A construção de Chico Buarque, “um menino que tem muito talento”

No livro "Chico Buarque no Jornal do Brasil", pesquisador leva os leitores a um passeio histórico a partir de notícias da imprensa carioca

Era o dia 28 de abril de 1965. Vinicius de Moraes dava entrevista ao “Jornal do Brasil”. Tratando dos rumos da bossa nova e da música popular brasileira, falou de “um menino que tem muito talento”, um compositor com o potencial de levar o movimento adiante. Ele se referia ao então desconhecido Chico Buarque de Hollanda, que em pouco tempo deixaria o anonimato para se tornar um dos nomes mais influentes da arte brasileira.

Quem conta essa história é o jornalista e mestre em música Daniel Derevecki. No livro “Chico Buarque no Jornal do Brasil: um artista em construção”, ele leva o leitor a um passeio histórico que vai de 1965 a 1968, na condição de quem lê o noticiário, tendo o artista como personagem.

“Estou olhando para um Chico Buarque que ainda não é o Chico Buarque que a gente conhece”, explica Derevecki. “Esse talvez seja o ponto mais interessante de todo o livro, porque hoje é difícil pensar no Chico Buarque como um iniciante, um menino de 22 anos que surge na cena artística do eixo Rio–São Paulo.”

Tendo Chico Buarque como perspectiva analítica, Derevecki olha criticamente para o contexto histórico em foco, que culmina na promulgação do AI-5 e no autoexílio do artista na Europa. A pesquisa de mestrado que deu origem ao livro envolveu a catalogação e a reflexão sobre as 1.538 menções feitas pelo “Jornal do Brasil” ao nome do compositor nos anos iniciais do Regime Militar no Brasil. 

Um livro para muitos

Embora seja uma adaptação de sua dissertação em música, a obra interessa também aos não músicos. Quem estuda a história da imprensa será contemplado, já que o autor faz uma revisão do movimento dos jornais ao longo do século 20. Como o “Caderno B”, do “Jornal do Brasil”, foi o primeiro caderno do país dedicado exclusivamente à cultura, os interessados em jornalismo cultural também encontrarão boas histórias e reflexões. E sendo, essencialmente, um livro de história, os curiosos pelo período da ditadura militar brasileira também vão encontrar elementos de interesse – afinal, o jornal conta a história do tempo presente.

Muito do que acontecia naquela época está se repetindo, de acordo com o jornalista. “Fiz a pesquisa entre 2019 e 2020, e estava observando o noticiário. Fui percebendo a imprensa ligada ao grupo de direita e as famílias tradicionais vendo que compraram uma canoa furada com o contexto político recente que nos levou a 2018. Então quem gosta de pensar a relação entre política e imprensa, também o livro está aí para isso.”

Crítica musical

Naturalmente, o livro atende aos músicos. Derevecki faz um trabalho reverso de crítica musical. Em um jornal, o crítico ouve uma obra musical e coloca o que é do campo da teoria em termos que o leitor consegue compreender. Em parte da obra, o autor fez um exercício contrário. 

“Por exemplo, o crítico fala que a música tem um tom melódico vazio. O que ele quer dizer com um ‘tom melódico vazio’? Vou analisar outras obras que ele está mencionando para entender o que ele está chamando de ‘tom melódico vazio’. E eu começo a entender que ele acha que tom melódico vazio são melodias estruturadas em cima das notas básicas do acorde. Algo do campo da teoria musical. E que música sofisticada para ele é uma música que envolve um arranjo que começa meio bossa nova, depois vira samba. É uma música que tem acordes de empréstimo modal. Procuro fazer esse trânsito”, explica Derevecki, que sempre teve duas paixões, a música e o jornalismo.

O autor

Após 15 anos de trabalho em redações, Daniel Derevecki decidiu voltar sua atuação para a música. Formou-se bacharel em Música Popular Brasileira e, em seguida, graduou-se mestre com a dissertação que deu origem ao livro. Derevecki assina a coluna “Popcorn Music” no Plural, na qual fala sobre trilha sonora de séries de TV e cinema.

Livro

“Chico Buarque no Jornal do Brasil: um artista em construção”, de Daniel Derevecki. CRV, 150 páginas, R$ 39. Música.

Sobre o/a autor/a

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