O medo mata a mente

As pessoas são como os cavalos, usam antolhos. Decerto, anatomicamente correspondo exatamente à descrição de um espécime de ser humano, então é duro, mas preciso me colocar nessa conta.

Eu queria ser como um cavalo selvagem: nobre, destemido, elegante, com uma beleza hostil, correndo pelas pradarias da Mongólia – dizem que lá ainda existem cavalos selvagens – de forma absolutamente solta e intrépida.

Em vez disso, sou domesticado e meio estúpido.

Os antolhos dos cavalos são feitos de couro. Obrigam os poderosos animais – você já viu um cavalo de perto? é imponente – a olhar sempre adiante. Eles não têm chance de considerar um outro caminho. Pastos verdejantes à direita? Morros? Pequenas colinas? Nada feito. Estrada, terra, cascalho, poeira, arreio e chicote, puxar uma carroça até o topo torcendo pra, no fim do dia, ganhar uma espiga de milho. Se você for um cavalo que deu sorte, vive na roça, e de vez em quando pode nadar. Cavalos nascem sabendo nadar, ao contrário de mim, que nunca aprendi. Mulas, até onde sei, não. Mulas são apenas operárias. Trabalham e dormem em pé.

Meu pai tem uma história sobre mulas. Era uma criança e foi mandado – sem chance de contestação – arar um terreno. Trabalho pra uma semana, que, desavisado, ele fez em um dia. Foi a única vez em que alguém viu uma mula deitada, exausta.

Nós, integrantes da humanidade, usamos antolhos feitos de estupidez, amor, amizade, ódio, paixão, certeza e – o pior de todos – medo. Puro medo. Eu e você sentimos medo, o tempo todo, e por vezes questionamos se na verdade não somos apenas covardes, que é a pior coisa que uma pessoa pode ser. Estamos quase sempre mijando nas calças, pelos mais variados motivos.

Nos últimos anos, por conta daquele quadrúpede que ainda sou obrigado a chamar de presidente da República, temos medo do Estado. É novidade? Não. O Estado sempre esteve aí precisando apenas estalar os dedos pra te aniquilar. É uma eficiente máquina de destruição. Perde pras multinacionais.

E, ainda assim, o Estado é um exemplo de pacificação, a maior turma do deixa-disso do mundo. Por isso, eu e você não saímos na mão diariamente.

O Estado se torna mais sinistro quando está ocupado por quem o Senhor, no improvável caso de existir, parece ter moldado com o restolho da Criação, pra, em sua infinita sabedoria, não precisar levar o lixo pra fora. Imagino que você saiba de quem eu estou falando.

Durante o Sete de Setembro, o Plural viu um seguidor dele, naquela manifestação em Curitiba, fazendo a saudação nazista. Passei muito tempo olhando aquela imagem, nos últimos dias, embora ela não estivesse exatamente nítida. O sujeito usa óculos. Eu geralmente simpatizo com quem usa óculos. As mulheres ficam sexys. Mas o nazista tem uma bandeira do Brasil amarrada no pescoço, como se fosse uma capa de super-herói. Eu não simpatizo com bandeiras e nem com super-heróis. Até a risada daquele rapaz deve ser medonha. Como uma hiena, carniceira e repelente. Está lá, braço esticado, emulando a pior coisa que produzimos no século 20.

Eu sinto medo de muitas coisas, mas não dele, ou do presidente, ou da corja toda. Não mais. É bom não ter nada a perder e saber que, se o pau cantar mesmo, você pode fazer qualquer coisa. Inclusive, a coisa certa.

Há um grande romance de ficção científica, Duna, de Frank Herbert. Uma adaptação para o cinema está prestes a estrear, até onde sei. O diretor agora é Denis Villeneuve, que acho muito bom, ao contrário de quem comandou as filmagens da primeira versão, nos anos 80 – atenção: vou arrumar confusão -, David Lynch, que é um camarada cuja missão é espalhar aborrecimento pelo mundo.

Em Duna, o livro, existe um importante e bonito ensinamento, que guia o personagem principal: “O medo mata a mente”. É difícil colocar em prática? É. Mesmo assim, é ótimo tentar.

P.S.: para mais conselhos de coach, compre o curso de um picareta qualquer. Esse aí de cima é o único que eu tenho.

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