Camila Fabro abre espaço para sobreviventes no filme “Olhares: vidas pós-AVC”

Em entrevista, diretora do documentário sobre a realidade dos AVCistas fala das motivações e desafios enfrentados para fazer o filme

Na quarta-feira (16), a escritora e colunista do Plural Camila Fabro lança o documentário “Olhares: Vidas Pós-AVC”, na Cinemateca de Curitiba. A sobrevivente de um ataque isquêmico transitório e dois acidentes vasculares cerebrais (AVCs) – no ano de 2019, quando estava com 34 anos – lançou seu primeiro livro “Desmiolada” (Kotter Editorial) no ano passado. O que muda agora é justo o olhar. No livro e em suas colunas, o leitor conhece um pouco do que ela encara no dia a dia a partir do momento em que se viu “desmiolada”. No documentário, idealizado e realizado por ela, Fabro abre espaço para os depoimentos de outros 24 AVCistas. 

Camila Fabro

Na entrevista a seguir, Camila Fabro fala do que motivou a produção do longa-metragem “Olhares: Vidas Pós-AVC”, e sobre como foi o desafio de passar das letras às câmeras para as gravações do filme de junho de 2022 a janeiro de 2023. Entre as revelações, ela conta que se sentiu várias vezes diminuída por ser mulher, e que isso é apenas um dos preconceitos que os sobreviventes sofrem. 

Como surgiu a ideia de produzir o documentário “Olhares: Vidas Pós-AVC”?

O filme surgiu antes da “Desmiolada” [coluna publicada pelo Plural], a ideia veio quando eu ainda estava voltando a escrever. Ao frequentar o grupo de apoio AVC – A Vida Continua em uma rede social, percebi que meu drama era vivido por várias pessoas do Brasil inteiro, todo vídeo ou depoimento que elas compartilhavam fazia parte do que eu estava vivendo. 

Ali tive a sacada de que aquela história não era só minha, mas coletiva. Com o tempo, alguns de nós fomos criando algumas afinidades e fizemos um grupo de WhatsApp – é onde nos reabilitávamos juntos. Quem tinha condições de pagar pelo tratamento específico repassava os exercícios para quem não tinha a mesma oportunidade, eu era uma dessas pessoas.

Essa união dos sobreviventes me mostrou as condições impostas pela vulnerabilidade após um AVC, percebi a necessidade de fazer um documentário e ampliar essa rede de informações a quem precisa para – ao mesmo tempo – denunciar a falta de políticas públicas para quem tem um AVC, desde o socorro até a reabilitação.

Você selecionou os participantes, roteirizou e dirigiu a produção, e também fez as entrevistas. Como foi assumir a posição de documentarista e quais foram os maiores desafios?

Os participantes fazem parte da minha rede de apoio, a maioria teve AVC no mesmo ano que eu (2019). Eu já era roteirista audiovisual antes de sofrer o episódio que mudou tudo na minha vida e me aventurava como diretora de vez em quando, mas o meu lado mais forte sempre foi a produção. Inicialmente, pensei em ser apenas produtora, contudo, os depoentes foram contra porque não se sentiam à vontade para contar suas histórias para alguém em que não confiassem muito. Daí troquei a minha função de produção pela direção. 

Costumo dizer que a ideia de ser documentarista surgiu da necessidade, essa é uma história que merece e precisa ser contada, todos os dias pessoas sofrem AVC e passam a lidar com a negligência. Somos uma comunidade impactada por vários preconceitos, o que nos marginaliza e nos tira a dignidade, além do capacitismo, sofremos com o machismo, racismo, homofobia, etarismo, tudo isso é mostrado no documentário. Ou seja, a necessidade de lutar por mim se uniu à necessidade de lutar por nós, assim me tornei roteirista, diretora e proponente do “Olhares: Vidas Pós-AVC”. 

O maior desafio, acredito que foi lidar com o machismo. Durante o processo, várias vezes me senti diminuída por ser mulher, por ser destratada e questionada em situações que dificilmente aconteceriam com homens. Isso me impactou muito, pude ver claramente a intensidade do machismo curitibano e, como se trata de uma causa muito importante para mim, esses comentários e ações se tornaram mais evidentes.

O longa-metragem valoriza a garra de cada um dos 24 AVCistas que dá depoimento na obra (25, contando com você), o que já é um argumento fortíssimo para indicar o filme para o público em geral. Mas, por que você acha que “Olhares: Vidas Pós-AVC” deve ser assistido? 

O nome “Olhares: Vidas Pós-AVC” nasce da observação do olhar preconceituoso, que diminui o outro, todo mundo já sentiu esse olhar por várias razões, todos sabem bem do que estou falando. Entretanto, no caso do AVC, nos tornamos pessoas com deficiência (PCDs) e recai sobre nós o olhar do capacitismo encoberto pelo sentimento de piedade. A primeira impressão que temos é de que somos incapazes de fazer absolutamente tudo, dá aquela sensação de estar “morto em vida”. Não é à toa que muitos sobreviventes chegam ao suicídio no primeiro ano após sofrerem o AVC, pois o impacto disso é imenso. 

No começo, o documentário aborda todas as limitações das sequelas, porque é justamente isso a primeira coisa que todos veem na gente. Primeiro, sempre vem a deficiência. Depois o documentário questiona propositalmente a questão da capacidade, mostro formas lindas de reclassificação por meio da música, dos estudos, do esporte e das relações humanas. Por que a sociedade nos define como “incapazes” se somos capazes de fazer tantas coisas incríveis? 

Por meio desse ponto de vista, o filme empodera o sobrevivente, mostrando que ele pode – sim – seguir em frente e buscar grandes vitórias, tanto pessoais como coletivas. O empoderamento é algo fundamental para combater o capacitismo, sentir orgulho de si mesmo é a melhor arma contra a violência do preconceito. Afinal, tudo isso são olhares.

“Olhares: vidas pós-AVC”

Lançamento do documentário “Olhares: vidas pós-AVC” na quarta (16) e na quinta-feira (17), às 19h, na Cinemateca de Curitiba (Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1.174 – São Francisco). Ingressos gratuitos, distribuição a partir de uma hora antes de cada sessão. Outras informações, na conta do Instagram de Camila Fabro.

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