“Palácio de papel” tem algo a dizer para uma geração de mulheres

Miranda Cowley Heller constrói uma narrativa marcada pela força feminina em meio a dilemas e desafios

Quando Elle Bishop transou com o amigo de infância numa quente noite de verão, a satisfação sexual trouxe mais do que felicidade transitória. Colocou a mulher madura, casada e mãe, em confronto direto com o amor e os segredos do passado. As férias em família se transformaram então numa reprise de décadas de encontros e desencontros, e trouxe à tona a marca profunda que a violência sexual deixou em sua infância.

“O palácio de papel” é o primeiro romance de Miranda Cowley Heller, cuja estrutura narrativa converge inteiramente para as cabanas de verão de uma família em Cape Cod, uma península no estado de Massachusetts que é um agradável e conveniente destino de férias. Construído pelo avô de Elle, o local marca a passagem do tempo na história da protagonista. É como se, ao voltar para lá, Elle conseguisse colocar em perspectiva o caos da vida.

Como um pêndulo, a história vai do passado (a infância e a adolescência de Elle) à tensão presente, repetidas vezes, enquanto a personagem oscila entre se entregar à paixão por Jonas, um menino tímido e curioso, e a felicidade do casamento com o simpático e parceiro Peter, com quem tem três filhos.

O texto vai revelando toda a textura familiar, das avós de Elle aos namorados da mãe. A narrativa é claramente marcada pela força das mulheres da família e seus dilemas e desafios década a década. É bastante clara a influência, no texto, da recente força do movimento #MeToo e do protagonismo feminista. Mas se o romance denuncia a injustiça que permeia a vida da mulher, isso é sutil e não prejudica a natureza literária da obra.

Compreensão

Outro tema marcante de “Palácio” é a transição que ocorre com toda mulher, quando ela deixa de criticar a mãe e passa a compreendê-la. Elle percebe nas falhas da geração anterior não só as limitações dela, mas também o peso da falta de diálogo e de expectativas equivocadas.

Para ela, esse abismo se abre quando seu irmão postiço (filho do padrasto) começa a assediá-la, invadindo seu quarto durante a noite. Envergonhada, ela não tenta buscar a proteção da mãe, mas finge estar dormindo. Enquanto pensa que assim não se expõe, na visão do agressor, o falso sono é uma aceitação, o que a expõe ainda mais à violência.

Para uma geração de mulheres que nasceram nos anos 1980 e 1990, “O palácio de papel” oferece um roteiro de recordações e um mapeamento do caminho que percorremos nas últimas décadas. Uma espécie de arqueologia de sentimentos e pertencimento. Talvez por isso o desfecho da história não vá surpreender ninguém.

Livro

“O palácio de papel”, de Miranda Cowley Heller. Tradução de Camila von Holdefer. Intrínseca, 436 páginas, R$ 79,90. Romance

Sobre o/a autor/a

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