“A Rainha Diaba” vive caos ultraviolento do Brasil dos anos 1970

Cópia restaurada do filme de 1974, dirigido por Antonio Carlos da Fontoura, será exibida no festival Olhar de Cinema 2023

Uma “poesia cafajeste”, datada e, muitas vezes, hilária, criada pelo grande dramaturgo Plínio Marcos (1935–1999), lança o espectador nas profundezas do mundo da marginalidade, violência e tráfico de drogas do Rio de Janeiro dos anos 1970. E é essa poesia um dos pontos altos do filme “A Rainha Diaba”, realizado em 1974, com direção de Antonio Carlos da Fontoura, que será exibido em cópia restaurada no festival Olhar de Cinema 2023.

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A obra é o que se costuma chamar de “boca de lixo”, um estilo abominado por muitos espectadores que buscam no cinema o “bom gosto” das produções internacionais. Mas, goste-se ou não, a boca de lixo é a cara de uma parte do cinema brasileiro popular dos anos 1970 e 80, que apresenta, mesmo que de forma excessiva (será?), a realidade crua de certos setores da sociedade do país (da elite às classes mais pobres).

Olhar de Cinema

O filme tem como figura principal um sujeito curioso: um excêntrico homem gay, apelidado de “Rainha Diaba”, que comanda uma boca de fumo na periferia do Rio de Janeiro. Com visual extravagante, quase carnavalesco, e cercado por um grupo de travestis, uma espécie de exército que defende a sua “Rainha” e faz todas as suas vontades, além seguranças armados com metralhadora, ele vive (e comanda o tráfico) nos fundos de uma casa de prostituição.

– Não se meta nessa jogada, Bereco. É sujeira. O Zeca Catitu só cuida dele.

– Então, aí é que tá. Com a subida dele, ele precisa de uma escora, e eu entro aí. Com esse berro na mão, me instalo!

– Poxa, Leleco. Será que não chega a vida boa que eu te dou? 

– Que boa vida? Uns pixulé mixuruca desses? Escuta aqui. Você acha que ser cafetão de mulher pobre é coisa de um cara do meu naipe? Boa vida eu vou ter é daqui pra frente. 

Trecho do filme “A Rainha Diaba”, com roteiro do dramaturgo Plínio Marcos e do cineasta Antonio Carlos da Fontoura.

Não é necessário saber de onde ele veio e como chegou a esse posto tão cobiçado pelos malandros da região. Basta ver, quando está furioso, seus olhos se arregalarem e o som de sua voz, afeminada, engrossar como um rugido, para compreendermos que ele é merecedor de ocupar aquele “trono”. E quando, em um momento em que está pintando as unhas com um ar sonhador e romântico, descobre algum vacilo de seu grupo e desfere uma joelhada no estômago de um brutamontes e rasga o rosto de um de seus comparsas com uma navalha, sabemos que sua prepotência está amparada por almas que habitam os corredores e os becos mais escuros da cidade. Aliás, esse filme deveria ser obrigatório para as pessoas que insistem em argumentar que não havia “bandidagem” na época da ditadura no Brasil. Estamos no início do governo do ditador Ernesto Geisel, e o clima é de caos ultraviolento. (Ele terminou seu mandato em um cenário ainda mais aterrador, mostrado por Hector Babenco no filme “Pixote”, de 1980.)

A Rainha Diaba

A Rainha Diaba (interpretada de maneira debochada e exagerada, mas extremamente saborosa e convincente, por Milton Gonçalves) começa a desconfiar de que está sendo traída, que querem tomar o seu lugar na boca de fumo. Quem está preparando a emboscada é o malandro Catitu (Nelson Xavier), que realiza alguns trabalhos para a “Diaba”. Catitu usa o marginal jovem e inexperiente Bereco (Stepan Nercessian) para entrar na jogada, prometendo-lhe um bom posto no mundo da bandidagem. 

Esse mundo é retratado com um aspecto de sujeira, miséria e uma violência realmente repugnante. Aqui, nada é higienizado, apresentando, inclusive, uma das cenas mais insanas de tortura do cinema, envolvendo cigarros e uma prancha para alisar cabelo.  

Será interessante assistir a esse filme junto a uma plateia, que vai acompanhar um espetáculo grotesco e uma verdadeira descida ao inferno em que a “Diaba” será a última a chegar.   

Onde assistir

O festival Olhar de Cinema exibe “A Rainha Diaba” nesta quinta-feira (15), às 16 horas. Haverá também uma sessão na sexta-feira (16), às 20h15, mas os ingressos estão esgotados. Ambas as sessões ocorrem no Cine Passeio. Confira a programação completa do festival aqui.

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