagem, Osvaldinho”?
Aqui não tem segredo, pandemia. Fechado em casa, sem poder dar rolê, o tempo deu uma esticada. E acho que pra quem escreve é tudo meio parecido, a gente busca o momento ideal, mas ele nunca vem. O negócio é escrever não só a contrapelo, mas a contratempo também. Seis da manhã, o dia amanhecendo, sol que bate, mas não queima.

Na sua opinião, ao escrever, qual é sua principal habilidade? E qual é sua maior dificuldade?
É tirar uma pira. Às vezes a pira bate errado. (Na real, ia responder essa dizendo o uso das crases, mas não me senti confiante.)

Que argumento você usaria para convencer alguém a ler o seu livro?
Moro de aluguel. Seria bom vender alguns. 

Livro

“Minha bricolagem, Osvaldinho”, de Dédallo Neves. Urutau, 84 páginas, R$ 48. Poesia.

Sobre o/a autor/a

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