A redenção das vagabundas em “Pam & Tommy” e “American Crime Story”

Séries do Star+ revisitam casos de Pamela Anderson e Monica Lewinski sob a perspectiva de um mundo que (aleluia) mudou

Pode ser difícil de notar, dados os retrocessos nos Estados Unidos e a ascensão de um conservadorismo moralista e sexista no Brasil, mas o mundo mudou. A prova disso está em cartaz no serviço de streaming de vídeo Star+. Em “Pam & Tommy” e “American Crime Story” (Temporada 3), ambas disponíveis na plataforma, dois casos famosos envolvendo mulheres e sexismo são reencenados, agora sob a perspectiva do #metoo e de um mundo que é menos condescendente com a violência contra a mulher.

Star+

As duas séries são versões romantizadas de dois episódios marcantes: o vazamento de um vídeo de sexo de Pamela Anderson – na época estrela do seriado “Baywatch”, e o caso entre Monica Lewinski e o então presidente americano, Bill Clinton. O caso de Anderson foi o primeiro episódio de porn revenge (pornô de vingança) da era da internet.

É uma boa oportunidade para olhar algo que foi formativo para muitas mulheres – agora com 40 ou 50 anos – na década de 1990, mas que hoje recebe uma nova luz. Especialmente no caso de Lewinski, cujas cenas de sexo oral com Clinton foram exploradas extensivamente na cultura pop, a série permite um segundo olhar mais maduro e realista dela como mulher e como vítima.

Não se trata de achar que evoluímos muito, mas evoluímos. E isso ajuda muito num momento em que tudo parece apontar para um retrocesso.

Sex tape – pornografia e vingança na internet

Pamela Anderson depõe em processo contra a Hustler. Foto: divulgação Pam & Tommy.

Em 1995, o casal Pamela Anderson e Tommy Lee (baterista da banda Mötley Crüe) estava vivendo sua lua de mel e reformando uma mansão em Malibu quando Lee se desentendeu com a equipe que trabalhava nas obras. Invocado e metido a valentão, Lee apontou uma arma para um dos profissionais e declarou que não pagaria as dezenas de milhares de dólares que devia pelo trabalho.

Humilhado, Rand Gauthier decidiu que era hora de punir o roqueiro. O que fez roubando da mansão um cofre cheio de dólares, objetos pessoais e uma fita de gravações caseiras. Seria só isso, se entre as imagens do casal se divertindo num iate não estivessem gravações de Anderson e Lee transando, bem, naquela empolgação de todo casal jovem e recém-casado.

Gauthier tentou fazer dinheiro vendendo a fita para produtoras de filmes pornôs, mas sem sucesso. Foi então que ele se uniu a um conhecido, conseguiu financiamento com um mafioso e passou a reproduzir a fita para vender pela internet. O seriado aí começa a seguir duas sagas paralelas: a de Gauthier tentando ganhar dinheiro com a fita e a de Pamela, tentando impedir que a fita se tornasse domínio público.

Quando a revista “Hustler” (uma “Playboy” mais explícita) resolveu publicar fotos retiradas do vídeo, Pamela abriu um processo contra a publicação alegando direito à privacidade. O depoimento dela à Justiça é um show de machismo e violência resumido bem em uma frase de Pamela no seriado: “Eu não tenho nenhum direito. Porque eu passei minha vida pública de maiô. Porque tive a ousadia de posar pra “Playboy”. Mas eles não podem dizer que piranhas, e é isto que essa decisão diz, pro caso de você não ter entendido, eles não podem dizer que piranhas não têm o direito de dizer o que é feito das fotos do próprio corpo”.

O seriado tem um elenco estrelar: Lily Jones como Pamela, Sebastian Stan como Tommy Lee e Seth Rogen como Gauthier; e performances excelentes.

Onde assistir Pam & Tommy:

  • Star+, 8 episódios de 50 minutos.

Monica Lewinski e o impeachment de Clinton

Linda Tripp, a grande vilã da história de Lewinski. Foto: Divulgação

Monica Lewinski tinha apenas 23 anos quando conheceu o então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton. Trabalhando como estagiária na Casa Branca, Lewinski acabou se envolvendo num relacionamento sexual com Clinton no fim de seu primeiro mandato, em 1995, que durou até março de 1997. O caso acabou vindo a público em 1998 e virou parte do que se tornou um processo de impeachment contra Clinton.

Produzido pela própria Monica Lewinski, a história – parte da série “American Crime Story” – foca tanto na pressão sobre a jovem Lewinski quanto nas articulações políticas que a usaram como instrumento de manipulação da opinião pública durante o caso. Muito embora Lewinski tenha ficado com a fama de ter feito sexo oral com Clinton na Casa Branca, a história é um pouco mais complicada.

Depois de se livrar de um indiciamento num caso de corrupção de quando foi governador no Arkansas, Clinton passa a ser alvo de outras tentativas de evitar sua reeleição. Um grupo político decide patrocinar o processo de uma mulher – Paula Jones (interpretada por Annaleigh Ashford) – por assédio contra o presidente. Ao mesmo tempo, uma funcionária de carreira da Casa Branca, Linda Tripp, amarga uma “promoção” para um cargo mais bem pago e menos glamouroso no Pentágono, depois que seu chefe tira a própria vida.

Tripp quer vender um livro sobre sua experiência na Casa Branca para documentar o que ela considera uma degradação do protocolo governamental depois que Clinton substituiu o republicano George H. W. Bush. Lewinski é transferida para o mesmo local quando os assessores do presidente decidem evitar um novo escândalo enquanto Clinton disputa a reeleição.

Mais tarde, quando o caso extraconjugal de Clinton com Monica vira uma investigação no FBI, a ex-estagiária é forçada a descrever um a um todos os encontros sexuais com o presidente, o que junto às fitas de suas conversas com Linda se torna público. É uma humilhação pública sem precedentes contra uma mulher extremamente jovem.

A série explora todo esse processo, mostrando a pressão injustificada sobre Lewinski para tornar viável uma ação de impeachment contra Clinton. Mas também a postura descuidada de Clinton em jogá-la aos lobos. Em dez episódios de cerca de uma hora cada, o seriado cumpre a promessa de mostrar a situação toda na perspectiva das mulheres, em especial Lewinski e Jones, que na época foram expostas, agredidas e humilhadas no lugar de quem realmente era para ser atingido: Bill Clinton.

É curioso tentar imaginar como um escândalo semelhante se desdobraria hoje. Mas o fato é que o julgamento moral contra Jones e Lewinski não seria o mesmo. Nem a facilidade com que promotores e investigadores constrangeram Lewinski ao expor sua privacidade.

Onde assistir American Crime Story

  • Star+, 8 episódios de 50 minutos

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